03 Abril 2019
Reunidos até sexta-feira para a reunião geral da primavera em Lourdes, os bispos franceses têm a tarefa de discutir e refletir sobre o seu trabalho com os jovens. Sem dúvida, vão tratar disso. Mas as questões urgentes são outras. Em primeiro lugar, a luta contra a pedofilia, após o encontro mundial realizado no final de fevereiro no Vaticano. Mas acima de tudo, desde o início do ano, o catolicismo francês, já enfraquecido pela secularização, atravessa grandes tormentos, profundamente abalado pela crise dos abusos sexuais.
O caso do cardeal Philippe Barbarin, condenado a seis meses de liberdade assistida por não denunciar atos de pedofilia contra menores – mas que recorreu e acabou de reagir com forte apoio do Papa Francisco, que não aceitou sua renúncia –, desperta intenso debate nos círculos católicos. Na Igreja, o caso tem repercussão mundial. O arcebispo de Lyon, com destino incerto, não deveria estar em Lourdes. Exatamente como o núncio apostólico Luigi Ventura (o embaixador do Papa), ele mesmo sob a acusação de quatro denúncias por agressão sexual...
A entrevista é de Bernadette Sauvaget, publicada por Libération, 02-04-2019. A tradução é de André Langer.
Nesse contexto delicado e até criminoso, o episcopado francês deve escolher uma nova direção, incluindo um presidente. Entre os “papáveis” figuram Eric de Moulins-Beaufort, que acaba de assumir a diocese de Reims, Dominique Lebrun, arcebispo (muito conservador) de Rouen, e Laurent Ulrich, arcebispo de Lille, ex-vice-presidente da Conferência dos Bispos da França (CEF). O futuro é delicado... Para a socióloga da EHESS e especialista em catolicismo Céline Béraud, o desafio situa-se agora na crise de poder que se joga na Igreja.
Como, na França, reagem os círculos católicos aos repetidos escândalos de abusos sexuais que atingiram sua instituição?
Os fiéis se sentem muito desestabilizados. A crise dos abusos sexuais soma-se à constatação que eles mesmos fizeram há muito tempo, a saber: a Igreja Católica está em declínio na França. Eles veem que há cada vez menos crianças na catequese e que as igrejas estão se esvaziando. Essa enorme onda de escândalos ocorre nesse contexto em que os católicos já vivem como uma minoria. Alguns deles também acreditam que a instituição e sua hierarquia mentiram para eles. Esse sentimento existe entre os católicos praticantes, muito ligados à Igreja, mas na qual não confiam mais.
Eu também vejo raiva. Os fiéis têm a impressão de que a Igreja está enfrentando um enorme perigo e não hesitam em se referir a momentos históricos, como a Reforma Protestante do século XVI. Do lado de fora, suas redes de amizades e profissionais interpelam-nos para que prestem informações sobre esses abusos sexuais. E têm dificuldades para encontrar as palavras certas.
Parece ter havido uma profunda mudança desde o começo do ano. O que você acha?
O contexto já estava presente. Mas houve, obviamente, uma aceleração em fevereiro-março com o lançamento do filme de François Ozon, Grâce à Dieu [Graças a Deus], que muitos católicos foram assistir, a publicação do livro Sodoma de Frédéric Martel sobre a homossexualidade no Vaticano, as consequências do julgamento do cardeal Barbarin, a reunião sobre a pedofilia no Vaticano e o documentário do canal Arte sobre os abusos sexuais de freiras que atingiu os espíritos de muitas pessoas, colocando em causa especialmente os Irmãos de São João, uma congregação religiosa que encarnou a renovação católica durante os anos 80 e 90.
Os escândalos que assolam a Igreja Católica giram em torno da sexualidade. Por quê?
Nos últimos quarenta anos, seu discurso concentrou-se sobre as questões da moral sexual. A Igreja Católica, neste assunto, apresentava uma grande exigência. Ela se dizia mesmo profética. Mas os comportamentos que acabaram de ser denunciados pela crise de pedofilia e pelos abusos sexuais contra religiosas são todos contra-exemplos deletérios. Parece-me que se o cardeal Philippe Barbarin cristalizou tanto em sua pessoa as críticas relativas ao silêncio das autoridades eclesiais em relação aos casos de que tinham conhecimento, é porque ele próprio se colocou à frente de combates que diziam respeito à moral sexual.
O que você acha que os católicos praticantes estão pedindo?
Eles querem debater, se expressar, tomar a palavra! A maioria dos fiéis considera insuficiente o que lhes foi apresentado até agora, isto é, orações e celebrações pelos pecados da Igreja ou pelos sacerdotes que erraram. Eles também têm essa exigência de que é preciso se voltar para a justiça civil, que os casos sejam tratados como deveriam.
Mas eu percebo algo mais profundo: um questionamento das modalidades de exercício da autoridade na Igreja, que o uso da palavra seja liberado sobre a questão da relação entre sacerdotes e leigos, sobre o lugar das mulheres na instituição e inclusive na hierarquia. Para mim, que trabalho nesses assuntos há vinte anos, isso é algo muito surpreendente. Eu tinha ouvido esses questionamentos, mas apenas às margens do catolicismo, em grupos que se afastaram da Igreja. E não entre os fiéis que permaneceram ligados à sua instituição.
Isso sinaliza o declínio do Manif para todos e dos movimentos conservadores muito ativos desde 2012?
O que está acontecendo agora mostra a pluralidade interna do catolicismo. Os movimentos conservadores não são aqueles que atualmente tomam a palavra. Desde os debates sobre o casamento para todos, no entanto, confiscaram o discurso católico. A crise dos abusos sexuais é uma oportunidade – e não uma instrumentalização, que isso fique bem claro – para ouvir outras vozes sufocadas desde os anos 80 e 90.
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França. “Os fiéis têm a impressão de que a Igreja está enfrentando um enorme perigo”. Entrevista com Céline Béraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU