21 Março 2019
Se o desmatamento na Amazônia continuar como no ritmo atual, a perda da floresta pode levar, até 2050, a um aumento médio da temperatura da região de 1,45°C, o que, além de afetar biodiversidade local, pode ter impactos econômicos e sociais, com o aumento da ocorrência de algumas doenças infecciosas, da demanda por energia elétrica e água e redução de produtividade de alguns cultivos agrícolas.
A reportagem é de Giovana Girardi, publicada por O Estado de S. Paulo, 20-06-2019.
O alerta está em um estudo publicado nesta quarta-feira, 20, na revista PLoS ONE, por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), da USP e da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.
O grupo analisou o impacto já sentido da retirada da cobertura vegetal na reflexão da luz solar e na capacidade de evapotranspiração da floresta (perda de água do solo por evaporação e da planta por transpiração) sobre a temperatura do solo em regiões tropicais e o que pode ocorrer no futuro na Amazônia.
De acordo com o trabalho, o desmatamento já promoveu em áreas tropicais da Terra, um aumento de 0,38°C entre 2000 e 2010. Mas esse valor é uma média para todas as regiões, considerando um desmatamento também médio para essas de 26% no período. A maioria áreas analisadas (67% delas) sofreu menos de 20% de desmatamento. Onde a perda florestal foi mais intensa, o aquecimento observado também é maior.
“Quando olhamos áreas tropicais que sofreram taxas maiores de desmatamento, o aumento de temperatura foi muito maior. Por exemplo, em áreas que perderam 50% de sua cobertura florestal, o aumento médio foi de 1,08°C. Em áreas com 100% de desmatamento, o aumento pode chegar a quase 2°C. Isso provavelmente ocorreu em áreas ao longo do arco do desmatamento da Amazônia”, disse ao Estado o ecólogo Jayme Prevedello, da Uerj e primeiro autor do trabalho.
O pesquisador explica que esses valores de aquecimento são uma média entre as temperaturas diurna e noturna. “Se considerarmos apenas a temperatura durante o dia, os aumentos são ainda mais dramáticos. Na média, o aumento foi 0,87°C. Para locais com 50% de desmatamento, foi 1,7°C, e para 100% de desmatamento foi de 3°C em média, podendo chegar a 5,1°C”, afirma.
Os autores também mediram os impactos que podem ser sentidos entre 2010 e 2050 especificamente para a Amazônia, em um cenário de taxas de desmatamento de alta semelhantes às atuais e em um em que o Código Florestal seja cumprido. No primeiro cenário, a temperatura pode subir em média até 1,45°C.
“Este nível de aquecimento é dramático em áreas com alto nível de desmatamento e rivaliza com o aumento de temperatura devido às mudanças climáticas. Honestamente, fiquei surpreso com esses valores. Já sabíamos há muito tempo que nas margens da floresta, próximo a uma área desmatada, é muito mais quente, mas não sabíamos que esse nível de aquecimento penetrava em áreas tão grandes”, complementa Barry Sinervo, da Universidade da Califórnia, em entrevista ao Estado.
Os resultados são consistentes com outros trabalhos que compararam áreas florestadas com pastagem e cultivos de soja. Um estudo publicado em 2015 por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Centro de Pesquisa Woods Hole, nos EUA, no Mato Grosso, mostrou que quando a floresta é convertida em soja, ocorre um aumento na temperatura da superfície de mais de 5°C. Quando transforma em pastagem, aquece cerca de 4°C.
O estudo, publicado na revista Environmental Research Letters, analisou as transições de uso da terra que ocorreram na Bacia do Xingu entre 2001 e 2010, mesmo período analisado na nova pesquisa.
Sinervo afirma que em outro trabalho já tinha replicado esses resultados em uma medição feita com lagartos – quanto calor eles sentiam na borda da floresta, no meio em campos de soja. “Neste estudo de agora mostra que todo esse excesso de calor ‘sangra’ para dentro da floresta adjacente e dramaticamente eleva sua temperatura para níveis mais altos do que poderíamos imaginar.”
Com base nos resultados, os autores defendem a importância de políticas públicas que contenham o desmatamento e promovam o reflorestamento – o trabalho mostra que a temperatura volta a cair quando árvores são plantadas.
“As políticas de uso da terra defendidas pela nova administração no Brasil podem ser extremamente perigosas para o futuro do planeta – a Amazônia tem um enorme papel no armazenamento e na fixação de carbono – e para os cidadãos locais. Nosso estudo deixa claro que paisagens desmatadas serão muito mais quentes no futuro, enquanto o reflorestamento (com o cumprimento do Código Florestal) poderia servir como uma proteção contra o aquecimento global”, pontua o americano.
“Nosso estudo, combinado a outros similares, mostra claramente que quanto maior a taxa de desmatamento, maior o aquecimento local. Portanto, qualquer política que não reduza as taxas atuais de desmatamento ou, pior ainda, leve ao aumento dessas taxas no futuro, causará aquecimento, com todos os seus impactos ecológicos, econômicos e sociais associados”, complementa Prevedello.
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Desmatamento pode elevar temperatura na Amazônia em 1,45°C até 2050 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU