23 Fevereiro 2019
“Sempre houve colisões entre a lei e os profetas. A lei reflete a doutrina, mas não deve ser distorcida. Ela dá suporte ao ensino, mas deve ser ensinada de forma adequada e cheia de graça.”
O comentário é da teóloga estadunidense Phyllis Zagano, pesquisadora da Hofstra University, em Hempstead, Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 22-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início de fevereiro, o cardeal Gerhard Müller, sem cargo atual, publicou seu “Manifesto da Fé” pessoal em sete idiomas. O documento em inglês, italiano, espanhol, português, francês, alemão e polonês parece atacar o papa.
O cardeal alemão ficou mais do que aborrecido desde que o Papa Francisco não renovou o seu mandato de cinco anos como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, há um ano e meio atrás.
Alguém, talvez exceto Müller, ficou surpreso? Em certo ponto, Müller opinou que, como o papa não era teólogo, cabia a ele, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, explicar a doutrina adequadamente. Pode-se entender que Francisco possa ter levantado uma sobrancelha diante desse comentário.
Em todo o caso, depois do dia 1º de julho de 2017, Müller não faria mais a curta caminhada do Palácio do Santo Ofício até a Casa Santa Marta para reuniões quinzenais com o papa.
Talvez o “telegrama” mais revelador de Francisco sobre a sua insatisfação com Müller tenha vindo em setembro de 2015, quando ele falou com cardeais e bispos reunidos no Seminário St. Charles Borromeo, na Filadélfia. Francisco apresentou os deveres dos bispos: eles deveriam viver uma vida de oração e de pregação. Mas, explicou, na Igreja primitiva, havia a caridade que precisava ser atendida, então os apóstolos “inventaram os diáconos”. Isto é, o diaconato é uma criação da Igreja.
A transcrição oficial diz: “Se eu estiver errado, o cardeal Müller nos ajuda, porque define qual é o papel do bispo”.
Então, agora, parece que o cardeal está definindo o papel do bispo de Roma. Müller reclamou recentemente a uma revista de língua alemã que era inapropriado que a Igreja fosse “administrada pelas regras da ordem jesuíta”. Quais regras? Santo Inácio escreveu as “Regras para sentir com a Igreja”. Depois, há o voto especial de obediência ao papa. A qual destas Müller objeta?
Müller ainda reside em seu apartamento palaciano no Borgo Pio e parece fazer o que pode para discutir a sua interpretação pessoal da doutrina. Ele está especialmente preocupado com questões sobre os católicos em segunda união e as diáconas.
Com o seu “Manifesto” cuidadosamente redigido, Müller nega a ideia de que os pastores podem trabalhar com casais divorciados e civilmente recasados, talvez convidando-os à Comunhão antes que a papelada da nulidade chegue ou quando seja impossível rastrear um momento de alegria no primeiro casamento.
Então, com uma teologia rápida e ligeira, Müller combina o diaconato e o presbiterado. Ele declara que as mulheres não podem ser ordenadas, embora ele – e qualquer bom teólogo – saiba que o diaconato está claramente aberto às mulheres. Ele colide “os três estágios do ministério”, deixando o leitor intuir que as mulheres não podem representar Cristo. Seu argumento se reduz incorretamente em duas direções e pode ser respondido assim: 1) o diaconato não é o sacerdócio; 2) as mulheres e os homens são feitos à imagem e semelhança de Deus.
Simplesmente: os diáconos agem in persona christi servi (na pessoa de Cristo servo), e todos somos feitos à imagem e semelhança de Deus.
Müller talvez desconsidere esses pontos no próprio Catecismo da Igreja Católica que ele desembainha contra Francisco: 1) somente o sacerdócio e o episcopado participam do sacerdócio de Cristo (1.554); e 2) a imagem divina está presente em todas as pessoas (1.702).
Sempre houve colisões entre a lei e os profetas. A lei reflete a doutrina, mas não deve ser distorcida. Ela dá suporte ao ensino, mas deve ser ensinada de forma adequada e cheia de graça. Como afirma o prefácio do antigo Catecismo Romano – o catecismo do Concílio de Trento:
“ A finalidade da doutrina e do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba. Podemos expor muito bem o que se deve crer, esperar ou fazer; mas, sobretudo, devemos pôr sempre em evidência o amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda que qualquer ato de virtude perfeitamente cristão, não tem outra origem nem outro fim senão o amor” (n. 25).
A fanpage do cardeal Müller no Facebook tem 647 membros. O abaixo-assinado do LifeSiteNews apoiando o seu “Manifesto” tem cerca de 16.915 assinaturas.
Existem 1,2 bilhão de católicos no mundo.
Eles seguem Francisco ou Müller?
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O catecismo do cardeal Gerhard Müller. Artigo de Phyllis Zagano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU