26 Outubro 2018
Em editorial publicado na quarta-feira 24, o jornal britânico The Guardian alertou que o planeta não suportará mais líderes populistas como Jair Bolsonaro, à frente nas pesquisas de intenção de voto na disputa presidencial.
A reportagem é de Natália Silva, publicada por CartaCapital, 26-10-2018.
O texto foi assinado por Jonathan Watts, editor global de meio ambiente do jornal, que tem vasta experiência na cobertura de políticas ambientais de países em desenvolvimento, como Brasil e China.
Watts insere a ascensão de Bolsonaro em um fenômeno global, caracterizado por países que, em um contexto de crise econômica, preferem líderes autoritários a pragmáticos.
Segundo o editorial, o Brasil ficaria ao lado de países ditatoriais como China, Rússia e Arábia Saudita, além das “jovens democracias” Turquia e Filipinas, hoje sob governos autoritários, caso o candidato do PSL seja eleito.
A preocupação da comunidade internacional com as medidas propostas por Bolsonaro em relação ao meio ambiente, contidas no editorial do The Guardian, é crescente.
A cada declaração feita pelo candidato e seus possíveis ministros - como Luiz Antonio Nabhan Garcia, cotado para agricultura e meio ambiente - acirram-se os ânimos de quem se preocupa com os possíveis danos causados pela chapa não só ao país, mas ao planeta.
Em 2015, após aprovação do Congresso Nacional, o Brasil tornou-se signatário do Acordo de Paris ao lado de 195 países. O compromisso internacional tem como objetivo minimizar as consequências do aquecimento global.
Na época, ficaram de fora apenas Síria, por conta dos conflitos no país desde 2011, e Nicarágua, que em 2017 voltou atrás e aderiu ao compromisso em “solidariedade” à nações afetadas por problemas climáticos.
Bolsonaro e Nabhan criticaram o Acordo de Paris em diversas ocasiões. O possível ministro, que é presidente da União Democrática Ruralista, comparou o acordo internacional com um papel higiênico.
Após diversas críticas, Bolsonaro afirmou que não vai retirar o Brasil do Acordo de Paris, em entrevista dada na quinta-feira 25. As mudanças constantes de posicionamento, no entanto, despertam incertezas.
Caso o movimento seja concretizado e aprovado pelo Congresso Nacional, o Brasil passaria a ser exceção, ao lado apenas dos Estados Unidos, que deixou o acordo em 2017, e a Síria, que nunca o integrou.
Marcio Alvarenga Junior, membro do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a saída do Brasil do Acordo de Paris seria uma “perda decisiva para as pretensões climáticas globais”.
De acordo com um levantamento feito pelo pesquisador, entre 2005 e 2016 o Brasil evitou a emissão de 6,3 gigatoneladas de carbono equivalente através da redução do desmatamento da Amazônia Legal. “Essa foi a maior contribuição de um país para o clima global no período.”
O conceito de "carbono equivalente" foi criado para que as emissões de diversos gases do efeito estufa pudessem ser expressos em uma única unidade, explica o pesquisador.
Pedro Roberto Jacobi, o coordenador do Grupo de Estudos do Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, classifica as declarações de Jair Bolsonaro como “desastrosas” e, assim como Alvarenga, lembra que o compromisso faz parte da “agenda global da sobrevivência da espécie humana”.
“Eu espero que, se ele vier a ser eleito, haja capacidade de demovê-lo dessa visão absurda, alimentada pelo Donald Trump”. Jacobi afirma que o candidato e o presidente dos EUA são “figuras que fazem muito mal à vida democrática na sociedade global”.
Alvarenga também apontou que a retirada no Acordo contribuiria para o aumento da violência no campo. “Há uma correlação muito forte entre desmatamento e homicídio por conflito no campo. E é sempre bom lembrar que o Bolsonaro tem um discurso extremamente agressivo contra a parte mais precarizada desse processo, como os índios, os quilombolas e os sem terras.”
Em 19 de outubro, a equipe técnica do PSL rejeitou a fusão das pastas do Meio Ambiente e da Agricultura, bem como a retirada do Acordo de Paris. Dois dias depois, no entanto, Bolsonaro reafirmou a ideia de unificação em entrevista a Rede Record. "Até o momento está garantida esta fusão. O ministro será indicado pelo setor produtivo, logicamente que a bancada do agronegócio terá seu peso nessa indicação", afirmou.
Nabhan esteve com o candidato no dia 24 de outubro e, após a reunião, afirmou que a fusão poderá ser revista, caso seja essa a “vontade da maioria da sociedade brasileira".
Fabio de Castro, antropólogo especializado em meio ambiente e professor da Universidade de Amsterdã, acredita que a fusão de ministérios faz parte de uma narrativa “simplista” que caminha para o “desmantelamento institucional total das questões ambientais e de movimentos sociais”.
“Nós éramos felizes e não sabíamos. Nós criticamos muito os problemas dos governos anteriores, mas as instituições democráticas e os sistemas de proteção, mesmo que o governo tivesse ações que levassem a algum problema, não tinham sido tocados.”
Mauricio Torres, professor da Universidade do Pará, pontua que setores da agricultura ligados à exportação não irão apoiar a medida. “Eu não consigo acreditar que o agronegócio que não esteja ligado ao crime organizado da grilagem queira algo assim”.
O descompasso entre o discurso do candidato e de seu partido são fruto de críticas dos setores do agronegócio que dependem do mercado externo. “Ter um desastre em políticas ambientais vinculado ao agronegócio criaria uma resistência, se não um boicote. Essa frase não é só uma imbecilidade em termos de política, é burra comercialmente”, afirma Torres.
Jacobi acredita que, caso a fusão seja concretizada, os assuntos relacionados ao meio ambiente serão colocados em segundo plano, além de ficarem aliados a interesses do setor ruralista. Castro afirma que a medida seria o equivalente a colocar “a raposa no galinheiro”.
Jair Bolsonaro prometeu que, caso seja eleito, interromperá a demarcação de terras indígenas. Em entrevista dada à rádio Jovem Pan em 2017, o deputado afirmou que “as reservas [indígenas] sufocam o agronegócio e levam o caos ao campo.”
As promessas da campanha foram recebidas pelo Ministério Público Federal (MPF) com “tranquilidade democrática”, de acordo com a declaração feita pelo subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha. Ele salientou, no entanto, que se Bolsonaro for eleito, será obrigado a respeitar os limites constitucionais, que acabarão por inviabilizar sua narrativa.
A Constituição de 1988 reconhece o direito dos índios sobre as áreas que ocupam. Ainda que terras demarcadas pertençam à União e não possam ser vendidas, o usufruto de recursos naturais é exclusivo para os povos tradicionais. “Eu espero que órgãos como o MPF coloquem um limite para a postura demencial”, afirmou Torres.
Castro, no entanto, afirma que o discurso “já é um problema seríssimo”, mesmo que as medidas não se concretizem. Segundo o professor, as falas de Bolsonaro dão legitimidade para uma violência que assola o Brasil. “A elite agrária vai se sentir ainda mais empoderada para fazer as barbaridades, que já estavam fazendo, com apoio de um governo nacional.”
Em seu discurso transmitido na Avenida Paulista no último domingo, Bolsonaro chamou o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) de bandidos. “As ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou às cidades.”
O MST e o MTST são movimentos que surgiram em 1984 e 1997, respectivamente, com objetivo de lutar pela reforma agrária e pela reforma urbana. A concentração fundiária e, posteriormente, a especulação imobiliária, são problemas históricos do Brasil, responsáveis por aumentar os índices de violência e morte no campo e na cidade.
Em entrevista dada à rádio Brasil de Fato em julho de 2018, Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, avaliou os dados do Censo Agropecuário de 2017 do IBGE. “Apenas 2.400 fazendas acima de 10 mil hectares ocupam um tamanho de terra maior do que a maioria das terras na mão do povo que produz alimento e que emprega a maior parte da mão de obra no campo, que são as pequenas propriedades até 50 hectares.”
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, o número de mortes em conflitos agrários em 2017 cresceu 15% em comparação com o ano anterior. Foram registrados 70 assassinatos, o maior número desde 2003.
Jacobi classifica a declaração de Bolsonaro em relação a movimentos sociais como a pior possível.
“É uma argumentação de quem realmente não vê a desigualdade do país e a forma que a sociedade se organizou para reduzi-la”, apontou.
Além dos movimentos sociais, órgãos de fiscalização ambiental também foram alvo das falas do candidato. Ele afirmou que acabará com o “ativismo xiita ambiental” e com a “indústria da multa” no Brasil, citando órgãos como IBAMA e o ICMbio, responsáveis pela fiscalização do uso de recursos naturais no país.
Alvarenga afirma que essa visão negativa dos órgãos está atrelada a uma parcela específica da população, que ganha dinheiro com a “exploração desenfreada de recursos naturais”. O pesquisador acredita que esse discurso, no entanto, não traduz a visão da sociedade brasileira.
“Eu não sei se a população consegue relacionar a atuação do ICMbio em uma unidade de conservação para a melhoria ou manutenção do bem estar da sociedade. Mas, a atuação desses órgãos é fundamental isso.”
Ainda no evento no Rio Grande do Sul, o candidato declarou que pretende pedir a revogação da Emenda Constitucional 81. Em uma publicação no Twitter, Bolsonaro afirmou que a EC “relativizou a propriedade privada e potencializou invasões de terra”.
A emenda, aprovada em 2014, alterou o artigo 243 da constituição e prevê que “propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular”.
De acordo com Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia Rural da Universidade de São Paulo, a mudança na emenda não se concretizará. “Não tem como ele fazer uma mudança na constituição de modo a implantar esse tipo de coisa. Ele não teria apoio do congresso, é uma coisa gravíssima.”
Durante um evento para o setor rural realizado em julho no Rio Grande do Sul, Jair Bolsonaro dirigiu essa pergunta a plateia. Em seguida, respondeu a si mesmo dizendo que com tantos recursos naturais disponíveis na região, não era possível deixar esse “espaço vazio” de lado.
Jacobi reforça a visão de que os discursos do candidato demonstram seu desconhecimento sobre o assunto. “É um discurso que não entende absolutamente nada e está sendo manipulado por aqueles que veem na Amazônia apenas um espaço para usufruto econômico e não usufruto da proteção da sociedade global. É um espaço que precisa ser preservado.”
Alvarenga destaca que Bolsonaro descreve políticas de conservação como um entrave econômico e não como uma oportunidade de desenvolvimento nacional. “A intenção é integrar a Amazônia em um modelo predatório de desenvolvimento rural, que intensifica o desmatamento e a emissão de gases do efeito estufa.”
A ex-ministra da meio ambiente Marina Silva declarou apoio crítico a Fernando Haddad no dia 22 de outubro. Em suas justificativas, destacou que Bolsonaro se apoia em “argumentos grotescos, tecnicamente insustentáveis e desinformados” em relação do meio ambiente.
No mesmo dia, foi publicado pela Folha de São Paulo o artigo "Não podemos desembarcar do mundo", assinado por José Sarney Filho - atual ministro do Meio Ambiente - e outros sete ex-ministros da pasta, incluindo Mariana Silva. No texto, é destacada a importância da manutenção dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, além do Acordo de Paris.
Castro avalia que os movimentos sinalizados por Jair Bolsonaro terão impacto a nível local, nacional e global. Aumentando a violência no campo, mudando leis e instituições e retirando o Brasil da lógica da governança global, respectivamente. “São três escalas de ação que vão destruir um trabalho de 30 anos.”
Jacobi não vê pares históricos para os discursos do candidato. “O Brasil nunca teve qualquer outra pessoa que se aproxime da baixíssima qualidade democrática e de entendimento do que significa ser um estadista em um país do tamanho do Brasil”.
Torres, no entanto, encaixou a mentalidade do candidato no século XVI. “É um exemplo de uma mentalidade colonialista, que reduz a uma vala comum os camponeses, os quilombolas, as comunidades tradicionais e acaba com o direito à vida desses grupos. Não é nada diferente do pior aspecto da mentalidade colonialista do século XVI.”
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As ameaças de Bolsonaro ao papel central do Brasil no meio ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU