06 Outubro 2018
Leão de Ouro, Palma de Ouro de Melhor Filme e Melhor Diretor, Urso de Ouro e Oscar: Wim Wenders ganhou todos eles. Nascido em Düsseldorf em 1945, marcou o renascimento do cinema alemão na década de 1970, juntamente com Rainer Fassbinder e Werner Herzog. Reconhecido fotógrafo paisagista, médico fracassado e, depois, aspirante a pintor, gravador, músico, arquiteto, escritor, passou dos Road movies como Alice nas Cidades (1973), Movimento em Falso (1975) e O Decurso do Tempo (1976), onde investiga a contaminação culturais e o cruzamento das fronteiras (temas mais do que nunca atuais), para reflexões fantásticas sobre a humanidade como em Asas do Desejo.
Como o diretor conta ao Il Sole, parece que foi justamente este título que convenceu Monsenhor Viganò a propor-lhe fazer um filme sobre o Papa Francisco, desafio que Wenders aceitou com o documentário homônimo Um homem de palavra, em exibição nas salas italianas de 4 a 7 de outubro. Afinal, quem melhor do que um protestante - embora de fato o diretor tenha nascido católico - poderia contar o perfil "laico" de um líder espiritual? Wenders já agora um retratista sólido, especialmente depois de Pina (o filme de 2012 em 3D dedicado à coreógrafa alemã desaparecida em 2009) e do Sal da Terra (2014, sobre a vida e obra de Sebastião Salgado): dois experimentos com um sabor nostálgico, que além de sua vocação autoral, também convenceram a Academia. Em um mundo onde é quase institucionalizado que os showman se tornam presidentes, uma "Santidade" de Oscar ainda seria uma novidade.
A entrevista é de Federica Polidoro, publicada por Il Sole 24 Ore, 03-10-2018. a tradução é de Luisa Rabolini.
Wenders, rodando um filme sobre o Papa, que ideia final teve sobre a sua figura?
Nunca teria me ocorrido rodar um filme com o papa Francisco, se não tivesse sido proposto pelo Vaticano. Obviamente, eu aceitei. O que distingue o Papa Francisco é sua extraordinária capacidade para se comunicar com as pessoas comuns, a honestidade de sua compaixão, e também o senso de humor. Mas há mais: a força emocional e persuasiva de sua presença; a gentileza; a humildade, o desejo de dar o exemplo, vivendo aquilo que prega; a profunda fé na igualdade de todos perante Deus; a clareza e a simplicidade do seu discurso. Se eu tivesse que dizer o que me surpreendeu mais, no entanto, mencionaria a sua enorme coragem. É uma coragem que pode se transformar em um "calcanhar de Aquiles", deixando-o mais exposto, menos protegido. Toda vez que entra em contato com a multidão, por exemplo, é sempre muito vulnerável.
Em 1993, em "Lisbon Story" o diretor Friedrich Munro queria capturar "a imagem invisível" da cidade. Você conseguiu capar a imagem secreta do Vaticano?
Não era minha intenção fazer uma investigação sobre a Cidade do Vaticano. Eu não usei tal abordagem e, nesse caso, teria sido um filme muito diferente. A única cena no filme que ocorre nos bastidores do Vaticano é o famoso discurso do Papa Francisco sobre as "doenças" que podem afligir até mesmo o clero: quando podem ser vistos os cardeais ouvindo o poderoso e honesto relato dos desvios que podem acometer os homens, incluindo os sacerdotes, percebe-se o desapontamento de alguns deles, enquanto outros aprovam a abordagem radical do Pontífice.
Qual é "a imagem invisível" do nosso mundo em 2018?
Eu me pergunto isso o tempo todo, eu ainda não encontrei uma resposta. Deveria ser o ponto de vista dos deserdados, dos marginalizados, de todos aqueles que não participam do constante crescimento, do consumismo e da abundância. As pessoas que o Papa Francisco nos pede para considerar e com as quais sermos solidários. No que diz respeito às migrações em massa a que estamos assistindo, penso na minha infância, logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando milhões de alemães estavam fugindo da Alemanha Oriental. Pessoas completamente indigentes, morrendo de fome. Mas havia um enorme senso de comunidade, de solidariedade e de gentileza. Visto hoje, esse tipo de responsabilidade social e aquele sentimento de respeito mútuo parecem quase utópicos. Nossa sociedade possui muito mais, mas é também muito mais relutante em compartilhar.
Você acha que a política de Donald Trump, ou seja, de "Mr. #45", como você o chama, terá consequências para além do seu mandato?
#45 não é nem pior nem melhor do que muitas outras pessoas no poder neste momento histórico. Muitos de nossos "líderes mundiais" não demonstram mais qualquer atitude moral. Somos testemunhas de um declínio da decência e de um desdém geral pela noção de verdade, uma espécie em perigo de extinção. E a maneira com que Mr. #45 trata a verdade se enquadra na melhor tradição de qualquer ditadura. Esse legado vai ser difícil de superar. É o paladino da "lei da selva", que se traduz em hostilidade, racismo, injustiça social e nacionalismo. E tem muitos seguidores também na Europa.
Uma ruptura irreparável?
Ele - ou melhor: eles - têm empreendido uma cruzada anacrônica, anulando décadas de cultura de paz. Minha maior preocupação é que, na política, o bem comum não é mais uma prioridade tanto quanto o são os interesses políticos, econômicos e financeiros, que tendem a separar, segregar e excluir. O Papa Francisco está principalmente preocupado com "a comunidade". Representa uma verdadeira autoridade, se forem enfrentados esses temas, e não só para os cristãos. Então, muitas pessoas, independente de qual seja sua nacionalidade, religião ou origem social, defendem agora a necessidade de uma revolução moral. O Papa Francisco é um grande exemplo de integração para o futuro que virá.
Você tem conhecimento sobre o que está acontecendo na Itália?
Pode valer para a Itália o que poderá acontecer na Inglaterra. As pessoas que mais sofrerão com o Brexit são os jovens, as próximas gerações. Eles estarão cortados de um futuro aberto e já estão começando a perceber isso. Aqueles que argumentam que a Itália vai ser melhor sem o euro e sem as "restrições" da União Europeia, são flautistas mágicos que espalham falsas promessas. Vamos admitir: os velhos tempos para os quais querem nos levar de volta não eram tão maravilhosos assim. A independência nacional, ou a glória, são conceitos do passado. A Europa é a nossa única esperança de sobrevivência no futuro global. A velha ideia de nações e soluções nacionais nos fará presa dos grandes players globais. No campo da cultura, as consequências serão ainda mais drásticas. O telhado europeu é a nossa única proteção para a cultura dos estados individuais. Sem o contexto europeu, não existirá mais o cinema italiano.
Pois bem, o cinema do amanhã. Você está entre os cineastas que fizeram uso artístico do 3D, mas parece relutante com o iPhone como ferramenta profissional para fazer filmes e tirar fotos.
É melhor fazer algo criativo em um iPhone do que algo sem substância em alta definição. Eu aprecio a tecnologia apenas na medida em que representa novas possibilidades para a arte. A tecnologia em si é inútil, importa apenas o tipo de uso que é feito dela. Saber até que ponto você possa se aventurar graças a seus instrumentos digitais, o que te permitirão gravar, quais histórias te permitirão capturar, que realidades te permitirão entender: esta é o aspecto interessante, e é a única razão pela qual vale a pena dominar o ofício e aprender a usar câmeras, computadores, dispositivos de edição de vídeo.
Como escolhe os lugares que fotografa?
Na fotografia não tenho uma história, não há personagens: paisagens e os lugares podem ser meus heróis e ser o centro das atenções. Eu tento encontrar a história que os lugares estão dispostos a me contar. Eu me aproximo com uma mente vazia, assim estou completamente aberto para ouvir o lugar. Paisagens, casas e ruínas têm uma enorme capacidade de falar sobre nós, seres humanos, se estivermos dispostos a isso. Torno-me um ouvinte: é por isso que a maioria das minhas fotografias é desprovida de pessoas. Espero até o momento em que todas as pessoas tenham saído do enquadramento: se houver mesmo uma pessoa em um clique, todos os olhos vão se focar naquele indivíduo, mesmo que seja minúsculo, em segundo plano.
Explique-nos a relação entre imagem e música em seus filmes?
Eu amo tanto música que eu não posso responder a essa pergunta em geral. Eu escuto muita música, é uma grande fonte de inspiração. Em um momento da minha vida, eu teria gostado de me tornar um músico. Em outro, eu queria ser um pintor. Um escritor. Ou um arquiteto. Um dia eu percebi que o cinema continha, em conjunto, todas estas profissões e todas as artes. Agora eu posso trabalhar com a música e os músicos, por exemplo; e isso ainda é, em cada filme, o momento do máximo privilégio: quando a música, a história e a imaginação se encontram. O instante que, mesmo agora, dá-me arrepios. A música não deve ser um ingrediente, deve ser integrada à narrativa. Às vezes, a música é a própria história.
Qual é o papel específico da EFA, a fundação cinematográfica que preside desde 1996?
A European Film Academy é extremamente importante para conservar a ideia de um cinema europeu como língua comum do nosso continente. Nossas indústrias locais e nacionais perderam a capacidade de se sustentar de forma autossuficiente, mas estão muito vivas no contexto da comunidade europeia. E vice-versa: o cinema europeu, a imagem de nós mesmos e dos nossos vizinhos, é o adesivo mais importante para criar um sentimento de confiança. A Europa corre o risco de desmoronar, porque, por muito tempo, foi mantida unida por ideias vindas do âmbito financeiro, econômico e político, e não por exigências emocionais ou culturais. Eu diria que, se não formos capazes de reconstruir a Europa sob outras bases, sobre fundamentações mais sólidas do que aquelas econômicas, não vai sobreviver. Estou feliz de investir nisso tempo e energia.
Muitas vezes você repete, como um mantra, o ditado: "Existe apenas o que está dentro do enquadramento, tudo o que é deixado de fora é apagada para sempre". O que nunca você renunciaria em um enquadramento, e o que nunca iria incluir?
Eu nunca poderia expressar isso em palavras, portanto lanço a pergunta de volta: se você olhar Papa Francisco - Um homem de palavra, cada fotograma do filme vai dar-lhe as respostas que procura.
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Papa Francisco, ajude-nos. Entrevista com Wim Wenders - Instituto Humanitas Unisinos - IHU