11 Setembro 2018
Muitos padres e bispos católicos estão frustrados com a continuidade da cobertura da crise de abuso sexual pela mídia. Eles acreditam que o problema foi corrigido e que a Igreja precisa ser capaz de seguir em frente.
O comentário é de Thomas Reese SJ, jornalista e jesuíta, publicado por Religion News Service – RNS, 07-09-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Argumentam que desde a disseminação da má conduta em casos de abuso na arquidiocese de Boston, em 2002, a Igreja dos Estados Unidos aprovou políticas e procedimentos para lidar com essa questão.
É verdade que muitas medidas de precaução foram adotadas. Agora, é preciso verificar os antecedentes criminais de seminaristas e padres, bem como funcionários e voluntários que trabalham com crianças. Quaisquer acusações de abuso devem ser denunciados para a agência impositora da lei. Em alguns estados, o clero agora é obrigado a denunciar casos de abuso, sob pena de reclusão.
Qualquer acusação de abuso também deve ser denunciada ao conselho de revisão leigo da diocese. Se o conselho considerar a acusação plausível, o padre deve ser suspenso e investigado. E durante a suspensão, não pode praticar o ministério. Os resultados dessa investigação devem ser apresentados ao conselho de revisão, que faz uma recomendação ao bispo.
Se há evidências suficientes de abuso, o padre é permanentemente suspenso e o caso vai para a Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma, que decide se ele deve deixar o sacerdócio ou não. Se o caso não ficar claro, a congregação pode convocar um julgamento canônico, seja na diocese ou em Roma. Se o padre for considerado culpado, ele deve deixar o sacerdócio, com algumas exceções para padres idosos ou enfermos. Em qualquer caso, nunca retornaria ao ministério.
Críticos dizem que essas políticas podem estar em vigor, mas questionam se foi aplicada. Segundo notícias e relatórios da Suprema Corte, não é o que parece.
Os bispos e seus defensores apontam que quase todos os casos de abuso reportados pela mídia e por relatórios da Suprema Corte referem-se a casos antigos. A maioria dos casos dos relatórios da Suprema Corte da Pensilvânia, por exemplos, aconteceram anos antes. Dos 300 padres acusados de abuso, apenas dois tinham sido acusados de cometer abuso nos últimos 10 anos. Quase metade dos padres já faleceu. Todas estão fora do ministério.
Os bispos também apontam para a pesquisa realizada pelo John Jay College of Criminal Justice, que analisou acusações de abuso clerical entre 1950 e 2002. A pesquisa concluiu que “ocorreram mais abusos nos anos 70 do que em qualquer outra década, com pico em 1980”. Demonstrou, ainda, que o número de casos aumentou drasticamente nos anos 80 e 90, bem antes das denúncias do The Boston Globe.
Figura 2.3.1, “Natureza e Escopo do Abuso Sexual de Menores por Padres e Diáconos Católicos nos Estados Unidos”, John Jay College of Criminal Justice, 2004
Quando o estudo foi publicado, em 2004, críticos previam que com o tempo as vítimas anteriores viriam a público para mostrar que a proporção de casos de abuso nas últimas décadas era semelhantes a períodos anteriores, possibilidade reconhecida pelo estudo do John Jay.
O Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado (CARA, em inglês) continuou reunindo dados sobre abuso desde 2004 e reportou 8.694 novas acusações de 2004 a 2017. Porém, descobriu que “a distribuição de casos denunciados ao CARA é quase idêntica à distribuição de casos ao longo do tempo dos resultados de John Jay”, de acordo com Mark Gray, do CARA. “As acusações continuam correspondendo ao padrão histórico”.
Se os críticos estavam certos, deve haver mais casos de abuso nos últimos anos. “A tendência deve seguir nos últimos 15 anos se a denúncia de atrasos for evidente”, declarou Gray em seu blogue, em 1964, “mas muitas vezes não foi esse o caso. Até hoje, não houve nenhuma nova onda de acusações como no passado”.
Das 8.694 novas acusações relatadas pelo CARA desde 2004, apenas 302 eram por abuso ocorrido entre 2000 e 2017, uma média de 17 por ano no país inteiro. Apesar de 302 ser um número expressivo, não é como os milhares de casos do passado.
Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Universidade de Georgetown, 2018
Os críticos continuam desafiando estas conclusões, dizendo que logo novas vítimas virão a público denunciando crimes mais recentes. Os defensores dos bispos argumentam que os dados demonstram que a maioria dos bispos estava começando a lidar com os padres abusivos em silêncio, entre os anos 80 e 90. Até 2002, bispos negligentes como o cardeal de Boston Bernard Law eram a exceção.
Apesar dos dados, a impressão do público é de uma Igreja incapaz de organizar a casa. Apenas os que leem as notícias e relatórios da Suprema Corte com cuidado notam os dados de quando aconteceram os abusos. Se algum bispo desafiar esta impressão, considera-se que não entendeu a situação.
Em outras palavras, o problema constante não é que a precaução não esteja funcionando, mas que os bispos tenham perdido a credibilidade. As pessoas não acreditam em nada que eles dizem e não permitem que a Igreja siga em frente. Poderia ter sido diferente se no passado os bispos tivessem sido mais disponíveis, tivessem se responsabilizado por suas ações e renunciado.
Policiais de pelo menos sete estados estão iniciando investigações semelhantes às que ocorreram na Pensilvânia.
Só há uma forma de os bispos começarem a ganhar credibilidade novamente: responsabilizando-se de forma completa e confiável por abusos cometidos. Cada diocese deve publicar os nomes dos padres acusados, bem como do que são acusados, quando a diocese descobriu o abuso e o que o bispo fez.
Tal relatório não deve ser feito por um monsenhor do sistema de justiça. Deve ser feito por alguém com credibilidade na comunidade: um juiz aposentado, promotor, agente do FBI. Apenas quando todas as informações forem divulgadas as pessoas vão começar a acreditar que as coisas estão sob controle na Igreja.
Há muita oposição dos bispos, padres e advogados diocesanos em relação a uma divulgação completa como essa. Mas bispos inteligentes divulgariam o relatório antes de o advogado bater à porta. Além disso, a divulgação completa é importante no processo de cura das vítimas de abuso. Os bispos ferem essas pessoas quando negam e escondem o que vivenciaram. É hora de os bispos validarem o que elas vivenciaram e divulgar completamente o que aconteceu.
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Por que a Igreja Católica não consegue seguir em frente depois da crise de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU