06 Setembro 2018
Para os apoiadores, Jair Bolsonaro sorri e acena ou faz símbolos de coração ou de armas com as duas mãos. Para os diversos opositores que o xingam por um caminho de dez quilômetros, o ultradireitista apresenta gestos de prisão, no qual faz uma espécie de cela usando os dedos indicadores e médios das duas mãos. Assim o candidato do PSL à presidência se alterna por pouco mais de duas horas em uma carreata que reuniu 1.000 carros e motocicletas que passou pelas cidades satélites de Ceilândia e Taguatinga, no Distrito Federal, nesta quarta-feira.
A reportagem é de Afonso Benites, publicada por El País, 05-09-2018.
Após o ato público de campanha, o primeiro em Brasília, o deputado federal e militar reformado afirmou de maneira veemente que qualquer que seja o resultado das eleições, o pleito estará sob suspeição. Em seu entendimento, sem o voto impresso não é possível fazer a auditoria da apuração. Ele desconfia que as urnas eletrônicas possam ser fraudadas. A análise vale, inclusive, para o caso em de ele vencer o pleito. “Qualquer um que ganhar vai estar sob suspeita essas eleições. Com toda certeza”.
Apesar desse discurso do candidato, o Tribunal Superior Eleitoral já destacou que há dezenas de maneiras de auditar o processo eleitoral. Em palestra a jornalistas no último dia 3, o secretário de tecnologia da informação do tribunal, Giuseppe Janino, afirmou que, em 22 anos de utilização, nunca se detectou nenhuma fraude no sistema de votação ou apuração dos resultados. E explicou que há mais de 30 barreiras digitais que impedem o acesso aos sistemas da Justiça Eleitoral. Destacou ainda que já foram realizados quatro testes públicos de segurança com equipes de hackers vinculados à universidades e Polícia Federal nos quais ninguém conseguiu transpor todas essas barreiras.
Além das auditorias frequentes, é possível checar nos boletins de urnas que são impressos por cada urna eletrônica ao final da votação se os votos ali contabilizados foram de fato registrados pelo TSE. Esse boletim é um pequeno papel que é impresso e afixado em frente as zonas eleitorais. Nele há um QR Code, que pode ser fotografada e comparada com a apuração da Corte. Ainda assim, Bolsonaro insiste em sua tese antissistema e diz que poderia ganhar a eleição em primeiro turno, caso o voto fosse impresso. O candidato ou o seu partido, contudo, jamais enviaram representantes para acompanhar os testes do TSE. “Ninguém está sentando na cadeira antes da hora. Em qualquer lugar do Brasil tem uma aceitação enorme [à minha candidatura]. Se o voto for impresso, mas o Supremo suspendeu isso, e tivermos como comprovar a lisura das eleições, a gente ganha no primeiro turno”, disse.
Em junho passado, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional uma lei, de autoria de Bolsonaro, que obrigava a impressão dos votos. Os magistrados entenderam que a versão impressa viola a garantia constitucional do segredo do voto, já que seria possível identificar o eleitor. “Pode falar à vontade. Eu não acredito nessa forma de apurar votos”, disse Bolsonaro. A estratégia do ultradireitista de solapar a confiança no sistema eleitoral e martelar em fraude foi usada por Donald Trump nos EUA. Lá, Trump, sob críticas dos analistas, repetiu que as eleições poderiam ser manipuladas sem mostrar qualquer prova ou evidência.
Se ensaiou alguma moderação nos debates da TV, nos últimos dias, o candidato deixou claro que vai apostar no ultraje e na provocação para ao menos manter sua base de apoiadores — na mais recente pesquisa do Ibope, divulgada nesta quarta, ele aparece liderando com 22%, já considerando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora da disputa. Ora tenta intimidar jornalistas que o questionam, ora outras candidaturas. Na noite de terça-feira, atacou um repórter que é homossexual que o indagou por que Bolsonaro havia postado um vídeo em sua página no Twitter no qual um menino dizia que na escola ensinaram que garotos usavam saia, brincos e pintavam a unha. “Você pintou unha quando criança?”, rebateu o candidato ao jornalista. O jornalista disse que não e lhe disse não poderia ser tratado dessa maneira hostil. O deputado respondeu de forma rude: “Eu não posso o quê, rapaz!? Você pergunta o que quer e eu respondo o que eu quero”.
No sábado passado, em viagem ao Acre, Bolsonaro disse que iria “fuzilar a petralhada do Acre”, em referência aos políticos do PT que governam o Estado há duas décadas. Disse o candidato: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vamos botar esses picaretas para correr do Acre. Já que gostam tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá. Só que lá não tem nem mortadela. Vão ter que comer capim mesmo”. Nesta quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República solicitou que ele explicasse o quis dizer. O órgão analisa a possibilidade de abrir um processo pelos delitos de incitação ao crime e ameaça.
Na carreata desta quarta-feira, Bolsonaro continuou criticando os petistas, mas usou um tom menos duro. “Vamos varrer a cúpula desses partidos [PT e PSDB] para a lata de lixo da história. Vamos dar um pé no traseiro do comunismo”. Quando indagado pela reportagem o que ele achava dos ataques que estava recebendo, principalmente da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB), que tenta pregar nele a pecha de misógino, o candidato disse que isso faz parte da política. “[A crítica] é política, palavras, é jogo de palavras, é o sentimento. Eu entrei em campo, não por uma obsessão. Entrei por uma missão de Deus e por uma missão patriótica de mudar o rumo do Brasil”.
Desde o dia 31, quando se iniciou a campanha de rádio e TV, a coligação de Alckmin leva ao ar peças publicitárias nas quais reproduzem discussões que Bolsonaro teve com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a quem chama de vagabunda, e a uma jornalista, que também é xingada. Enquanto isso, seu séquito de convertidos parece permanecer inalterado. Eis o que uma de suas eleitoras, a fonoaudióloga Carmen Minuzi, disse ao EL PAÍS, após acompanhar a carreata do candidato sob o sol de 32º C: “Entendo que as pessoas fazem de tudo para querer desestabilizar o Bolsonaro, mas ele é uma pessoa firme de caráter e, o que ele é, ele mostra pra gente. Não usa máscaras. Com certeza ele respeita as mulheres”. Enquanto ela concede a entrevista, uma menina que aparentava ter menos de dez anos de idade, gritava no colo do pai: “Eu sou criança e escolhi o Bolsonaro. Não quero essa porcaria da imprensa”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bolsonaro ameaça oponentes e ataca legitimidade da disputa eleitoral pelo Planalto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU