29 Novembro 2017
Existe confiança excessiva no lema “não é possível que um Bolsonaro chegue ao poder no Brasil”. Isso foi dito sobre Trump nos Estados Unidos.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 28-11-2017.
Da maneira como vão as coisas, muito deveria mudar na dinâmica das eleições presidenciais para que o ex-paraquedista e ultraconservador Jair Bolsonaro não consiga chegar ao segundo turno. De acordo com quem for seu adversário, e se Lula não puder concorrer, podem acontecer surpresas. Hoje a esquerda sozinha não tem força para freá-lo, e a direita do Governo esta desacreditada ante a sociedade, enquanto as candidaturas de fora da política vão perdendo força.
Mais do que puro folclore, a candidatura de Bolsonaro aparece como catalisadora de frustrações de uma certa sociedade com medo da violência. Existe confiança excessiva no lema “não é possível que um Bolsonaro chegue ao poder no Brasil”. Isso foi dito sobre Trump nos Estados Unidos e antes com Berlusconi na Itália, que chegou ao poder na esteira da operação Mani Pulite contra a corrupção. E na França, caso não surgisse a novidade Macron, é possível que os seguidores ultradireitistas de Le Pen estivessem hoje governando no coração da Europa.
A candidatura de Bolsonaro, sem alguém capaz de capitalizar de forma positiva as esperanças de um país desacreditado para unificá-lo e entusiasmá-lo com o futuro, pode ser menos inócua do que se pensa. Foi chamada de folclórica, dentro do tumultuado cenário político. Não é. Consciente ou não, o militar viu confluir em sua candidatura várias correntes que juntas podem criar problemas aos outros candidatos. A primeira é que se apresenta como o fiador da segurança da população e de maneiras drásticas: “a violência se combate com violência”, “os policiais têm as armas para matar”, disse. E o medo e a violência atravessam todas as classes sociais. Hoje ninguém se sente seguro em um dos países mais violentos do mundo como é o Brasil, o simples cidadão e o que anda blindado.
Os governos, todos, minimizaram no passado o problema da insegurança social, muitas vezes por simples ideologia. Até agora a esquerda e a direita não fizeram da segurança um assunto prioritário em relação a outros problemas. Existiram líderes políticos que chegaram a defender que os bandidos são proletários, já que se originam das classes pobres. Pouco ou nada fizeram contra o crime organizado que se introduziu nas dobras do Estado, contra o desvio das forças policiais aliadas ao tráfico, contra o inferno das prisões, como se a violência fosse um destino para o Brasil, com mais mortes violentas do que algumas guerras internacionais. Tudo isso criou um clima de medo e insegurança, que Bolsonaro sabe explorar como poucos, com sua paixão pelas armas, suas promessas de armar a população e seu lema de que “o melhor bandido é o bandido morto”. Nos Estados Unidos experimentou uma arma que é capaz de matar com um só tiro. Voltou entusiasmado. O verbo matar é prioritário em seu vocabulário pessoal.
Outro afluente aproveitado por Bolsonaro é a sensação de que a corrupção está sangrando o país. Não por acaso uma das instituições hoje melhor avaliadas é a dos promotores e juízes que estão combatendo a corrupção. Juízes como Moro e Bretas apresentam um dos maiores índices de aprovação popular. E Bolsonaro aparece como um dos poucos políticos que não está em nenhuma das listas negras dos corruptos. Por isso pode gabar-se de que, se for eleito, será o maior defensor da Lava Jato e até escolheria Moro como membro do Supremo Tribunal Federal. Que outro candidato teria hoje o valor de se apresentar como o defensor da Lava Jato?
Bolsonaro tomou para si o lema popular de que “é preciso colocar ordem nesse país” que está sendo engolido pela corrupção e a violência enquanto perde seus valores morais. Dessa forma, amealha também a faixa de consensos dos nostálgicos da ditadura militar, que não sabemos ainda quantos são, mas que não parecem ser poucos, até mesmo entre os jovens. Bolsonaro já anunciou que tem quatro nomes de generais para possíveis ministros de seu governo. Um poderia ser para o Ministério da Justiça. Satisfaz também os desejos de vingança contra os corruptos de uma sociedade que não acredita na possibilidade de que políticos e empresários possam estar por muito tempo na prisão, em que alguns chegam a pedir pena de morte para eles. Ninguém melhor nesse caso do que o candidato Bolsonaro, cujo escudo de nobreza pode ser uma metralhadora, capaz de encarnar essas vísceras da sociedade em busca de castigos definitivos aos corruptos.
Mas há mais. O ex-paraquedista, que não parece estar preparado em nenhuma das matérias importantes para governar, tem a seu favor a defesa dos valores tradicionais da família, reunindo assim o consenso das poderosas igrejas mais conservadoras. Já se prevê um pastor como seu vice. Conta também com a recusa de se valer do politicamente correto, começando por sua linguagem radical com que defende a tortura, a pena de morte, a cura gay, a zombaria com o estupro, o machismo em todos os seus graus e com sua férrea oposição a qualquer motivação para que a mulher possa ter licitamente o direito a abortar. O ex-militar é, também, dos poucos candidatos que podem prescindir da ajuda dos grandes veículos de comunicação porque sabe manejar como poucos as redes sociais nas quais supera todos os seus contendentes. E nessas eleições, de acordo com os especialistas, as redes serão, como nunca no passado, um elemento crucial para influenciar o voto. E não é impossível que nessas redes possa receber uma ajuda da Rússia, como deram a Trump, ajuda que foi fundamental a sua vitória.
A candidatura do ex-paraquedista não pode ser vista como uma brincadeira. Quem não deseja para o Brasil a volta ao obscurantismo civil e cultural e velhos autoritarismos não deve minimizá-la. Não serão as armas, a sede de vingança e a caça aos diferentes que construirão um Brasil de que ninguém possa se envergonhar amanhã.
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Por que a candidatura de Bolsonaro não é piada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU