24 Julho 2018
Apesar de sucessivas tentativas de se distanciar da crise de abuso sexual em seu país, incluindo afirmar recentemente que há um clima de “calúnia” contra a Igreja Católica, o cardeal chileno Ricardo Ezzati, de Santiago, enfrenta um crescente escrutínio por sua presença nos escândalos da Igreja.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 23-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A dor de cabeça mais recente de Ezzati, que dirige a Arquidiocese de Santiago, capital do Chile, veio com a revelação de uma carta de outro arcebispo, Alejandro Goic, que até recentemente liderava a Arquidiocese de Rancagua.
O Papa Francisco aceitou a renúncia de Goic em junho, depois que o bispo reconheceu ter demorado demais para responder às acusações de que padres em sua diocese estavam envolvidos numa série de abusos, incluindo homossexualidade e prostituição. Alguns dias antes, Goic havia renunciado a seu cargo como chefe de uma comissão nacional para a prevenção do abuso.
No domingo, um jornal chileno publicou uma carta que Goic havia escrito como chefe daquela comissão, em 11 de junho de 2013, dirigida a Ezzati.
"Às vezes tenho a impressão, talvez subjetiva, de que você não compartilha os critérios da comissão nacional nessas questões delicadas", disse Goic, se referindo aos escândalos de abuso infantil.
"Ao mesmo tempo, os membros da comissão compartilham sua insatisfação com certas situações que você teve que enfrentar. Para mim, não foi fácil. Manter a comunhão com você e respeitar e ouvir os juízos críticos dos membros requer um equilíbrio complexo”, completou.
O arcebispo disse que pode ser culpado por não “provocar um diálogo fraterno”, enraizado no amor compartilhado por Deus e pela Igreja. Segundo ele, esse diálogo teria ajudado a unificar os critérios dessas questões que "marcam dolorosamente nossa Igreja".
Embora a carta venha de um colega de Ezzati, só foi publicada no domingo pelo jornal chileno El Mercurio, depois de ter sido descoberta pelo promotor Emiliano Arias, que invadiu os arquivos arquidiocesanos de Santiago e Rancagua.
Arias está investigando as duas dioceses em pelo menos dois casos: um grupo de padres em Rancagua que se chamava “A Família”, e o ex-chanceler de Santiago, padre Oscar Muñoz, que no ano passado se autodenunciou por ter abusado de um menor. Desde então, as alegações contra ele foram feitas por pelo menos 7 vítimas, das quais 5 são seus sobrinhos.
Na carta, Goic fala de três questões que ele e Ezzati devem discutir mais: atenção pastoral para as pessoas que foram vítimas de abuso e suas famílias; transparência em casos de abuso; e o que fazer com os padres que são considerados culpados.
Falando sobre apoiar as vítimas, Goic disse que eles foram profundamente feridos, por abusos e injustiças. “Como Igreja, devemos desenvolver uma atitude mais empática em relação a essas pessoas", completou.
Goic também se refere ao caso do padre Fernando Karadima, o mais infame pedófilo do país, e parabeniza Ezzati por sua resposta inicial à crise. O cardeal assumiu Santiago já que Karadima estava sendo condenado pelo Vaticano a uma vida de penitência e oração.
No entanto, de acordo com Goic, após a resposta inicial, Ezzati “lamentavelmente” não continuou trabalhando com as vítimas.
“Eu sei que eles foram injustos, difíceis, até mentiram às vezes. Mas nada disso tira a condição de vítimas feridas e danificadas ”, escreveu Goic.
Um dos sobreviventes de Karadima, o jornalista Juan Carlos Cruz, foi ao Twitter reagir à carta, descrevendo os bispos chilenos como "hipócritas".
“Impressionante como esses bispos corruptos [e culpados de] encobrimento do Chile dizem algo ao exterior e quando escrevem um para o outro, é assim. Eles não têm solução ”, disse Cruz.
Após uma visita em maio ao Vaticano, todos bispos chilenos apresentaram sua renúncia a Francisco que até agora aceitou apenas cinco. Ezzati tem 76 anos, o que significa que ele apresentou sua renúncia duas vezes -como todo bispo faz quando completa 75 anos.
"Apesar dos esforços feitos pela Igreja, eles continuam a nos acusar de sigilo", disse Goic, falando sobre transparência em sua carta.
"Ontem não tínhamos a consciência que temos hoje - mantivemos os abusos de menores em silêncio. Disseram que eram fraquezas humanas, mas os padres foram transferidos para outros lugares. Hoje, isso acabou, graças a Deus. Temos consciência de que não é apenas um pecado muito grave, mas também um crime. Ninguém pode manter em silêncio os abusos de menores”, reconheceu Goic.
“Não podemos agir sob a lógica de intervir e falar somente quando a mídia descobre. Se colocarmos as vítimas em primeiro lugar, temos o dever moral de agir com a verdade. Uma política de maior transparência é um sinal necessário e indispensável neste momento. Quem se cala, se torna cúmplice”, escreveu o arcebispo.
Falando de quem exerce um "Ministério saudável", disse que também precisam ser apoiados, pois carregam esse "enorme peso. Eles têm que compartilhar a vergonha de seus irmãos padres culpados de abuso pelo simples fato de pertencerem ao mesmo presbitério.”
Por fim, Goic também se refere ao modo como Ezzati exerce o poder, dizendo que às vezes, padres e até bispos têm medo de confrontá-lo, temerosos das possíveis consequências da discórdia.
Desde a visita de Francisco ao Chile, em janeiro, novos casos de abuso e encobrimento surgiram, elevando o número de religiosos acusados para 113.
O jornal local La Tercera, relatou cerca de 80 casos antes da visita do pontífice. Desde então, parcialmente motivado pela decisão de Francisco em investigar as acusações, outros casos vieram à tona, tornados públicos pela conferência dos bispos, ordens religiosas ou pelo Gabinete do procurador.
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Chile: Carta vazada aumenta pressão sobre cardeal Ezzati em escândalo de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU