13 Abril 2018
“O Papa espera reunir-se novamente com os bispos chilenos em Roma e esperamos que, nesta ocasião, os problemas a serem resolvidos sejam realmente resolvidos. É quase óbvio que o bispo Barros terá que deixar o cargo. Mas só ele? Que informações chegaram a Francisco no relatório de Scicluna que poderiam servir para o episcopado livrar-se da dolorosa situação em que se encontra? A saída de Barros, a esta altura, é quase irrelevante. O problema do episcopado chileno é antigo e muito maior. Do contrário, Barros não seria bispo de Osorno”, escreve Jorge Costadoat, teólogo jesuíta chileno, em artigo publicado por Religión Digital, 12-04-2018. A tradução é de André Langer.
Segundo ele, "está chegando a hora em que as Igrejas locais devem ter uma palavra decisiva na escolha de suas autoridades. Os leigos também teriam que ter mais de um voto. E, certamente, direito a veto, que os osorninos exerceram. Não se pode admitir os bispados 'serem obtidos' na corte vaticana após anos de escalada, churrascos e coquetéis nas nunciaturas. Qual é o peso que as famosas cartas do temível cardeal Medina tiveram nas nomeações de bispos?"
O Papa Francisco declarou: “... Incorri em graves erros de avaliação e percepção da situação, especialmente por falta de informações verdadeiras e equilibradas”. A carta que Francisco enviou aos bispos chilenos continua: “E desde já peço perdão a todos aqueles que ofendi...”. O Papa acerta no tom e no fundo. Mas, acima de tudo, abre a esperança de uma solução para a crise do episcopado chileno e de uma recuperação da confiança nele por parte dos católicos e dos chilenos em geral. Mesmo assim, tudo o que aconteceu, o que certamente ainda não acaba, deixa problemas não resolvidos que afetam a Igreja em todo o mundo e que, no momento, custaram caro demais à Igreja chilena.
Vamos por ordem. Quem informou mal o Papa na nomeação e permanência no cargo do bispo Juan Barros? Quem não o fez saber com clareza que a situação dos abusos sexuais e de consciência do clero no Chile, especialmente os que ocorreram no círculo do Pe. Fernando Karadima, abalou o país? De acordo com a informação de que dispomos, não foram dom Ezzati ou dom Silva, os últimos presidentes da conferência, nem a própria conferência, nem muitos outros bispos.
Quem foi então? Talvez tenha sido dom Francisco Javier Errázuriz. Não sabemos. Mas ele tinha que informar o Papa corretamente e Francisco devia escutá-lo com mais atenção do que a outros, porque o conhece bem e é um dos nove conselheiros mais próximos que ele tem. Foi o núncio, dom Scapolo, que o informou mal? Devemos supor que o Papa também deve ter confiado nele. Em grande parte, a nomeação de Barros dependeu do núncio. Isso faz parte do seu ofício. Se o núncio foi ignorado na nomeação de Barros, quem a fez? Por que Scapolo aceitou isso?
O Papa espera reunir-se novamente com os bispos chilenos em Roma e esperamos que, nesta ocasião, os problemas a serem resolvidos sejam realmente resolvidos. É quase óbvio que o bispo Barros terá que deixar o cargo. Mas só ele? Que informações chegaram a Francisco no relatório de Scicluna que poderiam servir para o episcopado livrar-se da dolorosa situação em que se encontra? A saída de Barros, a esta altura, é quase irrelevante. O problema do episcopado chileno é antigo e muito maior. Do contrário, Barros não seria bispo de Osorno.
Na minha opinião, a falta de comunicação na Igreja é o problema número um. Essa falta de comunicação tem diversos níveis. No nível mais profundo, há uma gigantesca distância de mentalidade entre as autoridades e a grande maioria dos católicos. Os católicos, incluindo muitos padres, não se sentem representados culturalmente pelos bispos. Nós entendemos o Evangelho em registros culturais diferentes. A questão emblemática é a situação das mulheres. Uma compreensão razoável do Evangelho hoje daria a elas o lugar de dignidade que a atual doutrina e a organização clerical ignoram. Existem muitos outros problemas pendentes. Não posso me alongar.
No momento, a falta de comunicação entre o Papa e os católicos apareceu de maneira muito clara na nomeação de um bispo, mas essa é a regra na nomeação de todos os bispos. Por que essas nomeações dependem principalmente do núncio? Por que, em última instância, são feitas pelo Papa?
Creio que está chegando a hora em que as Igrejas locais devem ter uma palavra decisiva na escolha de suas autoridades. Os leigos também teriam que ter mais de um voto. E, certamente, direito a veto, que os osorninos exerceram. Não se pode admitir os bispados “serem obtidos” na corte vaticana após anos de escalada, churrascos e coquetéis nas nunciaturas. Qual é o peso que as famosas cartas do temível cardeal Medina tiveram nas nomeações de bispos?
O problema é ainda maior. Está na hora de as Igrejas regionais serem menos dependentes da Igreja de Roma. A missão do Papa é unir as Igrejas e representar a unidade da Igreja de Cristo. Mas constitui um excesso intolerável – além de ser prejudicial – que queira governar todas.
O modelo da monarquia absoluta, adotado pela Igreja Católica nos anos de Carlos III e Luis XIV, está esgotado. Os católicos têm um déficit de democracia e, em alguns aspectos, de respeito pelos direitos humanos dentro da própria Igreja. Falta prestação de contas (accountability). Quem responde ao povo de Deus? Os católicos vivem desinformados. Tudo se resolve pelas suas costas e em segredo.
Os católicos de Osorno estão na dianteira. Ainda há muito caminho pela frente.
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"A saída de Barros, a esta altura, é quase irrelevante". Artigo de Jorge Costadoat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU