09 Janeiro 2018
Em suas últimas viagens ao exterior, Papa Francisco lidou com algumas das questões geopolíticas mais difíceis do mundo. Em setembro, ele viajou para a Colômbia para apoiar um acordo de paz impopular com militantes da guerrilha. Em novembro, foi a Mianmar para chamar a atenção global na perseguição do governo à minoria muçulmana rohingya.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 08-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Agora, o Papa está se preparando para embarcar em uma viagem ao Chile e ao Peru que pode redirecionar o foco da política para os problemas internos da comunidade da Igreja.
Observadores locais e importantes expatriados dizem que o centro das atenções durante a visita, que acontece de 15 a 21 de janeiro, pode ser como Francisco pode ajudar a Igreja chilena a recuperar a credibilidade após uma recente onda de casos de abuso sexual do clero.
Para complicar essa possibilidade, dizem os observadores, há a própria abordagem de Francisco sobre a questão dos abusos, principalmente a nomeação do bispo Juan Barros Madrid de Osorno, Chile, em 2015. Juan Barros foi acusado de encobrir o abuso de um importante padre nos anos 80 e 90.
Mario Paredes, que aconselhou tanto o Vaticano como os bispos dos Estados Unidos sobre questões latino-americanas durante décadas, disse que esperava que o Papa ajudasse a hierarquia do Chile a "restaurar a credibilidade que se perdeu nos últimos anos".
"Não importa como se considera, esses casos foram horrendos, escandalosos, e a Igreja perdeu credibilidade", disse Paredes, natural do Chile, que agora é diretor da Advocate Community Partners, uma rede de médicos de cuidados primários em Nova York. "Espero que ele faça um forte apelo por uma Igreja realmente transparente [e] verdadeira."
Mas o padre Jesuíta Antonio Delfau, ex-editor de longa data da revista jesuíta Mensaje, do Chile, disse que a nomeação de Juan Barros prejudica o que Francisco deve conseguir atingir quando estiver no país.
"Um dos bispos nomeados por este papa é um bispo que foi interrogado... não apenas pelas pessoas do lugar, mas também pela maioria dos outros bispos", disse Antonio Delfau, que agora reside em Roma e atua como assistente do tesoureiro geral da Cúria dos jesuítas. "Isso é um grande problema."
O logotipo oficial da viagem do Papa Francisco ao Chile, de 15 a 18 de janeiro, com o tema “Dou-vos a minha paz”. (CNS / cortesia do Gabinete de Imprensa da Santa Sé)
Juan Barros, que foi líder da diocese militar do Chile até Francisco transferi-lo para Osorno, uma pequena cidade do sudeste, em 2015, foi acusado de proteger o Pe. Fernando Karadima, que foi condenado pelo Vaticano a uma vida de oração e penitência em 2011.
Apesar de seu envolvimento no crime não ter sido comprovado no julgamento canônico de Fernando Karadima, vítimas dizem que o bispo destruiu correspondência incriminatória do padre. Outras vítimas alegam que o próprio Juan foi testemunha de alguns casos de abuso sexual.
Filmado falando com um chileno no meio da multidão durante uma audiência geral em maio de 2015, no Vaticano, o Papa disse que pessoas estavam julgando Barros "sem provas" e chegou a dizer que as acusações contra o bispo estavam sendo orquestradas por "esquerdistas".
"Osorno sofre, sim, mas por ser tola, porque não abrem o coração para o que Deus diz e, em vez disso, empolgam-se com toda essa bobagem", disse Francisco.
José Andrés Murillo, diretor executivo do Para la Confianza, uma fundação chilena que ajuda vítimas de abuso sexual, disse que as pessoas em Osorno ficaram "completamente chocadas" quando o vídeo desse encontro foi divulgado por um canal de notícias da região em outubro de 2015.
"Eles esperavam uma reação de compaixão ou compreensão do Papa", mas "receberam essa reação agressiva", disse.
"O que as pessoas estão sentindo em relação ao Papa, acho que não é raiva", afirmou. "É tristeza. Como o Papa pode não compreender as preocupações das pessoas?"
Francisco vai visitar o Chile de 15 a 18 de janeiro antes de viajar ao vizinho do norte, o Peru, até dia 21 de janeiro. A agenda em ambos os países segue um formato familiar: Ele vai passar as noites nas respectivas capitais Santiago e Lima, mas viajar para cidades diferentes em dias consecutivos.
Como de costume, o Papa vai se reunir com os presidentes dos países - Michelle Bachelet, no Chile, e Pedro Kuczynski, no Peru -; falar com os bispos de cada país; e liderar encontros de jovens com sacerdotes e religiosos.
José Andrés Murillo sugeriu que a atenção no Chile pode se direcionar mais a Francisco na reunião com os bispos do país, no dia 16 de janeiro, e em um possível, apesar de ainda não confirmado, encontro com as vítimas de abuso sexual.
"A palavra mais importante, acredito, que os bispos devem ouvir do Papa é para ouvir as pessoas, ouvir os católicos normais", disse. "Os bispos só ouvem pessoas que dizem o que eles querem ouvir. Eles não aceitam a crise que estão enfrentando. E acham que não estão em crise."
Questionado sobre um possível encontro com vítimas, Murillo apenas respondeu: "É o que Jesus faria."
O Papa, segundo ele, deve "não apenas se encontrar com as vítimas... mas demonstrar que está do seu lado, e não do lado dos agressores".
Além da questão do abuso sexual do clero, observadores disseram que esperam que Francisco se concentre em alguns de seus temas comuns de inclusão e cuidado aos que estão à margem da sociedade.
O padre jesuíta Matthew Carnes, diretor da Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Georgetown, disse que esperava que o Papa focasse, em seu discurso do dia de 16 de janeiro, em Bachelet e os outros líderes políticos do Chile a respeito de como o crescimento econômico do país também levou a um crescimento na desigualdade.
"Nós vimos crescimento, mas como é o crescimento com a equidade?", sugeriu que Francisco pode perguntar. "Como é o crescimento com a justiça? E como isso atingir especialmente as pessoas que estão à margem?"
Poderia ser dado foco na desigualdade com um significado especial, já que Michelle Bachelet, membro do Partido Socialista do país, deve ser substituída em março por Sebastián Piñera, mais de direita.
Os peruanos também sugeriram que o Papa pode levantar a questão da desigualdade na reunião com Kuczynski, em 19 de janeiro. Eles também esperam que Francisco levante a questão constante da corrupção em seu país.
"A globalização tem trazido muitos progressos no Peru, mas o problema é que o progresso não está chegando ao povo que está à margem", disse o bispo auxiliar de Miami, Enrique Delgado, o primeiro peruano a atuar como prelado nos Estados Unidos.
Delgado, que se mudou para os Estados Unidos em 1991 e foi nomeado bispo por Francisco em outubro, disse que muitos trabalhadores no Peru "não estão recebendo a parte que deveriam dos benefícios da globalização".
Alfonso Alvarez Calderón, importante advogado civil católico em Lima, disse que esperava que Francisco "convencesse nossos líderes a sair da corrupção e das lutas internas e começar a servir ao povo".
Alvarez, que também é advogado canônico no tribunal eclesiástico das arquidioceses de Lima e de Arequipa, disse que esperava que o Papa dissesse aos políticos do Peru que "eles devem lutar pelas necessidades das pessoas, e não apenas por seus próprios confortos e benefícios".
Duas outras questões também podem vir à tona durante a visita de Francisco: o estatuto dos povos indígenas do Chile e o legado no Peru da teologia da libertação, que se concentra no papel de Jesus na redenção da humanidade, não apenas do pecado, mas também das condições políticas, sociais ou econômicas injustas.
Apesar de o campo da teologia ter surgido em vários países da América Latina nos anos 50 e 60, um de seus principais expoentes foi o peruano dominicano Pe. Gustavo Gutierrez. O campo ainda leva o nome de um texto seu publicado em 1971 que foi um marco: Teologia da libertação: História, Política e Salvação.
Segundo Carnes, Francisco pode estar "andando sobre uma linha tênue” no modo como fala sobre a teologia da libertação com os bispos do Peru em sua reunião de 21 de janeiro.
Se o Papa repetir muito fortemente as críticas dos liberacionistas ao capitalismo de mercado, poderia ser uma faísca para os interesses comerciais do Peru, que se veem como quem traz nova prosperidade para o país, disse Carnes. Por outro lado, se Francisco evitar mencionar o legado do campo teológico "pode ser um certo desapontamento" para seus líderes, disse.
Outro item na agenda do Papa que pode ter alguma controvérsia é a visita que planeja para o dia 17 de janeiro com habitantes da região de Araucanía do Chile, onde os indígenas mapuches vivem desde bem antes de os espanhóis chegarem no século XVI.
O governo chileno e os Mapuche estiveram em conflito durante quase três décadas sobre a questão de se o que cai na região deve ser controlado pelo grupo indígena. O conflito por vezes ficou violento, com tiroteios, sequestros e incêndios florestais destrutivos.
Para Delfau, há uma "grande divisão" no Chile sobre a proposta de plano do governo Bachelet de oferecer aos indígenas uma maior representação no Congresso e criar uma nova comissão de reparação. Ele disse que apesar de muitas pessoas pensarem que se deve uma reparação aos indígenas, elas não querem recompensar a violência.
"A maioria dos nossos povos indígenas são pessoas boas, mas há um grupo que quer briga", afirmou.
Paredes considerou o encontro planejado, que acontecerá em Temuco, um "grande reconhecimento" dos direitos dos povos indígenas e disse que pode "permitir um diálogo nacional sobre os direitos dos povos indígenas".
"Ao longo da história, essas comunidades ficaram no anonimato no Chile", disse. "Será um grande reconhecimento, e tenho certeza que será fonte de alegria e esperança."
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Viagem do Papa Francisco ao Chile e ao Peru pode ajudar a restaurar a confiança na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU