“A visita do Papa ao Chile será um bom momento para buscar unir um povo que, hoje em dia, parece muito dividido no político e no social”. Marco Antonio Velásquez, economista, especialista em Igrejachilena, opina assim a respeito da viagem que Francisco fará, em janeiro de 2018. Nela, o Pontífice terá que lidar, segundo Velásquez, com um Igreja nacional que se tornou “irrelevante”. Não só pelo caso Osorno, por exemplo, mas também porque “não tem como articular um discurso coerente com o Evangelho e com os temas dos quais gostaria de opinar”.
A entrevista é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 17-07-2017. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Hoje, estamos com um bom amigo desta casa. Nosso colaborador e com quem colaboramos também. Marco Antonio Velásquez, bem-vindo à mãe pátria.
Sim, sente-se isto. É um prazer vir à Espanha. Ontem, fomos ao Palácio do Alcázar. Aqui estão as raízes de nosso povo. Fomos colônia e hoje somos independentes. Mas, aí está sua cultura.
Temos um ao outro no coração.
A linguagem, os costumes e tradições que estão presentes no Chile, são as que se vê aqui.
Dou testemunha, porque estive no Chile e recordo isto como um dos momentos mais maravilhosos de minha vida.
Que bom.
Sim, no deserto de Atacama. Em um povoado que se chama Chiu-Chiu. Onde fica localizada a primeira igreja onde estiveram os conquistadores, quando estavam descendo do Peru.
Foi preciso reconstruí-lo depois de um terremoto, que ali são frequentes.
Uma região preciosa, mas muito dura para viver.
Você veio aqui e muito em breve o Papa de Roma irá ao Chile. A notícia pegou você na Espanha. Qual a sua opinião?
Foi uma surpresa, ainda que algo se esperava. Havia alguns sinais.
Sim, falava-se de Peru e Chile. E como sempre, da Argentina.
A visita do Papa será um bom momento para buscar unir um povo que, hoje em dia, parece muito dividido no político e no social
Chama a atenção a data, que não é muito boa porque é verão. Mas, acredito que tem uma localização muito adequada. Estaremos saindo de um período de eleições presidenciais, muito complexo. A essas alturas estará resolvido, mas com o ânimo social muito frágil e muito tenso, porque estas eleições são complicadas. Estão em jogo muitas coisas muito importantes e há muita divisão e muito alvoroço público.
Nesse contexto, a visita do Papa será um bom momento para buscar unir um povo que, hoje em dia, parece muito dividido no político e no social. Não muito diferente do que ocorre na Espanha, são os mesmos fenômenos: os políticos e a política, que é uma nobre função, que ficou como que desprovida de conteúdo e de discurso. E surgem novos discursos juvenis.
Mais efetivos e menos centrados nos meios de comunicação.
E menos conhecidos, mas também com algumas propostas interessantes. Desse modo, é esse o contexto que Papa encontrará no Chile.
E isso, no contexto político-social, mas o religioso também tem aspectos.
É complexo, eu acredito, com tudo o que representa Francisco na Igreja universal e não só na Igreja. Já é um homem do mundo. E, nesse sentido, o Chile já está, há alguns anos, em uma vertiginosa situação. Desde a nomeação de Barros, que acredito que foi o fato cume. Isto traz tensão à Igreja e provoca resistências que não estão resolvidas.
Não? Porque se deixou de escutar muito. Ou ao menos não tanto como se escutava até a data, e parece que Barros se consolidou.
É preciso ter presente que há um estilo ali, uma escola. Há seis bispos, hoje em dia, e o Papa surpreendeu novamente com a última nomeação episcopal, Cristián Roncagliolo, que é da escola de Karadima. É do Bosque, então, é impossível acreditar nele. Quando a notícia chegou ao Chile, foi bombástica. O clero estava desolado. Muitos padres telefonavam porque não entendiam.
É certo que era o secretário do cardeal Errázuriz, que foi uma das razões. Mas, por favor! O que Karadima fez, além das graves maldades que cometeu em matéria de abusos, foi criar uma escola teológica e uma pastoral pré-conciliar a serviço da gente acomodada. E, portanto, é um deus à medida, que não incomoda a ninguém. Sendo assim, é uma pastoral, uma liturgia, uma forma de fazer Igreja, que infantiliza. É como um catecismo. Ir a uma homilia desta cultura criada por Karadima, no fundo, é ir a um catecismo de primeira comunhão. Muito elementar.
Isso marca um pouco aqueles que estão por trás. Barros, por exemplo, quanto mais dificuldades lhe são apresentadas, as assume como um ato de mortificação. Como se isto fosse sua oportunidade de se santificar. Sob essa lógica, o problema não encontra solução. Não a tem, hoje em dia.
E a Igreja de Osorno, como está? Recordo as palavras do Papa, naquele famoso vídeo que viralizou falando dos esquerdistas, que não se deixem dominar. Suponho que o desânimo entre as pessoas deve ser grande.
Hoje, a Igreja chilena é irrelevante. Qualquer coisa que possa ocorrer, a ninguém importa
Eu acredito que, nesta altura, a Igreja de Osorno está muito dividida. Está desolada. Conheço gente que deixou de participar. Nesse momento, acaba de sair um sacerdote muito querido da diocese. Houve uma fuga crescente de sacerdotes para outras dioceses do país, porque não comungam em um mesmo espírito.
Para mim, Osorno é uma tristeza grande. E, consequentemente, Osorno é o Chile, e marca também a Igreja chilena. Não foi indiferente. Isto, somado a outras coisas a mais que tem a ver com os estilos pastorais e as nomeações episcopais que ficaram amarradas desde João Paulo II, e depois também com Bento XVI, fez com que restasse uma Igreja desprovida de líderes, de gente que tinha visão.
Hoje, a Igrejachilena é irrelevante. Qualquer coisa que possa ocorrer, a ninguém importa. Doem muitas coisas, e isso é triste.
A Igreja deixou de ser relevante nos grandes debates sociais e políticos?
Não está presente. Toda esta história a fez perder credibilidade. Não tem como articular um discurso coerente com o Evangelho e com os temas dos quais gostaria de opinar.
Hoje em dia, não só no Chile, mas no mundo, ocorre uma situação única: poucas vezes na história houve tanto motivo para que as religiões fizessem uma grande contribuição aos temas que desafiam a humanidade inteira. E são comuns, como as migrações, que ali também são massivas. Gostei muito de ver o letreiro de acolhida aos refugiados no município de Madri. Fotografei e a enviei ao Chile. Isto é um sinal positivo que fala bem da Espanha.
No Chile, temos uma enorme migração de países vizinhos, principalmente da Bolívia, do Haiti, de países centro-americanos. Há alguns problemas como em todas as partes, mas em geral, com acolhida. E eu acredito que isto é um muito bom exemplo que o Chile está dando a um continente, e também ao mundo. Nesse sentido, acredito que somos avançados. Sem dúvida, a Igreja também está presente. Os jesuítas, através de certos agrupamentos de migrantes, de congregações especiais, os scalabrinianos... Há um trabalho da Igreja com os imigrantes que, sem dúvida, hoje é necessário e é positivo.
Há sinais positivos. Mas, não nos grandes temas como a pobreza e o meio ambiente. Porque o aquecimento global é um fato.
Justamente, o Papa publicou a primeira encíclica verde da história da Igreja.
É impressionante. Laudato Si’ é uma referência, com um silêncio sepulcral tremendo e interessado.
E não há brotos verdes no episcopado chileno? Tipo Fernando Chomali, por exemplo.
Não. Porque os seminários foram formados por gente que tem este sinal marcado. Serão necessários cinquenta anos.
Sim, uma geração, para que nos seminários mudem.
Porque o clericalismo está muito envolvido. Tudo gira em torno do clero. O fenômeno da privatização da fé no Chile é um fato certo. Sem dúvida que há um contingente de cristãos que participa da liturgia regularmente. Eu mesmo participo, nutro-me de minha missa dominical, não posso deixar. Mas, no fundo há esta orfandade de acompanhamento. Hoje em dia, os problemas sociais no Chile são tremendos. São importantes, é preciso enxergá-los com perspectiva e a Igreja não está. A Igreja acompanha mais aos empresários, e não aos trabalhadores.
Será encontrada uma cédula interessante, o Papa Francisco, ali.
No entanto, eu acredito que não é possível mudar isto porque não há padres formados para acompanhar os trabalhadores. É uma sequência longa. No Chile, a Igreja perdeu os trabalhadores, os pobres, as mulheres. Em definitivo, há um discurso ainda moralista.
Não vejo você muito otimista.
Não. Eu acredito que meu otimismo vai por outro lado.
Por onde vai?
Penso que há uma consciência laical. Esta espécie de que tudo é preciso ser feito pelo clero e que precisamos esperar tudo dos bispos já não dá mais. Aqui, o que há é gente formada que tem uma visão diferente da vida, onde a catequese mais importante se faz em casa. Onde seu exemplo e seu testemunho diário, no trabalho ou onde vai, é o que importa.
Isto é o que vai se assentando e já não é este cristianismo de andar com penduricalhos visíveis. Em definitivo, você o demonstra com seus atos. Nisto, sim, sou otimista. Acredito que no Chile, sim, formou-se um enorme contingente. De jovens, especialmente.
E há outro tema: teologicamente ficamos para trás. Nossos filhos – nós temos três – tem uma dificuldade com a Igreja, e o que acontece com eles é o mesmo que acontece com sua comunidade. Estou falando de jovens universitários e profissionais jovens.
Nossa geração dava por certo determinados conhecimentos e determinadas questões, desde abençoar a mesa até questões de urbanidade como deixar o lugar para um ancião. E isto já não se dá por certo.
Aqui, na Espanha, há adolescentes que vão ao Museu do Prado e fazem perguntas verdadeiramente fascinantes sobre quem é esse senhor que está ali presente no quadro de Velásquez, por exemplo. Que significados possuem quadros que mostram relatos da história da salvação, que não há motivação para conhecer, porque essa educação sentimental no religioso parece que se perdeu. E suponho que no Chile aconteça algo parecido.
Sim, é muito parecido. Agora, ouvir os profissionais jovens em sua crítica é muito interessante. Penso que sua crítica é honesta e tocam em questões de fundo. Eles não têm problema com Deus, possuem com a Igreja. E descobrem a Deus de uma maneira maravilhosa: a partir da bondade, da solidariedade – que há muitos no Chile – e da justiça. Isto, parece-me que está muito arraigado. Por isso, eu sou muito otimista por esse lado.
Ou seja, o trabalho não é levar os jovens à Igreja, mas levar Deus, outra vez, à Igreja.
Acredito que é muito mais importante – e digo sinceramente, acontece conosco há dez anos – ter comunidades de leigos; casados, de casais ou de amigos. Ajuda muito mais que ter estes “molde-serviços pastorais”, como eu chamo os serviços litúrgicos e religiosos que, ao final, está aí na estante, mas, em definitivo, não transformam ninguém.
Sim, transforma uma comunidade e, sim, transforma uma boa discussão. Em uma das últimas reflexões que tivemos na comunidade de casados, chegamos a uma coisa bem interessante: hoje em dia, a crise está na educação. A Internet entrega mais conteúdos do que as instituições podem entregar. Está em crise, como consequência, também a educação na família. Como educar os filhos é um tremendo tema. Não digo que todos o tenham resolvido e, provavelmente, existem soluções parciais.
E na educação da fé temos outro tremendo problema: não somos capazes de educá-los na fé. A Igreja ficou para trás e nós, pais, estamos muito mais avançados nisto. Porque, em definitivo, fomos capazes de acompanhar nossos filhos em seus questionamentos, em sua rebeldia e em sua busca.
Por estas questões, em nossa reunião, chegamos à conclusão de que seria necessário criar um novo modelo de educação pastoral. Já não podemos voltar a falar com nossos filhos do Antigo Testamento, porque toca em pontos muito duros, como o Deus castigador ou toda esta visão da mortificação. Isso é o que está em crise. Eles não são dessa cultura. A cultura de hoje é a do carpe diem. E isto nos coloca que, hoje em dia, o Evangelho precisa ser o núcleo. É o Novo Testamento que tem que nos guiar. Aqui está meu otimismo.
Sou instigado a pensar que temos que proteger muito bem nossos filhos em relação a qual missa os levamos.
Não os deixar amarrados na missa.
Sim, podem acabar perdendo a fé.
É muito mais comum do que parece.
Muito simples, mas com algo de complexo e trivial.
O Papa irá a Santiago, a Iquique e a Temuco, onde está o epicentro do conflito com os mapuches. O que pensa que pode ocorrer em cada um dos lugares?
Fazer um grande evento em Santiago terá êxito porque, primeiro, a Igreja tem uma grande capacidade de mobilização, há muitos colégios católicos. Cristián Roncagliolo tem uma pastoral com 500 jovens que são incondicionais, obedientes e muito milicianos. Então, estarão e haverá capacidade.
E as paróquias, que possuem esta necessidade de visibilidade, terão uma grande resposta em criar uma cenografia de acolhida, porque o Papa é querido, ainda que lhe façam críticas. Em Santiago, não esperaria muito mais que isso.
Seria interessante o encontro do Papa com estes leigos a pé, que tem uma visão crítica da forma como se conduz a Igreja. Não acredito que aconteça, porque os que organizam não irão permitir.
Quanto a Temuco, surpreende-me. Acredito que é necessário ter coragem para ir lá. Temuco nos une em nossas raízes. Para os colonizadores espanhóis foi precisamente a área mais complexa de trabalho e de conquista. Mas, também há uma coisa interessante: no processo colonizador, que tem sua história, os colonizadores lhes concederam melhores direitos – os Direitos de Índias – aos povos originários do que os que lhes são concedidos, hoje em dia, por nosso Estado atual.
Hoje, os presidentes, os parlamentares, os políticos em geral evitam ir a essa localidade.
O Papa, em quase todas as suas viagens, se preocupa e fala dos problemas dos povos originários. É um dos eixos também da Laudato Si’.
E o Papa vai a Temuco porque procura onde estão os problemas. Em Temuco, há uma realidade eclesial complexa. Há que distinguir que há grupos dentro da cultura e do povo mapuche. Estão em uma dificuldade porque há um bispo que criou maiores problemas com a comunidade a propósito da terra. E o povo mapuche está muito ligado à terra. Foram gerados conflitos com o bispado de Villarrica e, inclusive, foram queimados templos em resposta a esta situação. Este é um aspecto.
Outro aspecto é o social e político. Afortunadamente, certas congregações da Igreja entraram em Araucanía historicamente, mas em certo momento também saem. E os jesuítas voltaram. E voltaram a Tirúa. O fato de que os jesuítas tenham uma comunidade que está trabalhando com o povo mapuche, onde estão os conflitos, motiva que o Papa vá. Porque sabe que aí está a informação mais relevante.
Será o momento mais emocionante da parte chilena da viagem.
E o bonito disto é que os jesuítas estão na maior região de conflito. E, portanto, há um diálogo e são credíveis. São acolhidos por esta situação de convulsão étnica complexa.
E quanto a Iquique, pensa-se que é a saída natural para o Peru, mas talvez teria sido melhor a região de San Pedro de Atacama.
Será necessário recompor o que acontece no Chile após estas eleições presidenciais
A região de Atacama teria sido uma região muito boa. Quando veio João Paulo II, fez sua despedida a partir de Antofagasta. Antofagasta possui, hoje, um dos melhores bispos, dos poucos bons que temos. Mas, é dar visibilidade a um homem que tem sido complexo, Felipe Berríos. E não acredito que os organizadores destas visitas queiram esse cenário. Por isso, buscaram um par de quilômetros para o sul, Iquique, que também tem sua história. Há um bispo destituído há alguns anos, Marco Órdenes, com um processo relâmpago que oxalá tivesse a mesma celeridade, se tivesse sido aplicado ao bispo Barros. Foi uma surpresa, e além disso por faltas bastante menores.
É um espaço que não tem mais do que isso, ser o ponto mais ao norte do Chile, que de alguma maneira o conecta com sua saída do país. Obviamente, isto cria expectativas, cria alegria. Contudo, será necessário recompor o que acontece no Chile após estas eleições presidenciais, que eu acredito que vão ser um bom tema.
Veremos e esperamos que nos ajude a contar.
Com muito gosto irei relatando em detalhe. É parte do compromisso que tenho, moral e de carinho, com Religión Digital.
Foi um prazer. E sabe que seus escritos são muito valorosos para os leitores e por nós.
Deixei de escrever; estive com outro trabalho e tenho outras funções. Contudo, nesta viagem também meditei e rezei muito. Estive em Manresa, Loyola, que é muito significativo para mim. Significou encontrar um novo ponto de partida. E paralelamente com isso, estive no santuário de Nossa Senhora de Montserrat, que também é muito significativo. Desse modo, foi muito um retiro, encontrar-se com aquelas coisas que se não tem tempo de revisar no dia a dia. Estou agradecido de estar aqui e de conhecê-los. E de conhecer você.