26 Setembro 2017
É um inquérito “cognoscitivo” sem investigados, promovido pelo escritório do promotor de Justiça sobre a atividade do ex-auditor-geral das contas vaticanas, Libero Milone. Um fascículo aberto bem antes da demissão do administrador, que poderia trazer à luz cenários inéditos sobre o confronto que está ocorrendo do outro lado do Rio Tibre. E o temor é de que começou o terceiro capítulo do Vatileaks, com novos documentos secretos que poderiam ter sido veiculados externamente. Ou, no entanto, ser matéria de novas chantagens internas à hierarquia eclesiástica.
A reportagem é de Fiorenza Sarzanini, publicada por Corriere della Sera, 25-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre os dossiês que acabaram sob observação, um diria respeito à saúde católica, com a possível eliminação de algumas estruturas entre as 650 clínicas e os dois hospitais que fazem parte do patrimônio. Outro conteria informações sobre a gestão do óbolo de São Pedro, o fundo que reúne as ajudas econômicas fornecidas pelos fiéis ao pontífice.
Outros ainda poderiam ser dedicados a algumas despesas, incluindo despesas pessoais de prelados, que se tornaram matéria de interesse justamente para quem havia sido chamado pelo Papa Francisco para lidar com a supervisão de contas e orçamentos de todas os órgãos, escritórios e instituições da Santa Sé.
Para entender o que está acontecendo nos dias de hoje, é preciso recomeçar justamente a partir de junho de 2015, quando Milone obteve o cargo por indicação de Dom Angelo Becciu, sostituto da Secretaria de Estado.
O mandato lhe concedia amplos poderes. De acordo com alguns, um dos seus colaboradores também era Robert Gorelick, ex-chefe da CIA na Itália.
Apenas quatro meses depois, porém, os problemas começaram. Em outubro desse mesmo ano, Milone denunciou à Gendarmeria a violação do seu computador. Era o início do segundo capítulo do Vatileaks.
Foram confiscados inúmeros computadores, justamente para descobrir o que poderia ter acontecido. Em novembro, o Mons. Vallejo Balda e Francesca Chaouqui foram presos, ambos acusados (e depois condenados) de terem veiculado documentos secretos da comissão Cosea, criada para analisar a atividade dos departamentos econômicos vaticanos e para estudar uma racionalização das tarefas. Documentos que, em parte, foram publicados depois nos livros dos jornalistas Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi.
À medida que esse processo ocorria, outro escândalo envolvia o Vaticano: a reforma da cobertura do ex-secretário de Estado, Tarcisio Bertone. Enquanto a investigação iniciada pela Procuradoria de Roma terminou com um arquivamento, o inquérito interno concluiu com a denúncia do ex-presidente do Bambino Gesù, Giuseppe Profiti, e do ex-tesoureiro da fundação do hospital pediátrico, Massimo Spina.
Para o tribunal vaticano, foram utilizados, “para fins extrainstitucionais, 422 mil euros da Fundação do Bambin Gesù para reformar aquele imóvel de propriedade do Governatorado para beneficiar a empresa de Gianantonio Bandera. Crime cometido no Vaticano de novembro de 2013 a maio de 2014”.
Na realidade, essa investigação – o processo ainda está em andamento – serviu para confirmar os furos nos orçamentos do hospital pediátrico de Roma e de muitíssimas outras estruturas de saúde, dando vigor ao confronto interno que diz respeito justamente à destinação final de clínicas e hospitais. Uma batalha que, no fim, teria envolvido o próprio Milone, já que o seu cargo também previa a análise das contas que dizem respeito justamente a essa parte do patrimônio.
A possibilidade de que um dos motivos de atrito com a hierarquia vaticana fosse a vontade de Milone de saber como eram geridos os fundos do óbolo vazou poucos dias depois da sua renúncia, quando já tinha aparecido com evidência que essa escolha realmente era o epílogo de um confronto duríssimo entre o administrador e a Secretaria de Estado.
Uma contraposição confirmada por duríssimas acusações feitas contra Milone justamente por Dom Becciu, de ter “espionado” inúmeros prelados, incluindo ele. A investigação ainda em aberto deverá esclarecer todas as dúvidas que marcam esse caso. Até porque a própria nota da Santa Sé confirma que Milone não foi formalmente investigado sob a condição de abandonar o cargo.
Por que, se foi descoberto que ele tinha realizado atividade de espionagem, não se considerou que se devia processá-lo formalmente? E o resultado dessas eventuais “buscas” foi recuperado?
Nesse domingo, o ex-auditor preferiu não replicar ao comunicado, mas o jogo não parece ter chegado ao fim.
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Óbolo de São Pedro e as contas de hospitais e clínicas: os bastidores das disputas vaticanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU