09 Março 2017
A operação transparência sobre as finanças procede vagarosamente por causa das resistências da Cúria. Enquanto o escândalo dos abusos sexuais volta à pauta.
Assim, a Igreja parece boicotar os planos do papa.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Carta 43, 07-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Cúria resiste às reformas solicitadas pelo Papa Francisco: desacelera, se opõe, não coopera, não executa ou executa pela metade. Em suma, recorre a todo expediente para criar obstáculos ao papa e ao grupo de cardeais que o seguem. Quando se encerra o quarto ano de seu pontificado - Francisco foi eleito em 13 de março de 2013 - o clima no Vaticano torna-se cada vez mais pesado. Em cima da mesa estão duas questões cruciais que causaram um colapso retumbante na credibilidade da Igreja: o escândalo dos abusos sexuais e a falta de transparência financeira.
A máquina da reforma bergogliana corre o risco de travar. E não por acaso. Se, de fato, reformar o IOR (O Banco Vaticano, NdT) foi uma operação relativamente fácil, iniciada com um processo de transparência e de adaptação ao sistema de normas internacionais no âmbito financeiro, muito mais complexa parece ser a aplicação dos mesmos critérios nos dicastérios vaticanos, nos seus escritórios, no centro nevrálgico da Igreja Católica. Do ponto de vista prático, a operação transparência de gestão econômica da Santa Sé devia culminar com a publicação de um balanço que prestaria conta de todos os entes, dicastérios e escritórios, das receitas e despesas, dos lucros e dos prejuízos. Ou seja, uma prestação de contas completa. Para fazer isso e programar o orçamento, ano após ano, de forma coordenada e padronizada, foi criado pelo Papa e seus colaboradores um sistema institucional complexo do qual fazem parte a Secretaria da Economia, sob a orientação do cardeal australiano George Pell, o Conselho da Economia, presidido pelo cardeal alemão Reinhard Marx (presidente dos bispos alemães, que também contribuem para a quitação do déficit do Vaticano) e o escritório do Auditor geral.
O passo seguinte, divulgado na mídia, seria a publicação dos novos orçamentos para mostrar, como faria qualquer grande organização com forte perfil ético, a transparência operacional. Dos Sacros palácios, porém, hoje se declara que esse anúncio foi imprudente, precipitado: unificar a forma de pensar de tantas cabeças e repartições não é fácil; isso é evidente especialmente fora do Vaticano, onde cada departamento zela por sua própria forma de gestão. Então, nesse meio tempo, para atender às crescentes pressões dos meios de comunicação, saiu do Vaticano um pífio comunicado com a pretensão de fornecer algumas atualizações. O déficit da Santa Sé para 2015 caiu, agora é de 12,4 milhões de euros contra os cerca de 26 de 2014; o balanço do Governatorato, tecnicamente o Estado do Vaticano, ao contrário, está no positivo em 59,9 milhões. Mas, na realidade, esses números por si só são de pouca utilidade e não se desviam muito daqueles divulgados no passado.
A questão é outra: quais são as quantias totais de entradas e saídas? Como foram calculadas? Por exemplo, o valor de um bilhão e 400 milhões de euros “descoberto” pelo cardeal Pell dois anos atrás nos cofres dos dicastérios vaticanos – valor acumulado para situações de emergência, como se apressou logo a informar o Vaticano - como será incluído no balanço? Ou ainda: foram avaliados na íntegra o patrimônio imobiliário do Propaganda Fide (Congregação para a Evangelização dos Povos) e seus retornos financeiros? E o Dicastério para as Causas dos Santos, que no passado foi centro de revelações embaraçosas sobre as despesas necessárias para levar adiante a causa desse ou daquele servo de Deus, regularizou suas contas? Sem contar espólios, doações, dívidas, más e boas administrações de bens.
Claro que é preciso tempo para colocar tudo em ordem, mas, pelo que transparece, os escritórios têm sistematicamente oposto uma resistência passiva, atrasando por meses as respostas a cada pedido de informação necessário para completar o quadro financeiro. Que as coisas não avançam com facilidade fica evidente também pelo próprio comunicado da Secretaria de Economia relativo ao balanço anual da Santa Sé. "A Secretaria da Economia informou para o Conselho de Economia que o caminho para a plena implementação da Vfmp (políticas do Vaticano de gestão financeira) está em andamento e ressaltou que, no entanto, serão necessários alguns anos para completar o processo e para a implementação de uma auditoria contábil completa". Mais adiante, ressalta-se que "o relatório anual consolidado de 2015, representa um passo importante tanto para as reformas econômicas como para o percurso para a adoção das novas políticas, que estão progredindo bem". Trabalho em progresso, então, e até aqui nada de estranho. Mas "alguns anos" para concluir o processo, parece ser realmente excessivo.
Não é só isso. "O Conselho de Economia" continua a nota, "analisou o relatório anual consolidado de 2015, que, nesse período de transição, não foi submetido a uma auditoria contábil". Aparentemente, portanto, ninguém aprovou os balanços, visto que não ocorreu revisão pela auditoria. Em suma, a segunda parte da reforma financeira, que atinge os gânglios internos de poder do Vaticano, ficou no meio do caminho. Para o futuro, parece que as coisas serão um pouco "melhores: "O orçamento para 2017 foi apresentado ao Conselho de Economia, pela primeira vez, antes do início do novo ano fiscal, que recomendou sua aprovação". Em outras palavras, o confronto está em curso, embora a escolha seja obrigatória: se a Santa Sé não quiser afundar drasticamente seu balanço no vermelho terá que racionalizar os recursos e cortar as prebendas. Mas há setores que, evidentemente, resistem.
Na outra frente de problemas, a dos abusos sexuais, o pedido de demissão de Marie Collins - irlandesa e ex-vítima de abuso por um clérigo - da comissão Pontifícia para a tutela dos menores, correu as manchetes no mundo todo. Collins ressaltou sua frustração com a Congregação para a doutrina da fé e a com a atuação da Cúria em geral, denunciando que uma parte desta "ainda não entrou no século 21".
O cardeal Gerhard Muller, prefeito da ex-Santo Ofício, replicou observando que os termos usados por Collins são apenas clichês para falar mal do Vaticano. Farpas estão voando, e pesadas. Enquanto isso, o escândalo de abuso sexual voltou ao foco de atenção da mídia tanto na Austrália, onde surgiram milhares de casos nas últimas décadas, como na Itália, por causa da história digna de filme de terror do Instituto Provolo para surdos-mudos de Verona, instituto que durante décadas abrigou dezenas de crianças portadoras de deficiências que sofreram graves abusos e violência por parte de muitos padres. Também vale a pena mencionar que Marie Collins citou a Igreja italiana como uma das mais relutantes em aceitar as políticas para a tutela de menores e o julgamento dos responsáveis. A Comissão, à qual pertencia, liderada pelo cardeal norte-americano e arcebispo de Boston, Sean Patrick O'Malley, tinha lutado pela instituição de processos canônicos inclusive para os bispos responsáveis pelo encobrimento de abusos e proteção dos padres culpados. É precisamente nesse ponto que o confronto está recrudescendo.
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Vaticano, os obstáculos para as reformas de Bergoglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU