12 Setembro 2017
Em entrevista ao programa 60 Minutes, Stephen Bannon, presidente executivo do Breitbart e ex-estrategista-chefe do governo Trump, criticou os bispos católicos americanos pela postura deles adotada, favorável à imigração.
“A Igreja Católica tem sido horrível neste tema [a questão da imigração]. Os bispos estão sendo terríveis nesse caso. Aliás, vocês sabem por quê? Sabem por quê? Porque incapazes de realmente (...) entender e lidar com os problemas da Igreja, eles precisam de estrangeiros ilegais”, disse Bannon a Charlie Rose, que o entrevistava. “Eles precisam de estrangeiros ilegais para encher as igrejas. Isso fica óbvio em face do problema. (…) Eles têm um interesse econômico. Têm um interesse econômico na imigração ilimitada, na imigração ilegal ilimitada”.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 11-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Tendo sido mencionado na pergunta de Rose, o cardeal-arcebispo de Nova York Timothy Dolan saiu em resposta. “Realmente eu não queria falar daquilo que penso ser uma declaração absurda e um tanto ofensiva segundo a qual o único motivo por que nós bispos ficamos ao lado dos imigrantes é econômico, porque estaríamos querendo encher as nossas igrejas e receber mais dinheiro”, disse o cardeal à rádio SiriusXM. “É uma ideia tão ofensiva e simplesmente ridícula que sequer merece comentários”.
Na verdade, penso que Bannon estava certo, ou pelo menos meio certo. (Eis uma frase que jamais pensei que escreveria.) Bannon está sendo, como dito pelo Cardeal Dolan, ridículo ao pensar que há um interesse econômico sustentando a postura dos bispos a favor de imigrantes indocumentados. Até onde sei, a comunidade indocumentada não conta com grandes doadores de dólares, mas quando diz: “Eles precisam de estrangeiros ilegais para encher as igrejas”, creio que Bannon tinha razão, porém não à maneira como ele achava.
Bannon põe a religião como um marcador tribal. Eu não consigo ver dentro da alma das pessoas, portanto não comentarei sobre a sua consciência, somente sobre os argumentos públicos em que ele usa a religião como um sustentáculo para suas declarações. Segundo ele, os americanos cristãos são majoritariamente brancos e de origem europeia. Os latinos não parecem se qualificar para tanto, muito embora também sejam de origem europeia. É claro que os dados demográficos vão contra ele, como indicou semana passada uma pesquisa feita pelo Public Religion Research Institute. E eu gostaria de vê-lo realizar uma exegese em Gálatas 3,28, em que São Paulo nos diz que em Cristo “Não há mais diferença entre judeu e grego”.
Onde ele acerta, embora apesar de si mesmo, é que precisamos dos imigrantes indocumentados que vêm a este país em grande parte da América Latina. Precisamos deles para preencher as nossas igrejas porque a Igreja Católica nos Estados Unidos corre o perigo de se tornar um clube da classe média alta com uma ética conservadora. Precisamos destes imigrantes para nos lembrar que o Evangelho é a boa nova para os pobres. Precisamos destes imigrantes porque a força secularizadora da riqueza e do materialismo vem roubando da Igreja Católica neste país uma de suas crenças óbvias mais fundamentais: o Evangelho é a boa nova para os pobres.
Neste mesmo mês, há dois anos atrás, viajei à Austrália para falar a um grupo de bispos vindos da Europa oriental e central que haviam se reunido para um curso intensivo de inglês com duração de duas semanas. O assunto a mim designado foi secularização; a minha apresentação foi bem recebida.
Baseei o meu discurso grandemente no importante livro de Brad Gregory, intitulado “The Unintended Reformation: How a Religious Revolution Secularized Society”, obra cujas principais teses são, sem dúvida, corretas. Mas, com o passar do tempo, passei a compreender que, enquanto o curso da história levou os Estados Unidos e o ocidente a este ponto, o momento de inflexão do pós-guerra – um último suspiro de religiosidade (não mais que um fac-símile da religião) seguido de números cada vez menores de participantes – é relativamente fácil de entender. As sociedades ocidentais enriqueceram. O Evangelho deixou de ser a boa nova para nós.
Os bispos e teólogos muito se preocupam com a secularização. E o mesmo deve acontecer a nós todos: o Corpo de Cristo nos EUA e na Europa ocidental perde membros como um ipê lança suas folhas no outono. Isso não é a consequência de o secularismo ser atraente.
Não é culpa do Obama. Nós enriquecemos. A boa notícia que procuramos tem a ver com encontrar aquela cadeira antiga, ou uma boa compra na nossa rede varejista preferida, ou ainda um bom desconto para uma viagem a Paris. Com tudo isso que temos ao alcance, coisas atraentes e deliciosas, quem tem tempo para ir à missa no domingo pela manhã?
Portanto, senhor Bannon, se estiver lendo: o senhor está certo. Precisamos desses imigrantes para encher as nossas igrejas, não porque a Igreja de Cristo é menos ortodoxa quando os bancos não estão completos. Nós precisamos destes imigrantes porque eles podem ser os que ainda ouvem as palavras do Evangelho como palavras recém-proferidas.
A maioria deles ainda se encontra atrelada aos desafios da pobreza, eles ainda encontram a indiferença dos ricos e, dessa forma, ainda olham para o céu em busca de salvação. Eles não foram iludidos para confundir o “self-made man” com um herói. Eles possuem a fé que o restante de nós já perdeu. Sim, precisamos deles para preencher os nossos bancos se quisermos, para pegar empregado uma frase, fazer grande novamente o catolicismo.
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Stephen Bannon está certo: a Igreja precisa dos imigrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU