05 Setembro 2014
Aos 64 anos, o cardeal Timothy Dolan (foto) está preparado para continuar sendo uma força na vida católica por um bom tempo. No final de agosto, ele deu uma longa entrevista sobre o Papa Francisco, a perseguição anti-cristã, o governo Obama, os escândalos de abusos sexuais na Igreja, as difíceis escolhas em Nova York e muito mais.
Na primeira parte da entrevista que ocorreu em sua residência na Catedral de São Patrício, em Nova York, Dolan fala sobre o "efeito Francisco", incluindo os bispos não ideológicos que este papa parece querer ... e o clima de refrescante honestidade - e ocasionalmente uma certa incerteza irritante - que ele parece estar criando no Vaticano.
A entrevista é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 04-09-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O pontificado do Papa Francisco está quase na marca dos 18 meses. Qual a nota que o senhor dá a ele?
Oh, eu lhe daria um "A". Agradeço a Deus por ele todos os dias, porque ele é um dom para a Igreja. O que está muito claro para mim é que ele realmente ouviu as Congregações Gerais [reuniões diárias dos cardeais em Roma antes da eleição papal, projetadas para tratar dos principais problemas enfrentados pela Igreja] que anteciparam o conclave. Ele foi extraordinariamente atencioso, ele ouviu cuidadosamente, e nós, os cardeais, não estamos surpresos com o que ele está fazendo, porque sabemnos que tudo isso foi falado anteriormente.
Sério, sem surpresas? Vocês não se surpreenderam, por exemplo, com o "Quem sou eu para julgar"?
Sim, houve algumas surpresas, mas elas são surpresas agradáveis. Minha maior surpresa, e é uma boa, é que ele está se movendo na sua própria velocidade. Ele tem uma bela mistura de humildade e autoconfiança, e ele está disposto a fazer o que ele nos encoraja a fazer, que é para não ter medo de sofrer alguns acidentes. Há momentos em que ele poderia repensar ... "Eu fui mal interpretado lá, as pessoas entenderam errado o que eu disse aqui". Mas vale a pena ter essas periódicas interpretações erradas, porque de uma maneira geral, tem sido um sucesso estrondoso.
Veja, como bispo local, eu sou muito pragmático. A minha pergunta permanece: o papa me ajuda ou me atrapalha? Esse papa está me ajudando muito. Nesta fase, não se trata de programas específicos, mas é uma questão da sua própria persona, do tom, da personalidade. Nos últimos 18 meses, há algo refrescante, o que faz com que as pessoas na rua fiquem interessadas na Igreja. Esta é uma Igreja que costumava ter uma imagem pública considerada velha, escarpada, de dizer somente "não", e agora é vista como jovem, excitante, ousada.
Agora, temos pessoas que normalmente nem sequer falariam sobre a Igreja, ou sobre fé, ou Deus, que me dizem: 'nós realmente gostamos desse novo papa. Estamos ouvindo o que ele está dizendo'. Para um cara como eu, que sou prático com as coisas, eu mandaria uma dúzia de rosas para o papa, porque ele está me ajudando a fazer meu trabalho melhor. Ele conseguiu dar à Igreja um "facelift".
O senhor está surpreso que ainda existem tantas interpretações concorrentes sobre o Papa Francisco? Interpretações que vão desde um Che Guevara de batina a um ultraconservador em pele de cordeiro, e tudo mais. Ele quase parece ser um teste de Rorschach1 humano.
Eu diria que o que você diz é verdade, mas isso realmente não me surpreende. O mesmo é verdadeiro para a maioria de nós. Quando ouço as pessoas falarem sobre o seu pároco, elas dizem que ainda estão tentando entendê-lo. As pessoas dizem que elas ainda estão tentando me entender! Depois de um tempo você só quer dar de ombros e dizer, bem, 'Aqui estou, e eu realmente não sei se há muito mais para descobrir'.
Ele é tão sincero, tão sem medo da verdade ... ele é tão despreocupado com marketing e relações públicas e isso está funcionando para ele!
Eu vivo na Madison Avenue, que é o centro das relações públicas e do marketing do mundo. Marqueteiros de renome internacional realmente vieram a mim e disseram-me: "Quem está fazendo as relações públicas desse cara é um gênio! Quem é ele? Quem é ela?". Eu tenho que dizer-lhes: "Não tem ninguém ... é tudo ele". Ele não precisa de alguém para dizer: 'Você sabe o que seria uma boa idéia para o seu primeiro dia? Vá para o seu hotel para buscar a sua própria bagagem e pague a sua própria conta". É apenas quem ele é. Ele é genuíno, sem roteiro, sem um técnico [para lhe dizer o que fazer].
Dezoito meses depois, você percebe diferença nos bispos que Francisco está nomeando?
Sim, porque aqui em Nova York, eu recebi três novos bispos auxiliares. Você sabe como isso funciona ... isso significa que eu tive que enviar nove nomes [para Roma]. De fato, eu mandei 12 nomes, porque eles pediram mais três. Enviei uma variedade bastante ampla. Graças a Deus, somos abençoados na Arquidiocese de Nova York com um grande número de padres, por isso foi muito fácil para mim enviar uma dúzia de nomes. Eu estava esperando como todos os outros estavam para ver quem seriam os três escolhidos.
O que ele fez? Ele escolheu três párocos, homens com imensa credibilidade pública. Dois deles passaram a maior parte de seu tempo em paróquias hispânicas, e mesmo que eles não sejam latino-americanos, falam um espanhol impecável. Eles também são homens mais velhos. Então, eu tenho um [bispo] de 70, um de 69 e um de 63 anos de idade. Um deles, John Jenik, perguntou se a partir de agora ele poderia me chamar de 'Tim', e eu disse: 'Ora, com a sua idade, você pode até me chamar de 'Sonny' [filhinho]!' [Jenik tem 70 anos, Dolan tem 64].
Provavelmente, o Papa Francisco não está envolvido pessoalmente na escolha de bispos auxiliares, então o que o senhor está dizendo é que o sistema descobriu o que ele quer?
Eu diria que sim. Isso é, obviamente, um bom modelo de liderança, ou seja, dados os meus princípios e preferências, estes são os tipos de caras que eu quero ter.
Na rua, há uma percepção de que Francisco quer uma mudança na postura dos bispos de linha dura para moderados. O senhor vê isso?
Nacionalmente, nós ainda não temos resultados suficientes para dizer. Pelo menos com esses três homens, porém, nenhum deles era conhecido como ideólogico ou linha dura em nenhum lugar. Jenik é uma espécie de clássico exemplo de homem que trabalha pela justiça social, que está na rua servindo os pobres. Peter Byrne é igualmente assim, especialmente envolvido com as questões pró-vida e ajuda aos pobres. John O'Hara é o típico pastor, um homem bom, adorável, do povo, que tem uma aptidão especial para o planejamento paroquial.
Olha, nós estamos todos à espera de Chicago. [O Papa Francisco está preparando-se para nomear um novo arcebispo para Chicago que substituirá o cardeal Francis George, que está com 77 anos e uma saúde debilitada.] Eu posso te dizer que Francisco tem uma abordagem pessoal e muito prática para a nomeação de bispos. Convenhamos, é como se estivéssemos ainda em abril na temporada de beisebol com este papa, ou seja, ainda no começo, mas o que parece se destacar é que há uma preferência por homens com experiência na habilidade pastoral.
Até agora, também parece que há uma preferência por pessoas que não estejam associadas a qualquer campo ideológico.
Depois de dezoito meses, o senhor percebe alguma diferença na forma como o Vaticano está funcionando?
Nesse ponto, eu percebo uma mudança. Parece haver uma honestidade refrescante que nem sempre se percebia antes. Hoje em dia, quando você pede orientação ou respostas sobre algo, as autoridades [do Vaticano] vão dizer: "Você sabe, nós estamos pensando a mesma coisa. Você não é o primeiro bispo que nos pediu isso. Nós sabemos que o papa pediu-nos isso também, sabemos que está sob consideração ... fique atento".
De certa forma, isso é irritante, porque eu não estou recebendo uma resposta. Por outro lado, as autoridades do Vaticano estão admiravelmente deferentes, com uma nova brisa, e elas estão se perguntando sobre quais seriam as direções que o papa vai tomar. Elas estão gratas que ele está ouvindo-as e consultando-as, e elas estão um pouco na ponta da cadeira esperando por uma nova ordem para implementar.
Eu te digo que existem alguns aspectos [do Vaticano de Francisco] que são frustrantes. Por exemplo, como bispo, uma das coisas que você quer fazer é conseguir que as pessoas possam ter acesso ao papa. Nos velhos tempos, quando eu tinha uma pessoa influente que eu queria na fila da plateia para apertar a mão do papa, ou para participar de sua missa matinal, isso costumava ser fácil, porque você sabia para quem se dirigir. Agora, não. Eu posso escrever, e eles parecem ser muito atenciosos, mas não parece ser tão previsível quanto costumava ser.
Por exemplo, o técnico do New York Giants, um católico influente que leva sua fé a sério, veio e me disse: 'Cardeal Dolan, eu estou indo para Roma. Seria possível para eu participar da missa matinal do papa?'. Eu tive que dizer, 'Técnico Coughlin, eu espero que você consiga. Algo me diz que, se o papa soubesse que você estaria indo, ele com certeza gostaria de ver você lá. Eu não sei bem como conseguir isso agora, mas eu vou tentar fazer o máximo'. Tem essa área, onde um pouco dessa incerteza, dessa certa confusão benevolente, isso pode ser um pouco frustrante.
Honestamente, tá e daí? Esses são apenas detalhes internos.
Falando de uma mudança de linha dura para uma linha moderada, alguns têm denominado a eleição de Francisco como um revés para o senhor, porque sua reputação é de ser um neocon e ele é um progressista. O que o senhor acha dessas percepções?
Eu ouvi isso. É frustrante se as pessoas pensam que isso é o tipo de coisa que poderia me causar agonia, já que isso não acontece. Isso não é o tipo de coisa que vai me fazer perder o sono à noite. Na verdade, o que é frustrante é que, às vezes, isso está baseado na percepção de que, com o Papa Bento eu tinha essa surpreendente aproximação e influência, e eu acho que isso nunca foi verdade! Eu nunca me vi como o homem de referência nos tempos do Bento. É como se houvesse uma suposta divisão entre os favoritos de Bento XVI, que agora foram deixados de lado, e os favoritos de Francisco que nunca tinham acesso com Bento. Eu acho que tudo isso é exagerado.
O senhor se preocupa que quando faz algo considerado como no estilo do Papa Francisco, as pessoas dizem: 'Ele está apenas tentando ganhar a aprovação do novo chefe'?
Aqueles que interpretam as pessoas na Igreja, ou os líderes da Igreja, como motivados politicamente ou porque querem bajular o patrão sempre vão pensar assim, não vão? Você está certo, agora as pessoas vão dizer, 'o Dolan está fazendo isso porque é isso que Francisco quer'. Muitas vezes elas dizem, 'o Dolan deveria fazer X', 'o Dolan deveria fazer Y'... Isso pode ser frustrante, pela má interpretação envolvida.
Recentemente, visitei um centro de imigrantes onde temos crianças que fugiram da América Central. A forma como alguns jornalistas podem escrever é, 'Seguindo os passos do Papa Francisco, o cardeal Dolan está aqui'. Agora, eu fico emocionado que o Papa Francisco faça isso, mas eu não espero que ele me diga para fazê-lo. Eu já estava fazendo isso! É o mesmo com as prisões: 'Papa Francisco visitou uma prisão na quinta-feira santa, então agora o cardeal Dolan está nesta cadeia'. Não, eu estava visitando prisões seis ou sete vezes por ano antes mesmo de Francisco ser papa.
O senhor está se sentindo condenado se faz e também se não faz?
Deixe-me dar um exemplo concreto, algo que será muito evidente neste próximo outono. Temos algumas decisões delicadas a fazer sobre a fusão e o fechamento de paróquias. Eu já sei que não será fácil visto as pré-controvérsias que já ocorreram de ambos os lados.
Alguns dirão: 'O senhor não pode fechar esta paróquia porque ela serve os pobres, e isto é contrário ao que o Papa Francisco está dizendo'. Outros dirão: 'O senhor deve juntar essas paróquias, porque o senhor está gastando muito dinheiro mantendo as duas funcionando e unindo-as, o senhor será capaz de servir melhor os pobres, e é isso que o Papa Francisco iria querer que o senhor fizesse'.
Você tem ambos os lados citando o Papa Francisco, e isso pode ser uma dor de cabeça.
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Cardeal de Nova York diz que Papa Francisco fez um 'facelift' na Igreja. Entrevista com Timothy Dolan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU