03 Mai 2017
O Instituto para as Obras de Religião – IOR, também conhecido como o Banco Vaticano, está virando uma nova página e acrescentando três novos membros leigos ao seu Conselho Supervisor. De acordo com o guru na área de investimentos da Universidade de Notre Dame, Scott Malpass, esta mudança é a “expressão de uma rica herança da Igreja de envolver-se com os leigos”.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 01-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em dezembro de 2016, o Vaticano anunciou que o conselho formado por leigos do Instituto para as Obras de Religião – IOR, conhecido por Banco Vaticano, havia acrescentado três novos membros elevando o número para sete.
A iniciativa representou um esforço para pensar “fora da caixa” no sentido de que a instituição estava demonstrando não só um apoio irrestrito às reformas e mudanças na instituição vaticana, mas também uma abertura a aceitar a contribuição de especialistas e profissionais mundialmente renomados.
Os novos membros são o americano Scott C. Malpass, o espanhol Javier Marín Romano e o alemão Georg Freiherr von Boeselager. Todos os três possuem em comum uma vasta experiência nos setores bancário e financeiro, bem como o fato de que nenhum é italiano.
Na Itália, há um estereótipo: a noção de um norte-americano conhecedor de dinheiro que vem para salvar o dia. O mesmo acontece no Vaticano, embora nesse caso ele seja um americano conhecedor de dinheiro leigo.
E é para isso exatamente que Malpass, de Indiana, um dos três novos membros do conselho, foi nomeado.
“Como católico engajado durante minha vida toda, não consigo pensar em algo mais importante para mim do que apoiar a vida da Igreja e a sua missão evangelizadora”, falou Malpass ao Crux em entrevista. “Da mesma forma como a minha fé dá expressão a outros aspectos, descobri que o serviço à Igreja ilumina a minha vocação de uma forma mais ampla”.
Malpass foi chamado para trabalhar no IOR depois que os membros do conselho Clemens Börsig e Carlo Salvatori renunciaram. Poucos dias antes, o Papa Francisco recusara uma proposta do conselho para criar, em Luxemburgo, um fundo de investimento vaticano.
Depois disso, o Vaticano, em nota, agradeceu os dois ex-membros pela contribuição que deram, acrescentando que renúncia “pode ser vista à luz de reflexões e opiniões legítimas relativas à gestão do Instituto cuja natureza e finalidade são tão particulares quanto às do IOR”.
Malpass não é um completamente alheio ao funcionamento interno do IOR; nos primeiros dias do pontificado de Francisco, ele atuou como assessor para a Santa Sé nas reformas financeiras encaminhadas.
Mas a maior parte de sua vida foi dedicada à sua “Alma Mater”, a Universidade de Notre Dame, no estado de Indiana, onde trabalha como vice-presidente e chefe de investimentos desde 1989. Sob sua supervisão, a quantia em doações recebidas pela Notre Dame fez esta universidade se tornar a 12ª maior das instituições de ensino superior dos EUA e a maior entre as universidades católicas.
O fato de Malpass ter conseguido fazer isso acontecer numa época em que os mercados financeiros estiveram mais voláteis do que nunca e em que os investidores se esforçavam para encontrar retornos financeiros substantivos só fortalece a sua imagem como alguém que possui um sentido aguçado, voltado para o crescimento e para investimentos rentáveis – um verdadeiro americano que conhece dinheiro.
“Essa nomeação aconteceu em um momento em que o Papa Francisco está, mais do que nunca, determinado a transformar o Banco Vaticano num motor financeiro para boas obras ao redor do mundo”, disse o reitor da Notre Dame, Rev. Reverend John I. Jenkins, logo após a confirmação. “O papa colocou uma confiança enorme e merecida na integridade e na experiência em investimentos de Scott. A nossa instituição não poderia estar mais orgulhosa”.
Quando Malpass voltou para a Notre Dame em 1988 depois de trabalhar para a empresa Irving Trust Company, da bolsa de valores Wall Street, a quantidade de donativos recebidos pela instituição estava em U$ 425 milhões. No fim do ano fiscal de 2016, os ativos de capital, pensão e renda vitalícia somavam U$ 10 bilhões.
O guru em investimentos mudou-se para a universidade e reimplantou o portfolio no sentido das equidades globais e dos investimentos alternativos. “Não somos especuladores ou comerciantes. Somos investidores à procura de valores, preço baixo e ineficiência”, declarou ele à Forbes em entrevista.
“Temos um horizonte de longo prazo e a tentativa de ir bem em vários ambientes econômicos”.
Essa sua abordagem de longo prazo é parcialmente a responsável pelo sucesso institucional, que fez a Notre Dame ser uma das cinco universidades de melhor desempenho em captação de recursos, segundo a Forbes.
Faz cerca de 30 anos desde que Malpass assumiu os trabalhos à frente dos donativos da universidade de Indiana, um tempo longo comparado aos demais casos, que preferem trocar com mais frequência os profissionais da área financeira. A Notre Dame apoia a decisão de ter uma continuidade nos postos de trabalho. O que não deve surpreender, visto que Malpass garantiu um retorno anual de 12 a 14% em seu período.
Um banco médio nos EUA irá oferecer um retorno de menos de 3$ e, na maior parte da Europa, um número como esse não passa de uma distante memória. Somente grandes atores globais como a S&P 500 manteve retornos a 8% em média na última década, o que fez Malpass parecer uma espécie de unicórnio do mundo financeiro.
O Vaticano, porém, não está interessado em retornos ou em soluções financeiras complicadas, como ficou claro com a renúncia de Börsig e Salvatori. É claro que essa familiaridade de Malpass com o ambiente financeiro vem em boa hora, mas são o seu passado em instituições católicas e a sua abordagem ética o que selou o acordo.
“Da mesma forma como a minha vida de fé dá expressão a outros aspectos, descobri que o serviço à Igreja ilumina a minha vocação de uma forma mais ampla”, falou ao Crux. “Além dos meus quase 30 anos na gerência dos donativos da Notre Dame, tenho a paixão de ajudar as dioceses, pequenas organizações de caridade católicas, ordens religiosas, escolas católicas, etc., a melhorar os seus investimentos”.
Em 2014, Malpass ajudou a fundar a Catholic Investment Services Inc., organização sem fins lucrativos que oferece soluções de investimento a entidades católicas nos EUA que trabalham em consonância com as diretrizes da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA para investimentos éticos.
“O objetivo é aproximar um alto nível de gerenciamento dos ativos a organizações católicas de todos os tipos que adotam práticas de investimentos socialmente responsáveis”, disse Malpass. “Me é gratificante usar essa experiência dessa maneira”.
A verdade é que ninguém consegue definir o IOR como um banco de fato. Ele se parece mais como uma quimera com um passado realmente sombrio. Pode ser definida como uma instituição financeira, teoricamente independente da Cúria Romana. Sua principal finalidade é prestar serviços financeiros aos membros da Igreja Católica no mundo.
Dito claramente: através do IOR um missionário no Chade (classificado em 2016 pela Forbes como o pior país para fazer negócios) é capaz de, com segurança, retirar e depositar dinheiro recebido via doações sem medo de os valores serem desviados.
O problema é que o IOR não presta alguns dos serviços bancários mais importantes: empréstimos e financiamentos. O “Banco Vaticano”, assim chamado, só lida com ativos ao se investir em portfolios de longo prazo e de baixo risco, bem como só lida com depósitos e emissão de cartões de crédito.
E aqui chegamos ao segundo estereótipo italiano: não muito tempo atrás, todos sabiam na Itália que, se quiséssemos algum dinheiro lavado e vivêssemos no norte, tínhamos de ir para a Suíça; se vivêssemos no sul, provavelmente procuraríamos a máfia; e se vivêssemos perto de Roma, iríamos nos voltar para o Banco Vaticano.
Mas muita coisa mudou desde que Bento XVI começou uma limpeza no IOR, na sequência dos escândalos do Vatileaks e da traição que aconteceu com um mordomo papal de longa data.
Mais tarde, Francisco entrou em cena agora com a sua abordagem diferenciada. Destacou o Monsenhor Battista Ricca como o prelado e representante papal no IOR. Em 2014, Jean-Baptiste de Franssu torna-se presidente do IOR.
O banco é administrado por um conselho religioso e por um conselho de leigos, chamado Conselho de Superintendência, do qual Malpass é dos novos membros. Desde o começo de suas reformas em 2010, o banco vem trabalhando para definir o seu papel e a sua função.
Francisco direcionou estas reformas no sentido de sua missão original, que visa oferecer assistência financeira às obras religiosas, distante de empreendimentos “capitalistas”. No começo de abril, a Itália finalmente colocou o Vaticano na “lista branca” dos Estados com instituições financeiras cooperativas.
Em parte, isso foi possível com a entrada e saída de leigos no IOR. O banco encerrou milhares de contas pertencentes a pessoas que não são funcionárias do Vaticano, nem das ordens religiosas tampouco de organizações caritativas.
Mas o Vaticano também incluiu profissionais nos sistemas bancário e financeiro para fazerem parte das reformas necessárias ao IOR. “Pessoalmente, creio que a decisão do Santo Padre de estender a mão a pessoas com certa experiência em finanças é um exemplo muito favorável do tipo de profissionalização que ele espera ver na supervisão do patrimônio da Igreja”, declarou Malpass ao Crux.
“Todos somos chamados a ser os administradores dos bens que Deus nos confiou para cuidar, e este esforço só pode melhorar a administração que podemos dar”, acrescentou. A inclusão de profissionais e leigos no IOR “é a expressão de uma rica herança da Igreja em envolver-se com os leigos”.
Malpass junta-se ao conselho supervisor ao lado de Georg Freiherr von Boeselager. Além de ser uma pessoa bem versada em políticas bancárias, Boeselager é também irmão de Albrecht, atual Grande Chanceler da Ordem de Malta.
Javier Marín Romano é o outro membro acrescido ao conselho do banco, tendo ocupado vários cargos junto ao Grupo Santander, instituição espanhola. Alguns especulam uma ligação entre este grupo e o Opus Dei. O que se sabe é que o ex-presidente do conselho dos leigos, Ettore Gotti Tedeschi, tirado do IOR em 2012, também tinha relações com o banco espanhol.
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Papa Francisco nomeia “guru” em investimentos para o Banco Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU