05 Julho 2019
Israel é chamado a compartilhar com todas as nações a alegria de sua salvação, e o salmista convoca a terra inteira, pois Deus multiplica os seus prodígios por toda a comunidade humana. A missão que Jesus confiou aos setenta e dois discípulos também é universal e fonte de grande alegria. Seguir Jesus é ser chamado a levar a paz e a luz, enviado como cordeiro entre lobos.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 14º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (07 de julho de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: "Eis que farei correr para ela a paz como um rio" (Isaías 66,10-14).
Salmo: Sl. 65(66) - R/ Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira!
2ª leitura: "Eu trago em meu corpo as marcas de Jesus" (Gálatas 6,14-18).
Evangelho: "Se ali houver um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele" (Lucas 10,1-12.17-20 ou 1-9)
Estamos aqui no caminho de Jerusalém, para a última Páscoa de Jesus, a sua «passagem» para a Vida. Ele é, então, o portador da nossa humanidade. Esta estrada representa o caminho que devemos percorrer em nossas existências. Para onde formos, caminhamos com o Cristo. Notemos que não apenas os apóstolos foram enviados, mas os discípulos, ou seja, muitos dos que aceitaram ouvi-lo. Setenta e dois é um número que significa multidão.
Mas o que significa este fato, de que ele nos tenha enviado «na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir»? Não seria ele quem deveria nos preceder? De fato, ele nos precedeu no dom da sua vida, que se cumpriu em Jerusalém. Mas somos nós que devemos anunciar a sua volta, que «o Reino de Deus está próximo». Estamos hoje esperando algo cuja forma sequer podemos imaginar! Mas vivemos esta espera no segredo da sua presença, perceptível tão somente pela fé.
Desta forma, o Cristo está «atrás de nós», pois o precedemos, e «à nossa frente», pois que já atravessou a morte. Somos, portanto, convidados a ir ao encontro de pessoas que ignoram tudo sobre o Cristo. E não podemos contar muito com a hospitalidade característica da cultura do tempo de Jesus.
Traduzindo para hoje, temos sempre de estabelecer laços, por toda parte. Laços de amizade, pois a primeira recomendação de Jesus é que nos apresentemos como portadores da paz. Paz que comporta serenidade, confiança e a certeza de que a vida sempre tem a última palavra. Talvez estes com quem vamos nos encontrar nos perguntem a razão da esperança que trazemos conosco. Quando então vamos poder, «com mansidão e respeito», lhes falar do Cristo (1 Pedro 3,15).
Os setenta e dois discípulos devem apresentar-se completamente despojados: «nem dinheiro, nem sacola, nem sandálias». Por quê? Porque não é com nenhum prestígio, nem material nem social, que devem contar. É para o Cristo que devem abrir caminho, não para perspectiva alguma de sucesso humano. Colocando-se à mercê das pessoas que visitam, devem convidá-las a saírem de si mesmas. E, então, o Reino já estará aí. Só podem dar o que antes tiverem recebido. Provocando, portanto, previamente, entre aqueles com quem se encontram, atitudes evangélicas.
Notemos que o fato de se estabelecer a paz e a amizade precede ao anúncio do Reino. É preciso viver antes de explicar. Sendo acolhidos na paz, os discípulos podem «curar as doenças e expulsar os maus espíritos». Quanto a nós, temos obviamente de transpor estas formas de dizer. Nos tempos de Cristo, podemos acreditar, aconteceram coisas extraordinárias, mas hoje estamos no tempo do «crer sem ver»: a fé cristã alimenta-se não de milagres, mas de mistério.
Em nossos dias, curar os doentes consiste em acompanhá-los, ajudando-os a compreender que sua doença pode se tornar participação na cruz de Cristo e, portanto, caminho de ressurreição. «Expulsar os demônios»? Podemos traduzir por vencer, sobretudo as ilusões, as perversões, as tentações de nos servirmos dos outros etc. Os demônios são menos espetaculares e mais insidiosos do que em nossos Escritos. Trata-se da vontade de poder sob todas as suas formas, como podemos ver no «relato» das tentações de Cristo.
Em caso de recusa, os discípulos não devem se obstinar. Que vão para outro lugar. Deus não nos constrange a agir contra a nossa vontade: «Eu te propus a vida ou a morte, a benção ou a maldição; escolhe, pois, a vida, a fim de que vivas» (Deuteronômio 30,15 e 19). À sua imagem, Deus nos fez criadores das nossas próprias vidas. Assim como Maria, temos de dizer e repetir sempre o «sim» nupcial que fez o Cristo vir ao mundo, e nós com ele. Somente no final, é que encontramos a alegria de viver na verdade. Pois é esta alegria, exatamente, que habita os discípulos, ao retornarem da «missão» que lhes foi dada. Jesus lhes diz que nada poderá lhes fazer mal. A serpente de Gênesis 3 é esmagada totalmente pela descendência da Mulher inicial. A sua mordida no calcanhar só atingiu-nos uma vez, pois que passamos a uma vida nova.
Mas Jesus põe um bemol neste belo otimismo: a alegria por este nosso poder sobre o mal, e em favor da vida, também pode perverter-se na alegria da dominação, do ser melhor que os outros, de «não ser como os outros». E assim, recaímos na ilusão da qual havíamos saído. Nada, portanto, de definitivo. Estamos sem cessar diante desta escolha fundamental, vital. Submeter as forças do mal pode nos levar a recair sob a sua dominação, de maneira ainda mais sutil.
Guardemo-nos, pois, de querer impor o bem, porque estaríamos querendo nos colocar acima de Deus, que se contenta com propor.
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O concerto das nações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU