Por: André | 05 Julho 2013
Foi preciso que os sacerdotes diminuíssem numericamente para que a Igreja se lembrasse de que os leigos existem. E que não há Igreja sem eles.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette (Quebec), Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 14º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico. A tradução é do Cepat.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Is 66, 10-14c
Segunda leitura: Gl 6, 14-18
Evangelho: Lc 10, 1-12.17-20
Eis o texto.
No domingo passado, fomos convidados para tomar o caminho com Jesus para Jerusalém. O apelo para segui-lo nos foi lançado, assim como as exigências listadas: liberdade, despojamento, urgência da missão e olhar para a frente. Hoje, Lucas nos relata o envio em missão de 72 discípulos (a mesma missão confiada anteriormente aos 12), o que significa que se trata de uma missão universal (acreditava-se que no Antigo Testamento havia 70 nações para os judeus ou 72 para os gregos), na qual todas e todos estamos envolvidos, como cristãos. O apelo que é feito aos 72 discípulos é levar a paz (shalom) ao mundo: “como cordeiros no meio de lobos” (Lc 10, 3). E o fruto da paz é a alegria: “Os 72 discípulos voltaram muito alegres” (Lc 10, 17a). Despojados: “Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias” (Lc 10, 4a), fazendo-se próximos da realidade das pessoas que encontram: “Permaneçam nessa mesma casa, comam e bebam do que tiverem” (Lc 10, 7a), eles libertarão as pessoas: “curem os doentes que nela houver” (Lc, 10, 9a), sempre respeitando a liberdade de cada um: “Até a poeira dessa cidade, que se grudou em nossos pés, nós sacudimos contra vocês” (Lc 10, 11a).
Mas, como compreender esse relato de Lucas, hoje? Quem está implicado na missão do Ressuscitado? O que significa levar a paz ao mundo, hoje? Como traduzir as recomendações de Lucas? É um programa a ser descoberto e devemos fazê-lo com lucidez, sempre guardando a esperança.
1. A missão é para quem?
Na revista belga Feu Nouveau, de abril de 2001, um comentário anônimo dizia o seguinte: “Provavelmente, todos se lembram dos domingos da infância em que o pároco da paróquia, quase em tom patético, nos fazia rezar pelas vocações sacerdotais. Certamente, nós ouvimos esta passagem de Lucas: ‘A messe é grande, mas os operários são poucos. Rogai ao Senhor da messe para que mande operários para a sua messe...’. Muitos anos depois, todos se perguntavam como foi possível aplicar esta passagem apenas às necessidades sacerdotais. Os leigos não eram chamados a trabalhar na messe? Foi preciso que os sacerdotes diminuíssem numericamente para que a Igreja se lembrasse de que os leigos existem. E que não há Igreja sem eles”.
Ao ler um comentário como este, me dou conta de que o que mais falta na nossa Igreja é seu profetismo. Como chegamos a essa situação em que precisávamos nos deparar com a falta de sacerdotes para descobrir que a missão diz respeito, na realidade, a todos os batizados? E o pior de tudo isso é que esta não é a única questão pendente: ao ler a história da Igreja daqui e de outros lugares, devemos, infelizmente, observar que a Igreja foi uma das últimas instituições a abolir a escravidão; ela levou quatro séculos para reconhecer que Galileu tinha sido tratado injustamente, após ter sido condenado pelo tribunal da inquisição. E se pensarmos na Igreja de Quebec, foi preciso esperar pela revolução silenciosa e pelas resistências globais, quando não poucos e poucas a abandonaram, para que a Igreja tomasse consciência de que ela abusou de seu poder sobre os católicos daqui.
E se, portanto, profetismo é saber ler os sinais dos tempos, isso quer dizer que a Igreja deveria antecipar-se à sociedade na sua mudança em vista de mais justiça, mais paz, mais dignidade e mais amor. Em vez disso, a Igreja foi e continua a ir, de modo geral, a reboque da sociedade. Ainda hoje, seus discursos sofrem da falta de abertura e de visão de futuro. Ela não é unificadora, mas condena, divide e exclui; ela está, muitas vezes, desconectada das nossas realidades contemporâneas. Nossos líderes têm dificuldades para se referir a estes temas e os crentes tornaram-se completamente indiferentes.
Por outro lado, é preciso também ter um olhar de esperança sobre a Igreja. Mulheres e homens que podemos qualificar de profetas tiveram e ainda tem uma palavra de liberdade, de justiça, de paz e de amor nesta Igreja, que sempre teve dificuldade para reconhecê-los. Essas mulheres e esses homens estão inspirados e ainda se inspiram nos profetas bíblicos, que não tiveram medo de denunciar as injustiças e de anunciar a esperança. Nas leituras de hoje temos dois:
1) Isaías. O profeta Isaías, na primeira leitura, no século seis antes de Cristo, no retorno do Exílio, quando tudo era desolação e destruição, anuncia uma era de felicidade e de prosperidade para Jerusalém: “Alegrem-se com Jerusalém, façam festa com ela, todos os que a amam. Participem de sua enorme alegria todos os que participaram do seu luto. Assim poderão amamentar-se nela até ficarem satisfeitos com a consolação que ela tem; sugarão com satisfação a abundância do seu seio” (Is 66, 10-11). O profeta Isaías foi, sem dúvida, motivo de chacota, pois se assistia à desolação do país e ao desespero do povo de Israel. Mas Isaías teve razão, e ele ousa nos apresentar Deus na sua feminilidade: “Como a mãe consola o seu filho, assim eu vou consolar vocês; em Jerusalém vocês serão consolados” (Is 66, 13).
2) Paulo. Mas, para o verdadeiro profeta, o compromisso não é fácil, e ele tem consciência disso. Na sua carta aos gálatas, Paulo o reconhece: “De agora em diante, ninguém mais me moleste, pois trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6, 17). O que significa que São Paulo conheceu a rejeição e a condenação, não somente de seus adversários, mas também das pessoas mais próximas a ele e daqueles e daquelas que faziam parte da Igreja de Cristo. Por outro lado, em nome de sua pertença a Cristo, Paulo não teve medo de anunciar a novidade da Páscoa, a nova criação iniciada na manhã da Páscoa. E esta nova criação tornou caduca a tradição da religião: “O que importa não é a circuncisão, e sim a nova criação” (Gl 6, 15).
2. A messe não nos pertence
Se a messe é grande é porque ela não nos pertence; alguém a semeou e a amadureceu. O que se pede a todos os crentes, a todos os batizados, é participar da vindima, da colheita; esta não pode ser feita sem a nossa ajuda. O que nos é pedido é não possuir ou ter muitas coisas para oferecer a fim de convencer as pessoas; somos instados a ser mensageiros da paz, portadores da esperança num mundo que tem suas belezas, mas também suas fragilidades; suas forças, mas também suas fraquezas e suas pobrezas.
Nesta missão que nos é confiada, a liberdade é sagrada. Os missionários nunca devem forçar, rejeitar, condenar ou excluir as pessoas; eles devem respeitar a liberdade e a dignidade de cada um: “Até a poeira dessa cidade, que se grudou em nossos pés, nós sacudimos contra vocês” (Lc 10, 11a). Além disso, o sucesso da missão não é nosso: a alegria dos discípulos não consiste em ter sucesso na missão; trata-se simplesmente de ser contado entre os missionários: “Contudo, não se alegrem porque os maus espíritos obedecem a vocês, antes, fiquem alegres porque os nomes de vocês estão escritos no céu” (Lc 10, 20).
Para terminar, como a messe não depende de nós, a missão não é reservada exclusivamente a nós. É em nome da nossa pertença a Cristo e não em nome da nossa pertença a uma Igreja em particular, que somos contados entre os missionários. E como aquelas e aqueles que pertencem a Cristo não são todas e todos da mesma Igreja, é preciso aceitar que a missão seja diversificada e que os missionários sejam diferentes e pertençam a Igrejas diferentes, de onde a necessidade de realizar a unidade de todos os cristãos, caso quisermos trabalhar juntos na missão do Senhor. E, como estamos longe desta unidade tão desejada, não precisamos nos surpreender se os operários são tão poucos.
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A messe chama à missão! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU