Por: MpvM | 05 Julho 2019
"A liturgia deste décimo quarto domingo do tempo comum coloca em evidência a necessidade do anúncio do Reino de Deus por parte das discípulas e dos discípulos de Jesus. Esse anúncio é motivo de gozo e alegria, tanto para quem o realiza quanto para os destinatários desta Boa Notícia".
A reflexão é de Tânia da Silva Mayer, leiga. Ela possui graduação em Teologia (2012) e é mestra em Teologia Sistemática (2015) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE/BH. É editora de textos da Comissão de Publicações do Vicariato Episcopal para a Ação Pastoral, da Arquidiocese de Belo Horizonte e articulista no Portal Dom Total. Assessora paróquias, comunidades e grupos, com formação teológica e litúrgica, em Belo Horizonte e demais cidades.
Referências Bíblicas
Primeira leitura: Is 66,10-14c
Salmo: Sl 65
Segunda leitura: Gl 6,14-18
Evangelho: Lc 10,1-12.17-20.
Irmãs e irmãos, alegrias e esperança!
A liturgia deste décimo quarto domingo do tempo comum coloca em evidência a necessidade do anúncio do Reino de Deus por parte das discípulas e dos discípulos de Jesus. Esse anúncio é motivo de gozo e alegria, tanto para quem o realiza quanto para os destinatários desta Boa Notícia. Não sem razões, a oração da coleta deste domingo suplica: “Ó Deus, que pela humilhação do vosso Filho reerguestes o mundo decaído, enchei os vossos filhos e filhas de santa alegria e dai aos que libertastes da escravidão do pecado o gozo das alegrias eternas”.
Nessa esteira, percebemos que o Reino de Deus é uma realidade que deve ser partilhada com todas as pessoas, sem distinções. Retomando o projeto teológico do Evangelho de Lucas, iremos perceber como o autor insiste no fato de que a proximidade do Reino inaugurado por Jesus deve ser comunicada em todos os lugares do mundo. Sob a simbologia das 72 tribos pagãs que haveria no mundo todo (cf. Gn 10), o autor nos apresenta um relato peculiar de sua obra, o envio de 72 discípulos por Jesus.
Esse envio é urgente, pois aquilo que se vai dizer a todas as gentes é exatamente aquilo que deu o tom fundamental da missão pública de Jesus: “o Reino de Deus está próximo!”
Rejeitando qualquer ideia de profetismo futurista, o anúncio do Reino é um convite à conversão e à adesão à pessoa de Jesus Cristo. Por isso, a alegria de Jesus e dos discípulos e discípulas não consiste em submeter a uma doutrina ou a arrebanhar multidões de fiéis, mas de oportunizar a outras pessoas a alegria de colher os frutos da justiça e da paz, da misericórdia e do perdão que o Reino oferece.
Mas os discípulos e discípulas, assim como Jesus, sabem que essa missão se faz, inclusive, frente à hostilidade do mundo. A profecia de Isaías, que ouvimos na primeira leitura (Is 66,10-14c), é um belo hino de esperança a um povo que havia sido devastado no exílio da Babilônia. Sem terra, sem templo, sem identidade, o povo foi submetido à tirania que lhes custou o sentido da vida. Após o retorno, o profeta anuncia o consolo para o povo que vem da parte de Deus, que cuida dos seus como uma mãe cuida dos filhos, e que transformará o luto em uma bonita festa.
Já no Evangelho (Lc 10,1-12.17-20), utilizando uma imagem rural – ovelhas e lobos –, a catequese de Lucas ensina à comunidade cristã que a rejeição à proposta dessa nova forma de vida radicada no amor pode ser uma realidade e aqueles que por ela se decidem podem ter suas vidas ameaçadas.
Ainda hoje, o mundo se apresenta hostil diante do anúncio do Reino. Podemos dizer que os corações de muitas pessoas ainda estão endurecidos, rejeitando a paz e assumindo perigosamente o caminho das armas e da violência. Também, quando os pobres e os sofredores são abandonados em suas necessidades, quando os migrantes são rejeitados e quando os menores do povo têm a vida precarizada pela maldade do coração dos homens, o anúncio do Reino se torna ainda mais desafiador por aqueles e aquelas que escolheram seguir Jesus. Mas à luz da profecia de Isaías e como canta o poeta na música popular brasileira:
“Quando não houver saída,
quando não houver mais solução,
ainda há de haver saída [...]
Quando não houver esperança,
quando não restar nem ilusão,
ainda há de haver esperança [...]
Quando não houver caminho,
mesmo sem amor, sem direção,
a sós ninguém está sozinho [...]”
Por isso, os cristãos e as cristãs não devem se abater diante das dificuldades. Devem seguir leves e sem pretensões grandiosas, compreendendo, sobretudo, que a tarefa de anunciar a proximidade do Reino é comunitária. Por isso, longe do desânimo, do comodismo e do individualismo, é preciso se engajar e participar dessa corrente do bem que não anuncia menos que a alegria de uma vida plena e feliz para todas as pessoas, sem distinções.
Nesse quadro, o testemunho de Paulo aos Gálatas (Gl 6,14-18) ilumina o nosso agir cristão e a atuação de nossas comunidades, pastorais, grupos e movimentos. Não há bem e alegria maiores para uma pessoa cristã que anunciar a Boa Notícia do Reino. Todo o mais é restolho e conduz às escravidões. A comunidade dos Gálatas, conforme ouvimos na segunda leitura, estava às voltas com uma questão apresentada pelos judaizantes. Estes afirmavam que além da adesão a Jesus Cristo, os convertidos deveriam passar pela circuncisão, assim o cristianismo gozaria de um status social no império e estaria livre de perseguições. Mas isso não passa de uma grande vaidade! Por isso, Paulo é categórico ao afirmar: “Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo” (v. 14).
Segundo o Apóstolo, os ritos e as doutrinas, se buscados como finalidade, servem mais à escravidão e muito pouco ao Reino. O que importa é a “criação nova”, isto é, aquela que se assemelha a Jesus em seu Mistério Pascal. Precisamente, essa criação nova nasceu do amor de Cristo ao doar a sua vida na cruz. Precisamente, a criatura nova é aquela que se empenha em viver o amor em todas as relações como única força capaz de superar as estruturas de morte que ainda excluem e assassinam a vida de tantos inocentes em nossas sociedades.
Como se pode ver, o anúncio e o acolhimento do Evangelho se fazem na esteira da denúncia de tudo aquilo que serve ao anti-Reino, caracterizado pelas injustiças e pelas violências, e na luta pela transformação e libertação verdadeiras. Nisso consiste a alegria da vida das discípulas e dos discípulos de Jesus: trazer no corpo as marcas do amor de Cristo, que anunciam a vida do Reino e denunciam as mazelas do mundo. Por essa razão, na oração sobre as oferendas deste décimo quarto domingo, peçamos a Deus, confiantes do seu cuidado para conosco: que o oferecimento do amor de Jesus Cristo na cruz “nos leve, cada vez mais, a viver a vida do vosso reino”.
E que assim seja, hoje e sempre, amém!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
14º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Venha teu Reino, Senhor, trazendo a paz e a alegria! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU