18 Junho 2018
Michel Temer completou no mês de maio dois anos à frente do Executivo. Desde que assumiu, seu governo vem implementando uma agenda de reformas na educação que é alvo de críticas de educadores. Medidas como a reforma do ensino médio, a Base Nacional Comum Curricular e também a Emenda Constitucional 95 estão entre as medidas que mais impactaram a educação no período. Para Gaudêncio Frigotto, professor do Programa de Pós Graduação de Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o governo Temer representa o maior retrocesso para as políticas de educação dos últimos 70 anos.
O pesquisador Gaudência Frigotto concedeu entrevista à André Antunes, publicada por EPSJV/Fiocruz, 15-06-2018.
De maneira geral, o que governo Temer representou para a educação nesses dois anos?
Ele representou o maior retrocesso dos últimos 70 anos ou mais. Por duas razões. Uma que diz respeito à Emenda Constitucional 95, que visa exatamente não fazer mais nenhum investimento além de repor a inflação em toda a esfera pública por 20 anos. E a gente vê que nesses dois anos as áreas mais atingidas foram a educação e saúde. E agora mesmo, para subsidiar o diesel, ao invés de criar um imposto das grandes fortunas, uma auditoria da dívida pública, enfim, aquilo que a sociedade organizada luta há décadas, ele vai cortar da educação e saúde. É um retrocesso que tem consequências brutais a médio e longo prazo.
O outro retrocesso é a contrarreforma do ensino médio, que dividiu a formação em itinerários. Na verdade a maioria absoluta dos 5.570 municípios tem uma escola, então não é verdade que o aluno vai poder escolher. Vão oferecer uma ou duas opções de itinerários. Segundo, os estudantes são muito jovens para uma escolha que vai definir o restante da sua vida acadêmica: 40% daqueles que hoje que entram em uma universidade desistem do curso que escolheram no primeiro ano. Você vai mandar um jovem escolher com 14, 15 anos? Isso é um absurdo, uma falsificação.
Portanto é um retrocesso do ponto de vista da expansão, e é um retrocesso do ponto de vista da concepção do que seja a educação básica. E é um governo cuja popularidade está 82% negativa na pesquisa que foi feita essa semana. O que expressa um fracasso do ponto de vista social e um ganho aos oligopólios, às oligarquias, hoje especialmente à oligarquia do capital financeiro, e aos seus testas de ferro no Congresso, no Judiciário, que sustentam este Estado de exceção.
Quais são os destaques em relação à educação profissional?
A contrarreforma do ensino médio piora o que foi o decreto 2.208 do governo Fernando Henrique Cardoso, que separava o ensino geral daquele que ia formar para o trabalho. E ela induz esse jovem que busca a educação profissional a buscar um curso muito rápido com a promessa que isso vai lhe dar futuro. Então também é um retrocesso brutal na concepção do ensino técnico e tecnológico. A educação profissional está reduzida à perspectiva da ‘Senaização’, de tornar as escolas de educação básicas quase que um Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. E veja, o governo permite que as escolas agora contratem professores práticos sem nível superior de um lado, só pela experiência, e sobretudo permite ao sistema S e outras instituições privadas fazerem parceira com as escolas. É nessa perspectiva que eu coloco o retrocesso nesse campo também.
Pelo que tem acompanhado a implementação do Plano Nacional de Educação nesses dois anos, qual é a avaliação que o senhor faz?
A Emenda Constitucional 95 de um lado e a reforma do ensino médio de outro enterraram o Plano Nacional. A única meta que foi mais ou menos cumprida diz respeito à formação de professores de mestrado e doutorado. É uma meta importante, mas não é central. A meta fundamental seria a universalização do ensino médio, da educação básica, os 10% do PIB. Imagina se vai ter 10% do PIB para a educação! Primeiro que o PIB não está crescendo e, segundo, mesmo que isso aconteça, o crescimento não vai ser incorporado. Então, curto e grosso, o golpe simplesmente enterrou o Plano Nacional. Se a gente não consegue reverter esse quadro agora na eleição e ter força parlamentar e força social que revogue essas medidas nós vamos chegar no final do PNE sem cumprir praticamente nenhuma das metas. Então a educação está nocauteada, assim como a saúde.
Um problema historicamente apontado no campo da educação é o subfinanciamento, que prejudicaria ações em todos os níveis. Como você avalia o financiamento da educação nesses dois anos?
É interessante registrar que os intelectuais do golpe são muito articulados com o capital financeiro e, portanto, são funcionários dos grandes intelectuais coletivos, dentre eles o Banco Mundial. Você deve ter visto o relatório do Banco Mundial que se chama 'Um Ajuste Justo', que prega a austeridade no gasto público especialmente nas áreas de educação e saúde. Então todas essas reformas estão lá. São reformas que abocanham a parte do fundo público que era destinada a garantir direitos universais (que ainda não eram universais na realidade). A Emenda 95 atinge os mais pobres de várias formas: primeiramente estanca o aumento do salário mínimo real, um mecanismo que nos últimos 15 anos garantiu efetiva distribuição de renda. O salário mínimo triplicou praticamente. Hoje o salário mínimo está estagnado e quem paga o preço? Vai ter menos qualidade de vida, menos saúde, menos possibilidade de as famílias apoiarem seus filhos na educação.
Nesse período também tivemos a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, que segundo seus críticos abre caminho para várias formas de privatização da educação pública. O que a BNCC representou nesse cenário?
Eles estão avançando, cercando todos os campos. A BNCC, a contrarreforma do ensino médio, mas também a Emenda 95, permitem que a educação seja ainda mais negócio do que é hoje. O avanço agora é no ensino médio, porque já eram hegemônicos na privatização do ensino superior. São os meganegócios da privataria da educação. O grande investimento também dos grandes grupos, a Kroton, entre outros, é no ensino médio através de parcerias público-privadas. Estão tomando de assalto aquilo que era público, aquilo que era minimamente debatido com a sociedade. E o que vem pela frente é pior. Quem assumiu a secretaria executiva do MEC foi o Haroldo Corrêa, ex-secretário de educação do Espírito Santo. O que ele fez lá foi um horror: fechou escolas do campo, salas de aula, houve um decréscimo de 68% no investimento na educação. Ele vem completar o trabalho sujo nos meses que faltam a este desgoverno, que é a palavra mais adequada. Então, o que vem por aí aprofunda o retrocesso.
Tivemos nesse período o crescimento do movimento Escola sem Partido. Existe uma relação entre esses dois anos de mandato e a ascensão deste e de outros movimentos conservadores na educação?
Tem toda relação. Tem sido caracterizado o golpe de agosto de 2016 como um golpe jurídico, parlamentar e midiático, mas eu vi algumas análises, e concordo, que acrescentam também ‘policial’. Agora sob um governo de exceção, há uma tentativa de criminalizar todo pensamento crítico e os movimentos que vêm da sociedade que visam a mudanças coletivas e ampliação de direitos. O Escola sem Partido é a parte mais fascista, eu diria, do golpe e que, portanto, tem um caráter policial. É um movimento que sequer leva em conta aquilo que os clássicos da Revolução Burguesa entendiam como o papel da escola, que era ensinar os conhecimentos produzidos até então, mas também educar as novas gerações para se integrar à sociedade. O Escola sem Partido é a face obscura, é a face ideologicamente violenta do golpe. No fundo, se está dizendo que o professor é um entregador de conhecimento e quem vai preparar esse conhecimento são os institutos reunidos em torno de movimentos como o Todos pela Educação, que reúne 14 grupos financeiros, bancos, empresas industriais e 18 institutos privados que querem abocanhar o fundo público e dirigir a escola, a educação, no seu conteúdo e na forma de educar. O Escola sem Partido é a ‘cereja do bolo’ dentro desse processo de regressão, é dizer que professor não tem direito à opinião. Então, há uma relação total entre o Estado de exceção e a virulência de caráter neofacista do movimento Escola sem Partido.
Há algo a comemorar?
Eu acho que há sinais. Um sinal importante foi que eles não conseguiram aprovar a reforma da Previdência. Foi a única que o povo entendeu, porque as pessoas veem que vão morrer antes de se aposentar. A maior parte das pessoas vai pagar e não vai usufruir. Esse é um sinal de que quando as classes populares percebem o efeito dessas medidas elas se contrapõem e criam forças para resistir. O grande problema nosso é a barreira da mídia monopolizada. Se a gente explicasse bem o significado da reforma da Previdência, reforma trabalhista, até pelo bom senso, as pessoas iriam se organizar. E um ponto positivo que nos dá esperança é a reprovação massiva do governo golpista. São sinais que nos apontam duas alternativas: ou retomamos de fato a perspectiva de barrar as contrarreformas e revertê-las ou o país entra em uma convulsão social dramática. O país não vai aguentar essas reformas por cinco, dez anos. Então, contraditoriamente a crise pode ser a possibilidade de dizer que não dá mais para fazer aquilo que a gente fazia antes.
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'A educação está nocauteada'. Entrevista com Gaudêncio Frigotto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU