29 Novembro 2016
Com uma foto que mostra o seu perfil na sombra, no fundo de uma luz que pode ser o nascer ou o pôr do sol, o L’Osservatore Romano recorda Fidel Castro na primeira página. A diplomacia midiática vaticana também conhece essas sutilezas. Castro, não se esquecem do outro lado do Rio Tibre, é o revolucionário que criou um sistema ditatorial, mas nunca derramou o sangue de um sacerdote, é o líder que submeteu a Igreja a um punho de ferro, mas, a partir do encontro com João Paulo II em 1998, começou gradualmente a dar mais liberdade para a Igreja cubana, especialmente para as suas iniciativas de caridade. Sobretudo, o ex-aluno dos jesuítas, amigo do teólogo da libertação Frei Betto, foi, durante décadas, na América Latina, símbolo de um anseio de redenção e de justiça social que fatalmente, em certos momentos, acabou se cruzando com os documentos da Igreja latino-americana (mas também com certas passagens de encíclicas papais) dedicados ao dever dos cristãos de tirar de cima dos povos do continente as cepas de injustiças estruturais – inegáveis e permanentes.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 27-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mais do que qualquer outra coisa, porém, Fidel foi um personagem que, pela sua história, pelo seu temperamento, pela sua sensibilidade latina, sempre teve com os três papas com os quais ele se encontrou uma relação humana direta, não embalsamada na oficialidade. Intensa, muito intensa com João Paulo II, sincera com Bento XVI e Francisco.
Se a cúpula de Fidel com Mikhail Gorbachev, em Havana, em 1989, ocorreu sob o signo de um duelo sutilmente polêmico – se vocês quiserem fazer a perestroika, disse ele, substancialmente, em um discurso-surpresa depois da intervenção do líder soviético na Assembleia Nacional cubana, deixem-nos construir o socialismo do nosso modo –, o encontro com o Papa Wojtyla em Cuba, em janeiro de 1998, revelou uma elegante e nobre ternura do Líder Máximo em relação ao pontífice polonês já curvado pela doença. Fidel, sempre de terno escuro, deixando de lado o uniforme verde-oliva da revolución, muitas vezes defendia Wojtyla (com enorme discrição) no seu incerto e fatigante proceder.
Não era um gesto formal. Fidel reconhecia em Wojtyla o líder religioso não clerical, que sabia o que era o trabalho, que amava a sua nação e respeitava as outras, um homem de carne e ossos para o qual os sofrimentos dos condenados da Terra eram sofrimentos sentidos realmente. Em nível subliminar, se poderia dizer até que, enquanto na Polônia, inflamando as multidões, ninguém podia duvidar que Karol Wojtyla queria desmantelar, embora sem violência, o regime comunista polonês, em Havana, Fidel advertia que João Paulo II, por mais que falasse de liberdade (freneticamente aplaudido), queria, em vez disso, fazer com que o regime cubano evoluísse, salvando as suas conquistas sociais em tema de educação e saúde pública. Em 1998, João Paulo II já havia denunciado, justamente na Alemanha, aonde depois se dirigiria ao Portão de Brandemburgo em Berlim, o novo perigo incumbente depois da queda das ditaduras soviéticas: “A ideologia capitalista radical”. O neoliberalismo sem freios, que, na primeira década do novo milênio, levaria à grande crise econômica e financeira do Ocidente.
“E Deus entrou em Havana” foi o título que o escritor Manuel Vazquez Montalbán colocou no seu livro, que descrevia a atmosfera especial daqueles dias do papa polonês em Cuba. A vigília da sua chegada foi o primeiro Natal celebrado como feriado. E, desde então, o degelo nunca parou. Wojtyla, além disso, não tinha ido para tratar apenas de questões bilaterais. O seu horizonte era mais vasto. Não por acaso, durante a grande missa na Praça da Revolução, onde, por 24 horas, se enfrentaram o rosto de Che e o Sagrado Coração de Jesus, João Paulo II – condenando o ateísmo de Estado e o “falso conflito entre a fé em Deus e o amor e o serviço à Pátria” – ressaltava também com força a exigência de “conjugar liberdade e justiça social, liberdade e solidariedade”.
Cuba se abra ao mundo, e o mundo se abra a Cuba, foi o lema que Wojtyla cunhou ao deixar a ilha. Um convite à democratização e, ao mesmo tempo, ao fim do embargo estadunidense. A visita representou um sucesso para Wojtyla e um sucesso para Fidel. O velho revolucionário não tinha se enganado, ao convidar o papa em 1996 a visitar Cuba.
Pertencem a outro clima, a outra temporada os sucessivos encontros de Castro com Bento XVI e Francisco. Em 2012, Castro já havia sido forçado ao afastamento da liderança política. Com o Papa Ratzinger, ele tomou um café que durou mais de meia hora. O pontífice alemão, depois, se diria “comovido” por ter se encontrado diante de um homem que se fazia perguntas sobre a existência, embora não saísse do seu esquema filosófico. Castro pediu livros, e Ratzinger lhe mandaria dois, incluindo a sua “Introdução ao Cristianismo” (esta também seria a viagem em que Bento XVI amadureceria a decisão de renunciar).
Francisco, em 2015, indo se encontrar com o velho líder, vestido já com um triste abrigo esportivo azul, recordaria os interesses de Fidel e lhe levaria uma série de livros, além da sua encíclica verde Laudato si’. Os dois latino-americano se detiveram a falar por uma hora no total, a partir da comum formação jesuítica. Depois, o Papa Bergoglio agarrou a mão de Fidel, exclamando: “Antes ou depois, me dê um Pai Nosso de presente”.
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Fidel Castro: quando comunismo e Igreja se encontravam contra a "ideologia capitalista radical" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU