11 Novembro 2016
"A campanha presidencial mais bizarra de toda a história dos Estados Unidos talvez tenha culminado nesta terça-feira.
Sabe-se bem que a candidata democrata Hillary Clinton e o seu oponente, Donald Trump, são extremamente impopulares entre muitos membros dos seus respectivos partidos políticos", escreve Robert Mickens, em artigo traduzido por Isaque Gomes Correa, publicado por Commonweal, 06-11-2016.
De modo geral, os bispos americanos os têm retratado como candidatos igualmente inaceitáveis aos eleitores católicos porque as posturas dos dois são hostis a vários aspectos da doutrina social ou moral da Igreja.
Mas os assim-chamados guerreiros culturais do episcopado americano, como Dom Charles Chaput, da Filadélfia, não deixaram de dizer que um candidato que apoia o aborto legalizado (apesar do fato de este assunto ser lei no país desde 1973) é sempre pior do que aquele que se lhe opõe. E, ao assim fazer, eles efetivamente assinalaram um apoio a Trump.
A perspectiva de uma presidência sob o comando do candidato republicano tem causado um desconforto no Vaticano. Os americanos que trabalham na Cúria Romana, no entanto, estão entre uma pequena minoria de burocratas católicos sediados em Roma que, realmente, gostaria de ver Trump ganhar a eleição.
Isso não quer dize que o Vaticano vá ficar feliz se Hillary Clinton for a próxima figura na presidência dos EUA. A ex-primeira-dama e secretária de Estado sempre teve uma relação fria com o Vaticano, desde meados da década de 1990.
Em 1994, Hillary liderou a delegação americana na cúpula sobre o crescimento populacional da ONU ocorrida no Cairo e chocou-se de frente com a delegação da Santa Sé quanto às iniciativas para garantir os “direitos reprodutivos” a todas as mulheres do mundo. Hillary Clinton perdeu a luta, porém as autoridades vaticanas continuaram a vê-la como uma adversária um ano depois em Pequim, quando discursou à cúpula das Nações Unidas sobre as mulheres e repetiu o seu apelo de antes, ainda que de uma maneira mais atenuada.
Curiosamente, Hillary nunca visitou o Vaticano nem se encontrou com o Papa Bento XVI durante os quatro anos em que foi secretária de Estado (2009-2013). Ela foi a primeira pessoa neste posto a desprezar a Santa Sé em aproximadamente quarenta anos,desde 1969-1973, quando William Rogers esteve à frente do cargo no primeiro governo Nixon.
Mas parece que as autoridades vaticanas estariam mais do que dispostas a receber Hillary caso ela vença a corrida presidencial.
“Uma das nossas preocupações é quem ela irá designar como embaixador americano para a Santa Sé”, disse-me uma autoridade católica do alto escalão.
“O senhor está realmente confiante de que ela vai ser eleita?”, perguntei.
Ele respondeu com um olhar bastante sério:
“Ela tem que vencer”, disse. “A outra opção seria um desastre para o mundo todo”.
***
Mais uma vez, o Papa Francisco decepcionou profundamente os católicos que acreditam que a Igreja deve ordenar mulheres ao sacerdócio ministerial.
Durante a viagem papal de volta da Suécia – uma viagem verdadeiramente inovadora, em que ele se tornou no primeiro papa da história a celebrar a Reforma Protestante numa cerimônia conjunta de oração ao lado de bispos luteranos, incluindo uma bispa –, uma jornalista sueca perguntou a Francisco se a Igreja Católica alguma vez irá ter mulheres ordenadas ao sacerdócio.
“A Suécia, que recebeu este importante encontro ecumênico, tem uma mulher como a presidente de sua igreja. O que o senhor acha disso?”, disse a jornalista.
“É realista imaginar mulheres ordenadas também na Igreja Católica nas próximas décadas? E se não, por quê? Os padres católicos têm medo da competição?”, concluiu a profissional de imprensa.
Como geralmente tem feito ao responder a perguntas delicadas concernentes ao papel e ao lugar da mulher na Igreja, o papa começou com um pouco de seu já conhecido humor (o que, temos de admitir, nem todo mundo acha engraçado).
“Ao ler um pouco sobre a história desta região onde estivemos, vi que houve uma rainha que ficou viúva três vezes; e eu disse: ‘Esta mulher é forte!’ E disseram-me: ‘As mulheres suecas são muito fortes, muito destemidas; e, por isso, o homem sueco procura uma mulher doutra nacionalidade’”, brincou Francisco acrescentando sob risos: “Não sei se é verdade!”
Em seguida, respondeu à pergunta. E a sua resposta precisa ser analisada com cuidado, a começar com as palavras que, de fato, ele empregou em italiano: “Sull’ordinazione di donne nella Chiesa Cattolica, l’ultima parola chiara è stata data da San Giovanni Paolo II, e questa rimane. Questo rimane”.
Eis a maneira mais literal de traduzi-las: Sobre a ordenação das mulheres na Igreja Católica, a última palavra clara foi dada por São João Paulo II, e essa permanece. Essa permanece”.
(O falecido papa polonês emitiu a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis em 1994 e concluiu com estas palavras lapidares: “Declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”).
Mas se traduzirmos o que o Papa Francisco disse de um modo menos literal, a essência sua resposta foi que João Paulo II emitiu o “mais recente ensino” da Igreja sobre a ordenação feminina e que ele “continua” a ser o seu ensinamento mais recente.
Quando a jornalista sueca interrompeu o papa e perguntou se este dizer significa para sempre, ele respondeu: “Se a lermos bem, a declaração feita por São João Paulo II vai nesta linha [‘in questa linea’], sim”.
Francisco estava apenas citando João Paulo II – a saber, que o falecido papa pretendia que este fosse um ensinamento definitivo que nunca poderá ser mudado. Em essência, o atual papa mais uma vez contornou a questão.
E sejamos sinceros: jamais haverá mulheres ordenadas ao sacerdócio na Igreja Católica até que haja as primeiras diaconisas. Pelo menos o Papa Francisco começou um diálogo sobre este outro tema diretamente relacionado.
O diaconato feminino pode não ser suficiente aos que acreditam que a não ordenação de mulheres ao sacerdócio seja uma injustiça, tanto em termos humanos quanto em termos divinos. Mas um papa que vem gerando uma tal oposição e rebelião entre alguns católicos mais tradicionais (principalmente da hierarquia e do clero) por simplesmente permitir que as mulheres participem da cerimônia de lava-pés da Quinta-Feira Santa precisa escolher as batalhas a enfrentar com sabedoria. Algumas delas ele tem de empreender silenciosa e casualmente.
O fato é que, em pouco mais de três anos, Francisco efetivamente começou a abrir as proverbiais janelas da Igreja, janelas que os seus dois antecessores haviam fechado com força num esforço visando deter o movimento de reforma em curso que continuava a ganhar força nos primeiros anos após o Concílio Vaticano II.
Se Francisco vai ter sucesso ao reimplementar o movimento “ecclesia semper reformanda” e, realmente, colocar em curso reformas importantes na vida e nas estruturas eclesiais (como imaginado por ele em seu documento de 2013 intitulado Evangelii Gaudium) irá depender de quanto tempo o seu pontificado durará.
Se você deseja que ele tenha sucesso aqui, então reze para ele manter a boa saúde que tem atualmente.
E reze também para que Bento XVI, o papa emérito, viva por muitos e muitos anos.
Pois Francisco tem assessores próximos que, embora ele considere também a possibilidade de renunciar em algum momento, ele também pensa que não seria uma boa ideia ter dois papas eméritos vivendo numa mesma época.
***
Terremotos.
Pelo menos três grandes abalos datados de agosto passado causaram a devastação de construções e a perda de centenas de vidas na região central da Itália.
O mais forte de todos – mas, felizmente, não o mais mortal – veio na manhã deste domingo, 6 de novembro. E aqueles de nós que moramos em Roma sentimos também os tremores durante uns 20 ou 30 segundos.
A cidade de Norcia, lendário local de nascimento de São Bento nas colinas de Umbria, suportou o impacto do mais recente terremoto. Todas as suas igrejas, incluindo a basílica nomeada em homenagem ao pai do monasticismo, foram destruídas ou, pelo menos, ficaram danificadas a ponto de não serem mais identificáveis.
Os tremores causaram rachaduras na estrutura da Basílica de São Paulo Fora dos Muros em Roma, onde a igreja ficou fechada brevemente para uma nova inspeção.
Sismólogos dizem que o solo deverá continuar se movendo nas próximas semanas e meses. Uns temem que o pior ainda está por vir.
Há indícios no Vaticano de que o Papa Francisco está também preparando um terremoto, um terremoto eclesiástico que irá novamente sacudir as estruturas da Igreja. Diz-se que a sua reconfiguração feita semana passada do grupo de cardeais e bispos que servem como membros da Congregação para o Culto Divino foi apenas um pequeno tremor comparado com o que estaria vindo logo adiante.
As mudanças que o papa está planejando poderiam equivaler a uma alteração tectônica no Vaticano (e talvez em toda a Igreja universal) ou, quiçá, elas irão apenas constituir umas poucas mudanças aqui e ali.
Porém nós provavelmente não as iremos ver até o momento em que ele criar os novos cardeais no consistório de 19 de novembro, ou até que tenha realizado o próximo encontro do seu conselho executivo de nove cardeais assessores, entre os dias 12 e 14 de dezembro.
Então, de novo, é impossível prever o momento exato em que um terremoto irá acontecer.
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O Vaticano estaria mais feliz com Hillary? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU