25 Janeiro 2016
Com o sínodo sobre a família o Papa Francisco melhorou os pressupostos para o ecumenismo. É a posição defendida pelo jornalista italiano-alemão Marco Politi. Falamos com o vaticanista dos esforços de reforma do Papa Francisco. Marco Politi é correspondente no Vaticano há mais de 40 anos, 17 dos quais para o cotidiano italiano la Repubblica. Colaborou com Die Zeit e a Frankfurter Allgemeine Zeitung. Nesta entrevista ele descreve as dificuldades e as resistências encontradas pelo Papa Francisco na reestruturação da Cúria e exprime a esperança que os divorciados que casaram novamente sejam admitidos à eucaristia.
A entrevista é de Norbert Schäfer, publicada por Medien Magazin, 19-01-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
O que pensa das dificuldades que o Papa Francisco encontra nos seus esforços de reforma?
Este Papa não quer mais um papado imperial. Trabalha a favor de uma Igreja participativa, sinodal, na qual naturalmente o Papa continua sendo o Papa, mas na qual os bispos são envolvidos de maneira colegial e decidem juntos qual será a orientação da Igreja neste século. O Papa quer uma Igreja pobre para os pobres. Por isso tem trabalhado muito para realizar uma reforma do Banco vaticano. Naquele âmbito já se podem ver os primeiros resultados.
O Papa quer uma Igreja na qual as mulheres – disse-o pessoalmente numa entrevista – ocupem postos nos qual se decide e nos quais se exerce a autoridade. Nenhum Papa antes dele havia dito coisa semelhante.
Ele é o primeiro Papa a excomungar a máfia. E é um Papa que não quer mais ser obsessionado por problemas como a pílula, o aborto, o preservativo e o divórcio.
Como diz com muita frequência, quer uma Igreja que esteja próxima das pessoas com os seus problemas. Uma Igreja que não seja nem tribunal nem aduana.
Falou também de “hospital de campo”, onde se ajudam mulheres e homens feridos. É um programa bem vasto.
Isto significa uma total mudança de perspectiva, porque a Cúria sempre se considerou uma espécie de estado maior militar que de Roma enviava “comandos”. Mas a resistência não é somente na Cúria, é também na Igreja universal.
Grande parte da hierarquia católica tem medo de inovações e de uma “protestantização” da Igreja, ou quereria uma adesão à doutrina em sentido conservador. Estas pessoas têm medo de ocupar-se e discutir novos problemas da sociedade. Há cardeais e bispos que opõem resistência à ideia de que uma mulher possa ocupar posições-chave na Cúria. São talvez muito abertos do ponto de vista social, mas não querem que os divorciados que casaram novamente possam tomar a comunhão na missa. Neste sentido os fronts são muito diversos. Avalio que a metade do aparato eclesiástico é contrário a esta mudança radical.
No seu ponto de vista, que chance tem o Papa de ver realizados os seus esforços de reforma?
O Papa é político. Ele é certamente uma grande personalidade religiosa, mas sabe pensa em termos políticos. Sabe quando deve ser tenaz e quando deve ter paciência. Às vezes dá um passo em frente, mas às vezes também um passo para trás. Por exemplo, após o primeiro sínodo de 2014, quando viu o tamanho da resistência à ideia de admitir os divorciados novamente casaddos à comunhão, ele disse: “Não é este o problema mais importante”.
Mas, ao mesmo tempo, no início de 2015, recebeu no Vaticano um transexual. Não numa audiência geral, mas numa audiência privada.
Este transexual espanhol era uma mulher que se tornou homem e que se sentiu marginalizada na sua paróquia. Este transexual foi ao Papa com sua noiva e ele os recebeu. Isto teria sido absolutamente impensável com outros Papas e em outros tempos.
Realiza muitos sinais. O Papa quer por em movimento um processo. Isto não significa que ele também verá o cumprimento. Podemos dizer que ele é um semeador, mas que não considera importante que seja ele pessoalmente quem faz a colheita, porque sabe que se requer tempo.
Como avalia a participação de teólogos protestantes no sínodo sobre a família de 2015 do ponto de vista ecumênico?
A grande novidade do Concílio Vaticano II foi que as Igrejas irmãs foram então convidadas ao concílio. Neste sentido, este gesto para o sínodo foi precisamente um ulterior desenvolvimento daquela primeira decisão. O Papa quer com certeza que as relações ecumênicas se ampliem.
Neste momento tenho a impressão que já seria um resultado para ele encontrar um acordo com os ortodoxos. Porque na prática não há diferenças dogmáticas com as Igrejas ortodoxas. Trata-se antes de uma discussão sobre a jurisdição e, portanto, das relações de poder na Igreja.
O Papa tem feito a proposta de celebrar conjuntamente a Páscoa. Neste sentido é uma proposta absolutamente ecumênica. Significaria que luteranos, católicos e ortodoxos finalmente celebrariam a Páscoa juntos.
O Papa é intelectual, mas fala de maneira muito popular. Já repetiu com frequência: não tem sentido que uma Igreja diga que o seu Cristo ressurgiu ontem e que o Cristo da outra Igreja ressurgirá amanhã. Está-lhe muito a peito que se possa dar um sinal concreto de unidade, pelo menos neste nível.
Trabalhando por uma Igreja sinodal, o Papa facilita também futuras possibilidades de integrações ecumênicas. Já que, se o Papa não decide tudo de Roma como soberano absoluto, mas, ao invés, de um lado os bispos tomam decisões colegialmente com o Papa, ou pelo menos encontram juntos propostas para a solução dos problemas e, do outro lado, a Igreja se orienta para uma descentralização, isto facilita as relações futuras para um encontro com as Igrejas protestantes e as Igrejas ortodoxas que têm ambas uma base sinodal. Por isso tem sido muito importante que na reforma da declaração de nulidade dos matrimônios celebrados na igreja tenha dado, em certas situações, a possibilidade ao bispo local de declarar nulo o matrimônio. O bispo local pode fazê-lo e não deve esperar Roma.
Isto significa um reforçamento dos bispos?
Isto é um reforçamento do episcopado, mas, sobretudo um reforçamento das Igrejas locais. Infelizmente, no processo de reforma, os conservadores se mobilizaram muito melhor do que os fiéis favoráveis às reformas na Igreja católica. Parece que, quem é a favor das reformas, se limite a esperar pelo Papa, enquanto as forças conservadores se mobilizam.
Viu-se isto muito claramente no sínodo. Ali os conservadores que querem defender a todo custo a doutrina tradicional, escreveram uma carta ao Papa com mais de 400.000 assinaturas.
Cardeais conservadores se mobilizaram publicando livros, houve um congresso internacional antes do início do sínodo, no qual se fizeram ouvir os defensores da doutrina tradicional. Não se viu coisas análogas da parte reformadora.
Nos tempos do Concílio Vaticano II havia um grande movimento de reforma, visível, entre os bispos, os teólogos e os leigos empenhados. Hoje isto faz falta e isto significa praticamente que se deixa o Papa sozinho. Embora não o deseje, de fato o Papa está só, como um futebolista que recebe sozinho os gritos de júbilo da torcida, mas que não tem junto a si os companheiros de esquadra no campo de jogo. A base está a esperar.
A base talvez esteja desiludida porque há tantos anos não houve mudanças. Há um amplo consenso, mas pouca atividade ao nível da Igreja universal. Os leigos na Igreja ainda não se acordaram.
Que perspectivas existem que o Papa, no final, em relação ao sínodo sobre a família, se expresse a favor da admissão dos divorciados novamente casados à comunhão?
Temos falado do objetivo do Papa: uma Igreja sinodal. Ele exortou muito concretamente os bispos, nos últimos dois sínodos, a fazerem propostas. Agora acontece que, quando num sistema muito monárquico se passa improvisamente a um sistema democrático, também conservadores possam ter o predomínio. Em todo o caso, no sínodo se viu que a parte conservadora bloqueou uma clara virada. O relatório final é muito “sinuoso”. Ele fala de “um percurso penitencial, de reflexão e de distinção de diversas situações, e, após um percurso mais ou menos longo, os confessores poderão readmitir os divorciados novamente casados à comunhão”.
O Papa tem um diálogo vivaz com o eminente jornalista fundador de jornal Eugenio Scalfari, uma pessoa quem não tem fé. Scalfari escreveu, após o sínodo, que o Papa lhe teria dito que em diversas situações, após um percurso mais ou menos longo, os confessores poderão readmitir os divorciados novamente casados à comunhão. O porta-voz do Vaticano o desmentiu. Por conseguinte, é preciso esperar até que o documento seja publicado dentro de alguns meses. Mas, seguramente, segundo o Papa, que também o disse com frequência, a Igreja não condena jamais uma pessoa para sempre. Este é o seu princípio de fundo. Deveremos encontrar este princípio de fundo no documento papal sobre o sínodo, que espero poder ler antes do verão.
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O medo da “protestantização” da Igreja católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU