16 Junho 2015
A confirmação das boas relações com os ortodoxos, tanto a confirmar a disponibilidade, já expressa por Paulo VI, de fixar uma data fixa para festejar conjuntamente a Páscoa, o anúncio que uma prevista viagem à África se realizará em novembro, à República centro-africana e a Uganda, a denúncia de um ocidente “decadente” diante e uma Ásia que representa o “futuro” da Igreja (“Ex Oriente Lux, Ex Ocidente Luxus” [Do Oriente Luz, do Ocidente Luxo], o “mea culpa” pelas violências perpetradas pelos católicos no decurso dos séculos, como a invasão de Constantinopla ou os massacres de protestantes, e ainda o papel das mulheres na Igreja, a crise ucraniana, os mártires cristãos. O Papa Francisco transcorre a tarde em São João no Latrão, com mais de mil sacerdotes provindos de 90 diferentes países dos cinco continentes, reunidos para o terceiro “retiro mundial dos sacerdotes” promovido pelo CCRS (International Catholic Charismatic Renewal Services) e pela Catholic Fraternity (CF), siglas que exprimem a galáxia carismática. E antes, num discurso de uma hora, depois num coloca-a-resposta e enfim presidindo a missa, das quatro da tarde às oito da noite, falando de improviso em espanhol, faz uma ampla panorâmica da vida da Igreja, a partir do tema da convenção, “Chamados à santidade para a nova evangelização”, e detendo-se longamente sobre as relações com a ortodoxia e o Oriente.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 12-06-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Jorge Mario Bergoglio recordou que “as grandes capitais da Europa, num certo momento da história, eram Roma, Constantinopla e Moscou” e “chegamos a litigar entre nós”, quando, por exemplo, não foram os luteranos que saquearam Constantinopla, fomos nós: tivemos realmente pesados litígios, foram os católicos que invadiram a Rússia duas vezes e os russos foram muito espertos, fizeram-nos entrar e o inverno se encarregou do resto... Existe uma tensão cultural – prosseguiu o Papa em resposta a uma pergunta – que hoje novamente esquentou”, na Ucrânia”.
Sobre isto, dois dias após a audiência com o presidente russos Vladimir Putin, o Papa disse que se trata de uma “tensão geopolítica que somente com o diálogo político” se pode enfrentar, e, em referência ao “caso concreto dos russófonos da zona do Donetsk”, explicou que “no papel se resolveu com o tratado de Minsk, tratado de todas as partes, mas é difícil pô-lo em prática” e entrementes é criticado o “nominalismo da política”, ou seja, quando “se declamam coisas, se firmam tratados que depois não são aplicados”. Neste sentido, o Papa evocou a “tensão” entre a União europeia e a Nato, de uma parte, e Moscou, da outra, que vivem como “ameaça” certas afirmações e “isso produz esse tipo de situação como a que estamos vivendo”.
O Papa prosseguiu depois o raciocínio sobre Roma, Constantinopla e Moscou, sublinhando que com o patriarca ecumênico Bartolomeo “nos temos encontrado por diversas vezes, falamos da mesma fé, nos tratamos como irmãos, e mais: convidamo-lo a apresentar no dia 18 a encíclica sobre o ambiente – revelou o Papa – porém não pode vir mas mandará o melhor teólogo, o arcebispo de Pergamo Giovanni Zizioulas” e, ademais na encíclica há “dois parágrafos” referidos ao patriarca Bartolomeo como “grande defensor da criação”, disse Bergoglio, “para expressar-vos a vizinhança, a fraternidade que existe”. Coma Igreja russa ortodoxa, “por várias vezes tivemos comunicações com o patriarca Kirill através de seu bispo encarregado das relações com os outros cristãos”, disse Francisco, recordando as boas relações que tinha em Buenos Aires com a comunidade russo-ortodoxa argentina. “Tenho muita esperança no concílio pan-ortodoxo”, previsto em 2016, “que todos diziam que não conseguirão realiza-lo porque Moscou e Constantinopla não se põem de acordo, mas o arcebispo de Pergamo é referente da organização e todos o reconheceram” e para ele o sínodo poderá ser um “passo muito grande na ortodoxia”.
Além das “relações excelentes” com as Igrejas ortodoxas, o Papa citou depois, prosseguindo a resenha com as igrejas do Oriente, as boas relações com os patriarcas católicos orientais, inclusos três armênios presentes em São Pedro “no centenário do genocídio armênio” e o Papa Tawardos, com o qual existe “uma grande amizade e ultimamente temos falado por telefone, sobretudo quando houve os mártires egípcios na costa líbica”, episódio sobre o qual, ademais Papa voltou, no momento da homilia, quando recordou que “estavam certos que Deus não os teria abandonado e se deixaram degolar pronunciando o nome de Jesus”. “Me deu muita luz ver que com os ortodoxos temos a defesa dos valores cristãos fundamentais” e “a Igreja ortodoxa não se deixa colonizar ideologicamente pelas novas teorias que vem do sistema socioeconômico que coloca o dinheiro no centro”, prosseguiu Bergoglio, que depois citou o esforço de Bartolomeo para uma Páscoa comum no seio da ortodoxia, mencionando por exemplo o caso da comunidade ortodoxa finlandesa que pode celebrar no mesmo dia dos luteranos “para não dar o escândalo da divisão”: “quando ressuscita o teu Cristo? O meu na próxima semana”: é um escândalo”. Creio, disse ainda o Papa, “que se trabalha muitíssimo sobre isto, a coisa mais definitiva deverá ser uma coisa fixa, suponhamos o segundo domingo de abril” e “devemos pôr-nos de acordo e a Igreja católica – disse o Papa concluindo o raciocínio – está disposta desde o tempo de Paulo VI a fixar uma data e renunciar ao primeiro solstício após a lua cheia de março.
Abordando os problemas da África, disse o Papa que “a África é generosa com o mundo, mas o mundo não é generoso com a África, porque a explora e a trata como terra de exploração” e oficializou, em resposta a uma pergunta que “se Deus quer” irá ao continente “no mês de novembro, indo primeiro à República centro-africana e depois à Uganda”, mas, por enquanto “ainda não está certa, porque há problemas para a organização”, uma etapa “ao Kenya”. Francisco também mencionou, en passant, o problema de Boko Haram. Em mérito a outro continente, “olhando para o futuro”, disse o Papa, “se poderia dizer olhando ao oriente: ex oriente lux,, ex occidente luxus. É claro – prosseguiu – que a decadência ocidental, no consumismo, no hedonismo, está deteriorando e provocando a decadência do ocidente”, enquanto “a Ásia tem reservas espirituais” e é o “futuro da Igreja”, não obstante problemas como a falta de acolhida dos imigrantes ou o “fundamentalismo”, típico, por exemplo, de “algumas zonas do Paquistão, onde foram queimados vivos alguns cristãos que levavam o Evangelho”.
Muitas as referências, na primeira hora do discurso, a uma Igreja missionária, onde os bispos, os sacerdotes e o “povo fiel de Deus” procedem conjuntamente, mesmo nas discussões. “Numa diocese é necessária a proximidade do sacerdote com o bispo, das duas partes: aos padres –disse o Papa suscitando as risadas dos presentes – agrada falar mal do bispo, mas se diz algo que deve dizer como homem, e se o bispo deve dizer algo ao padre o deve fazer como homem, como padre: uma comunidade assim pode existir”. Interrompendo-se para beber, mais tarde, o Papa, que derramou um pouco de água no copo, disse, com uma palavra dirigida aos sacerdotes: “A diferença entre um bispo e um sacerdote é que o bispo tem o copo, o sacerdote bebe diretamente da garrafa”.
O proselitismo é uma “caricatura” da evangelização, o clericalismo um “pecado” que freia a liberdade do espírito. “Não é feminismo observar que Maria é mais importante do que os apóstolos”, disse o Papa: “O gênio feminino da Igreja é uma graça e a Igreja é mulher”, não “o Igreja”, “a Igreja é esposa de Cristo, mãe do santo povo de Deus, e estas mulheres que estão aqui são imagem e figura da Igreja mãe”. “Deixai os leigos trabalharem em paz, não os clericalizeis”, recomendou aos padres, “tende piedade do povo de Deus”, prosseguiu em mérito às homilias que não devem ser conferências de teologia. “O clericalismo é como o tango – disse Francisco – se baila a dois: o sacerdote a quem agrada clericalizar e o leigo que pede ser clericalizado”. “Dá-me muita pena quando um pároco não batiza um neonato porque é filho de garota mãe ou de pai que se reesposou: mas quem somos nós, puritanos?”
A divisão entre cristãos, em todo o caso, é “um escândalo”: “Hoje à tarde –disse – eu estava preparando o discurso que devo fazer aos cegos, católicos ortodoxos, na próxima semana, para festejar a festa do João Hus”, reformador morto na fogueira, “temos ferido a santa mãe Igreja e a nossa consciência, deveremos pedir perdão pela história da nossa família por cada vez que matamos no nome de Deus”, como por exemplo ocorreu na “guerra dos trinta anos”, quando católicos e calvinistas “se matavam um ao outro em nome de Jesus Cristo: Estes são escândalos de uma família”.
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O Papa e os ortodoxos: uma data comum para a Páscoa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU