Por: André | 16 Março 2015
Dimitris Pantoulas (Ioannina, 1979) é um analista político grego, de formação britânica, que contemplou as recentes mudanças ocorridas em seu país com um pé dentro e outro fora da sua terra natal. É a posição exata para um olhar crítico e agudo, que Pantoulas destrincha em um castelhano fluido, aprendido entre Sevilha e a América Latina.
A entrevista é de Juan Agulló, sociólogo e jornalista, e publicada no sítio Rebelión, 11-03-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Gostaria de começar esta conversa com uma pergunta que nos ajuda a enfocar o tema: até que ponto acredita que há tergiversação ou ocultação sobre a Grécia e o Governo do Syriza na imprensa internacional e, particularmente, na imprensa europeia?
A grande mídia internacional transmite, em geral, as ideias dominantes em cada país, que muitas vezes são promovidas pelo Governo e por alguns grupos de interesse e aceitas pela opinião pública que, por sua vez, retroalimentam o processo. No caso da Grécia, por exemplo, a imprensa alemã foi bastante hostil com o novo governo: como o governo alemão. A imprensa financeira internacional, por sua vez, defendeu a possibilidade de que a Grécia chegue a um acordo com seus credores (mesmo se isso prejudicasse amplos setores sociais). Paralelamente, é justo reconhecer que em jornais prestigiosos como o The Guardian ou o The New York Times houve vozes discordantes que se preocuparam mais com o povo grego do que com a ‘estabilidade do sistema’. Em definitiva, tanto o Syriza como a própria Grécia estão se movendo em um ambiente midiático internacional tosco.
O Syriza chegou ao Governo há um mês com a bandeira do fim da austeridade. Como deve ser interpretada, neste contexto, a recente assinatura de uma prorrogação do resgate?
Quando o Syriza chegou ao Governo caiu de bruços sobre uma realidade que não esperava... e isso que teve dois anos para se preparar. De qualquer modo, a União Europeia nunca mostrou vontade de compromisso, e o Banco Central Europeu, como disse Alexis Tsipras, colocou a “corda no pescoço” do país. A chave está na relação de forças no interior da União Europeia, que não beneficia o atual Governo grego, porque neste momento é o único de esquerda na União Europeia (por exemplo, quando negociou a prorrogação teve que enfrentar, sozinho, os outros 18 Governos da Eurozona). Agora, com a prorrogação, conseguiu quatro meses adicionais para negociar, embora, na realidade, seja difícil imaginar o que poderá ser negociado, uma vez que, se a vontade é não sair da Eurozona, as opções são mínimas.
E por que o Syriza não cogita sair da Eurozona? Há não muito tempo a ideia ainda era essa e aqueles que defendiam o que agora o Syriza defende eram outros, e que, nas eleições de janeiro, não chegaram nem a 1% dos votos...
O grande paradoxo da Grécia atual é que a maioria das pessoas (quase 80%, segundo as pesquisas) não quer que o país saia da Eurozona, mas, ao mesmo tempo, 70% aplaudem a firmeza do Governo diante dos credores. Ou seja, salvo os comunistas, um setor minoritário do Syriza e um pequeno partido (chamado Antarsya), os gregos não querem austeridade, mas também não querem sair do Euro. O verdadeiro problema de fundo é que o Governo conhece esse jogo de contradições, mas, também, os credores.
O Syriza tem um risco de desgaste político, caso descumprir algumas promessas eleitorais básicas? Você acredita que, o Velho Regime – ou ao menos, parte dele – se restaure? De fato, neste momento, qual é a alternativa política real na Grécia: a Nova Democracia ou está em formação?
Vamos por partes. O Syriza sempre foi um partido político muito democrático e plural, e durante muito tempo essa foi sua fortaleza no marco de um sistema de partidos muito rígido e pouco democrático. No contexto atual, no entanto, talvez essa característica possa lhe passar a fatura. Neste momento, por exemplo, a ala esquerda do partido é contra a prorrogação do resgate: tornou essa posição pública e isso colocou o Tsipras em uma situação incômoda. Por outro lado, há quem pensa que a margem política do Syriza, ao menos na frente interna (e mais concretamente no âmbito das políticas públicas, sobretudo, sociais), segue sendo grande, mas também há quem argui que os gregos votaram no Syriza para que os tirasse da crise e não apenas para que os administrasse melhor e com maior sensibilidade.
Por outro lado, a questão da Nova Democracia também é complexa: a direita perdeu as eleições por 8% de diferença, mas não renovou seus dirigentes, como até agora costumava acontecer em casos assim, porque muita gente pensa que o Governo do Syriza será breve e que a Nova Democracia vai recuperar, rapidamente, o poder. Mas o problema, também, é que os gregos querem sair da crise e que sejam administrados melhor e a Nova Democracia não promete nada de diferente do que aquilo que a fez perder... Tenho muito medo de que a alternativa a tudo isso possa implicar inclusive a [neonazista] Aurora Dourada.
Na realidade, a Aurora Dourada tem possibilidades? Até que ponto brandir o fantasma neonazista na Grécia pode ser uma isca? Que setores sociais a Aurora Dourada representa e por que acredita que poderia ter potencial de crescimento, não apenas político, mas sociológico? Em definitiva, não crê possíveis outras saídas para a crise orgânica que você descreve?
Os dirigentes da Aurora Dourada estão há 18 anos na prisão, acusados de ser um grupo criminoso. Mesmo assim e apesar de toda a propaganda contrária a eles, a Aurora Dourada conseguiu converter-se na terceira maior força política do país, embora com uma porcentagem eleitoral menor que nas eleições anteriores. A agenda da Aurora Dourada é antiausteridade, nacionalista e xenófoba. Sua base eleitoral são homens jovens desempregados que vivem em zonas urbanas marginais. Minha impressão é que, caso o Syriza decepcione e as pessoas se sintam humilhadas pela União Europeia, pode haver um voto de protesto massivo (em defesa do ‘orgulho grego’, muito malferido nos últimos tempos) e a Aurora Dourada pode ser um símbolo desse voto-protesto.
Já que falamos do mal-estar e dos protestos, para você qual é o componente político mais fraco da aliança social que galgou a esquerda não socialdemocrata ao Governo?
Sem dúvida, os jovens desempregados que são contrários aos programas de austeridade.
E não uma classe social em concreto, uma zona do país ou um setor da população? Simplesmente, “os jovens desempregados que são contrários à austeridade”?
Custa, em um país com 25% de desemprego como a Grécia, ater-se a categorias do tipo operários/capitalistas. Por outro lado, na Grécia, a questão territorial não é tão importante como em outros países... Ao contrário, a juventude empobrecida ou com péssimas expectativas converteu-se em um ator político chave que quer mudança e que está demonstrando ser capaz de pôr e tirar Governos. No momento, ajudou o Syriza. A partir de agora, vamos ver...
Olhemos para os aliados institucionais do Syriza. Quem são os Gregos Independentes? Muita gente, fora da Grécia, se pergunta... São um aliado de conveniência ou um potencial rival cauterizado? Socialmente falando, que eleitorado representa?
Os Gregos Independentes é um partido antiausteridade que nasceu em 2012, quando a Grécia estava negociando o seu segundo e mais desastroso resgate. Basicamente, é um partido conservador e nacionalista, mas não neoliberal, que foi criado por ex-membros da Nova Democracia decepcionados com a virada do partido que, ao ganhar as eleições de 2012 com uma mensagem antiausteridade, passou a negociar resgates ainda mais desastrosos que os anteriores e a aplicar políticas de austeridade extrema.
Sua aliança com o Syriza se explica, em parte, pela coincidência anti-resgate e em parte também pelo realismo do Syriza: seus votos foram fundamentais para fazer cair, em janeiro passado, o Governo de Andonis Samaras (Nova Democracia) e provocar as eleições vencidas pelo Tsipras (Syriza).
E você pensa que, em um cenário crítico, o eleitorado do Gregos Independentes poderia voltar à Nova Democracia ou então emigrar para posições mais próximas da Aurora Dourada? Outra pergunta que se relaciona com outro partido, sociologicamente de direita: o eleitorado do To Potami se parece com o eleitorado do Gregos Independentes? Em um cenário crítico, caberia esperar uma evolução semelhante de ambos os atores?
É difícil fazer previsões em política. No caso do Gregos Independentes, depois das eleições, apresentou-se a eles uma oportunidade de ouro para entrar no Governo. Simplesmente, a aproveitaram. Mais adiante, quem sabe...
O Potami é outra coisa. Seu eleitorado tem uma extração social diferente: são classes médias urbanas mais preocupadas em mudar as estruturas institucionais gregas do que com as relações de classe ou, inclusive, com as negociações com a União Europeia.
Quer dizer que, se não o estou entendendo mal, os mecanismos tradicionais de dominação e as alianças de poder nos quais estes se sustentam foram pelos ares... Não foram apenas os partidos tradicionais...
Não, claro. Na sociedade grega, em consequência da crise, está se produzindo uma significativa mudança de valores. De fato, muitas das tendências sociais que até há pouco tempo eram hegemônicas (consumismo, hedonismo, materialismo, sonho americano, etc.) estão se revertendo. As classes médias estão muito abaladas. As pessoas começam a estar conscientes das relações de dominação e a questionar o período anterior... mas tudo isso convive com o desejo, ainda majoritário, de manter-se na Eurozona, o que demonstra que também não se pode falar, como fazem alguns, de um período ‘pós-neoliberal’ ou muito menos ainda, ‘pós-capitalista’... Quem sabe estamos na pós-austeridade e de qualquer maneira, ainda resta muito para saber o que isso quer dizer.
Vamos nos mover agora, para concluir essa repassada da sociedade grega contemporânea, para suas margens, que não parecem ser menores. Que perfil tem esse terço do eleitorado que, em eleições tão polarizadas e até certo ponto tão rupturistas como as de 25 de janeiro passado, decidiu abster-se?
É difícil responder a esta pergunta, sobretudo, porque me parece que até agora ninguém fez um estudo em profundidade sobre a abstenção. No entanto, há algo que é evidente: o sistema eleitoral grego, as leis que o regulam e o contexto socioeconômico não incentivaram a participação em janeiro passado. De fato, a migração interna e externa cresceu muitíssimo em consequência da crise. Por isso, muitos dos eleitores aptos a votar, ou estão no exterior ou, mesmo que estejam na Grécia, vivem agora em grandes cidades (principalmente em Atenas) e devido ao pouquíssimo tempo transcorrido entre a convocação e a eleição, a maioria não teve tempo para mudar formalmente o seu título de eleitor, e quanto a viajar aos seus lugares de origem para votar, para muitos, é um luxo.
O fato de viajar para o seu lugar de origem ser um luxo na Europa em pleno ano de 2015, interpela... mas também é uma das consequências clássicas das políticas de austeridade. Nesse terreno, que margem real de manobra o Syriza tem para recuperar políticas redistributivas que, não apenas combatam a exclusão, mas redefinam as relações de poder? Você não acredita que o risco de defraudar neste âmbito é grande?
O Syriza prometeu implantar políticas redistributivas que aliviem a emergência social que o país padece. Nesse sentido, uma das medidas de maior impacto do Tsipras consiste em proporcionar eletricidade gratuita para cerca de 300 mil famílias pobres ou que estejam próximas da linha de pobreza. Além disso, há programas de alimentação para crianças, um aumento do salário mínimo e medidas que encarecem as demissões, que vão na contracorrente do que estava ocorrendo nos últimos anos. Em grandes linhas, há uma vontade evidente por parte do Syriza de mudar as relações de força. Aí, o grande problema é a margem de manobra política real que fica depois da negociação do resgate... Quanto ao risco de defraudar, as coisas vão mais pelo lado de não cair em tentações prejudiciais, como o clientelismo, a corrupção, etc.
Já que você menciona categorias como essas, é possível pensar em uma reconfiguração do clientelismo (ou, ao menos, de certo grau de clientelismo) no contexto daquilo que você define como ‘pós-austeridade’?
Sejamos claros: muitas vezes o termo clientelismo é utilizado como arma contra os grupos organizados que demandam melhorias em seu nível de vida. Mas o clientelismo não é isso. É, antes, uma relação social na qual os interesses privados se antepõem ao público e na qual o mérito é substituído por relações de vassalagem. A partir daí, como é provável que nos próximos anos o Syriza tome medidas a favor do funcionalismo público e dos empregados no setor privado (que se orientarão para a recuperação de um mercado interno) é muito factível que determinados setores políticos e sociais aproveitem para identificar essas medidas com práticas clientelistas clássicas. Mas, em princípio, não o seriam. Seria clientelismo continuar a fazer favores a grandes grupos de interesse ou dando privilégios a particulares à custa da maioria: se as coisas fossem assim, não haveria ruptura, e isso muito provavelmente o eleitorado não perdoaria.
Afastemo-nos agora um pouco, para ir terminando, da política interna grega. Como se percebe em seu país a interferência política, inédita, à qual estamos assistindo entre a Grécia e a Espanha? O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, fazendo campanha em Atenas a favor de Samaras e o opositor Pablo Iglesias fazendo o mesmo, mas a favor do Tsipras; Madri manobrando em Bruxelas contra a Grécia; Tsipras atacando Rajoy, que se defende com uma contundência pouco habitual e muito pouco diplomática... O que está acontecendo?
Há quem sustente que uma “Maré Rosa” (Pink Tide, em inglês) poderia tomar conta da Europa assim como ocorreu na América Latina nos anos 2000. Muitos governos que não são de esquerda temem essa possibilidade e temem que a vitória do Syriza provoque um efeito dominó. Creio que essa é a razão de tanta agressividade por parte de Rajoy; o que Tsipras defende, no fundo, poderia beneficiar a Espanha. Pessoalmente, eu não vejo muito sentido na atitude de Rajoy, porque também não me parece que um eventual fracasso do Syriza pudesse favorecer, automaticamente, o PP: muito linear.
E você vê o Podemos na Espanha, Beppe Grillo na Itália ou o Livre português como expoentes da mesma Maré Rosa que o Syriza?
Cada país tem características próprias e histórias diferentes. A Itália, por exemplo, é dificilmente comparável à Grécia. No entanto, o que iguala a quase todos é que as sociedades europeias estão cansadas de tanta austeridade. Por isso, é muito possível que, nos próximos anos, haja partidos e coalizões que canalizem esse mal-estar. O desejável é que o façam a partir de propostas progressistas, porque, caso contrário – e o caso de Marine Le Pen, na França, é preocupante –, a Europa poderia voltar a viver seus dias mais obscuros...
Terminemos, agora sim, lançando uma olhadinha ao exterior. Você acredita na possibilidade de que, caso todas as portas da União Europeia se fecharem à Grécia do Syriza, comece a olhar para Moscou ou para Pequim? Outra coisa, você acredita ser possível que, durante o mandato do Tsipras, as relações entre a Grécia e a Turquia sejam redefinidas?
Começo pela Rússia. A Grécia tem 70 anos de relações fluidas com a Europa Ocidental e embora, tradicionalmente, a Rússia sempre tenha sido um aliado (fundamentalmente por motivos religiosos) penso que seja difícil que a Grécia termine substituindo a Rússia pela União Europeia (a Rússia, de fato, está com muitos problemas agora: Ucrânia, crise econômica, etc.).
A China, por sua vez, poderia ser uma opção estratégica, mas isso poderia incomodar muito a União Europeia, de modo que vejo isso como improvável...
Para terminar, as relações com a Turquia: atualmente, tanto a Grécia como a Turquia passam por situações políticas complicadas. Por esse motivo, como se trata de um tema sensível para ambos os países, não me parece que haverá grandes mudanças, ao menos a curto prazo.
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“Na Grécia, os jovens desempregados converteram-se em um ator político chave”. Entrevista com Dimitris Pantoulas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU