Por: André | 14 Junho 2012
Na Europa começou a soprar um vento de mudança, sobretudo por meio dos movimentos e da resistência dos cidadãos europeus, defende Alexis Tsipras, líder da Coalizão de Esquerda Radical, Syriza, em entrevista ao jornal mexicano La Jornada, às vésperas das eleições do próximo domingo, dia 17 de junho.
A entrevista é de Rodrigo Hernández e está publicada no jornal La Jornada, 13-06-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
A poucos dias das eleições presidenciais e em meio a uma crise econômica, seu país é o centro das atenções do continente. Como sentem a pressão mundial da imprensa e dos políticos?
É interessante porque o miolo do problema que vivemos existe no centro da Europa e a crise vai afetar rapidamente aí também. Se um banco na Grécia falir, isto vai afetar o sistema bancário europeu, porque os bancos mantêm fortes laços através de empréstimos internos. Então, se um banco heleno falir, levará consigo bancos da Itália e estes a outros da Holanda ou de Bruxelas. A França também está no coração do problema, creio que nem a Alemanha fica de fora desta crise. O cerco aperta. Nós queremos permanecer na zona do euro. Neste contexto, as opções que a Alemanha tem são duas. Ou dar-se conta de que a insistência neste erro é catastrófico e deve deixar da lado a teimosia para mudar de política, ou que seja a Alemanha a sair primeiro da zona do euro.
Começam a se sentir isolados no continente?
A Grécia, na realidade, não representa mais que 3% do PIB europeu, nossa dívida representa 2.85% da dívida europeia. É como uma gota de água no oceano. O problema maior para a zona do euro é a Espanha, que é uma economia grande e está a ponto de se desmantelar; a Itália tem uma dívida maior que a nossa. Então, o que é ao mesmo tempo o grande problema é também a arma da Grécia, reivindicando uma solução em conjunto para toda a Europa.
Como foi possível gerar estas dívidas tão grandes?
Formou-se há muitos anos, na base de um modelo de desenvolvimento e de produção que se baseou no dinheiro fácil, nos excessivos empréstimos. A Grécia não estava preparada para entrar na zona do euro quando o fez. Passamos a ter um consumismo extremo, organizamos Jogos Olímpicos com dívidas que ainda hoje não pagamos e, sobretudo, o desenvolvimento de anos foi parar nos bolsos de empresários e banqueiros.
Há anos se vêm aplicando medidas de austeridade para frear esta dívida. Isso funcionou?
São as mesmas medidas que aplicaram na América Latina, e que falharam, mas que agora trazem para a Grécia. Não apenas não salvaram o paciente, como pioraram a sua saúde. O remédio foi pior que a doença. Agora, com o pretexto da crise e da aplicação das medidas de austeridade encontraram a oportunidade para desmantelar as leis trabalhistas e para continuar a especulação ilimitada. Dois anos e meio depois, o nosso PIB se reduziu em 20 pontos e é nosso sexto ano em recessão.
Nesse contexto, seu partido, o Syriza, passou de ter 4% dos votos nas eleições anteriores, a uma possibilidade de fazer, dependendo dos resultados da consulto do próximo domingo, o primeiro ministro da Grécia.
Há dois anos ninguém na Grécia podia imaginar que em um país desenvolvido no coração da Europa, na zona do euro, viriam a impor políticas de choque. Ninguém esperava, há dois anos, que a Grécia, em 2012, seria um país à beira de uma crise humanitária. Então, é completamente normal que tenha havido uma mudança política. O paradoxo seria que as pessoas tivessem fome e continuassem apoiando os seus assassinos. Isso é ilógico. Creio que o mais normal é que as pessoas tentassem investir sua raiva em uma proposta política alternativa.
De acordo com as pesquisas, vão precisar de alguma aliança para poder governar algo que não puderam obter nas eleições anteriores.
Nós queremos formar no dia 18 de junho um governo de esquerda. E este momento é muito importante, é histórico para a esquerda em geral. Sabemos que será difícil, mas não temos outro caminho senão agarrar esta oportunidade.
Quais serão as linhas de sua política interna?
Nós já anunciamos um plano nacional de reconstrução que vai substituir o memorando. Aí se coloca a nacionalização do sistema bancário e como passo seguinte sua socialização através de um controle público social com transparência. Vamos eliminar parte da dívida das famílias e dos negócios superendividados, levando em conta a perda de lucros desde o momento que assinaram os empréstimos. Vamos tentar apoiar principalmente os grupos sociais mais fracos.
O que propõem para resolver o problema da dívida e da crise?
A solução para o problema da Grécia e da União Europeia começa por entender a derrota do dogma neoliberal da senhora Merkel e dos líderes da Europa e sua obsessão pelas medidas de austeridade. A dívida poderia ser administrada mediante um novo papel do Banco Central Europeu, através do eurobônus e de uma reunião multilateral europeia sobre a dívida. Parte desta pode ser eliminada por ser ilegal, outra parte se poderá por sob o controle do BCE ou sob o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Só assim os mercados vão entender que não são eles os que têm o controle sobre esta situação, que a política tem o controle sobre os mercados. Qualquer outra opção pode, no curto prazo, levar ao desmantelamento da zona do euro e isso seria um acontecimento de influência mundial. O euro é a segunda maior moeda da reserva mundial, assim que não falamos de bancarrota de uma economia pequena, mas da destruição da segunda maior moeda do mundo. Isso conduziria a uma crise toda a economia mundial.
O Syriza tem aliados na Europa que podem ajudá-lo a conseguir estes objetivos?
Na Europa começou a soprar um vento de mudança, sobretudo através dos movimentos de resistência dos cidadãos. Vemos que há falta de comodidade em alguns governos, em outros há persistência para os mesmos erros. Na França, após a saída de Sarkozy e a chegada de Hollande há um constante movimento, mas que ainda não é capaz de realizar grandes mudanças.
Vocês falam constantemente de continuar na zona do euro, mas atendendo às ameaças de outros países, quando falam de eliminar as medidas de austeridade. Olham também para outras zonas geográficas?
A Grécia pode ser um país pequeno da Europa, mas ao mesmo tempo é uma via de passagem para três continentes. Também é uma via de passagem energética. Tínhamos, tradicionalmente, relações de aliança e amizade que deveremos retomar com a Rússia e pretendemos aproximar-nos em todos os sentidos do mundo árabe e, sobretudo, da América Latina.
O exemplo da Venezuela é característico. Hugo Chávez conseguiu fazer coisas importantes para o seu país através de um processo pacífico e ao mesmo tempo revolucionário. Conseguiu nacionalizar as fontes naturais de produção. E o conseguiu, embora estivesse sob um permanente choque com grandes interesses, os do capital e também geopolíticos, que constantemente o têm na mira.
Sendo um grupo político inexperiente, sem pessoas que estejam no poder, acredita que será difícil administrar uma situação como a que vivemos?
Claro que não temos experiência. Não estamos acostumados a roubar nem a gastar mal o dinheiro público. Mas temos uma vantagem muito importante, temos a razão e o povo do nosso lado.
Também sabemos que aqui se enfrenta um passado obscuro com um futuro de esperança. Sabemos que vamos nos confrontar com forças que não conhecemos nem temos diante de nós. Nossos maiores opositores não são os tradicionais partidos gregos, mas as forças do poder financeiro do capital bancário. Caso não tivermos o povo conosco, não poderemos dar passos para frente.
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“O desenvolvimento de anos na Grécia foi parar nos bolsos de empresários e banqueiros”, diz o grego Alexis Tsipras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU