29 Outubro 2014
Oportunistas, jornalistas, cristãos ocasionais: por que o pós-Sínodo depende sobretudo deles? Jorge Mario Bergoglio é um revolucionário, justamente porque perde quando se trata de votações. Na eleição a papa de 2005, o então arcebispo de Buenos Aires foi derrotado pelo cardeal da Cúria Joseph Ratzinger. Oito anos depois, ele entendeu como ganhar pontos com os cardeais. Coerentemente, no conclave, ele disse: admitamos finalmente que assim não podemos mais seguir em frente, que não se pode continuar como se tem feito até agora.
A reportagem é de Christiane Florin, publicada na revista Christ und Welt, nº 44, de outubro de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como sinal dessa orientação, depois da sua eleição, não optou por se chamar nem Bento XVII, nem João Paulo III, e nem mesmo João XXIV, mas Francisco. Ele tornou público o seu discurso programático crítico em relação à Igreja, passando-o clandestinamente ao jornal eclesial de Havana, evitando os canais normais da imprensa vaticana. Apresentou-se em cena como amigo do povo e terror do clero. Desde logo, os simples fiéis foram os seus aliados, não o alto clero.
No dia 18, o homem que veio da Argentina, novamente, não obteve a maioria necessária. Dar a comunhão aos divorciados em segunda união e acolher os homossexuais como "enriquecimento" da Igreja, para nada menos do que um terço dos bispos, ainda era realmente demais.
Mas, apesar disso, Francisco se impôs: quem quer continuar mantendo a doutrina baseada na lei natural deverá ter boas razões. Melhores do que as daqueles que querem mudá-la.
Essa também é uma revolução na Igreja. Cada um deve demonstrar que o Espírito Santo sopra sobre si. Não basta mais usar o aspirador de pó para desaparecer com o velho perfume "contrário ao espírito do tempo".
As novas ideias que pairavam sobre a Aula sinodal no relatório intermediário não se impuseram, mas permanecem. Assim acontece com os debates realmente abertos: o que foi dito uma vez não pode mais voltar para dentro da garrafa. Ao menos enquanto houver Francisco.
Fora do mundo católico, ninguém acredita ainda que, a partir de agora, o perfume da liberdade e da aventura do amor envolve a Igreja. Trata-se ainda de um movimento de libertação interno ao catolicismo.
Mas está indo em frente: com o discurso proferido no fim do Sínodo, Francisco continua o seu apelo feito antes do conclave de 2013. Convocou um concurso de ideias: como a Igreja Católica pode se tornar autenticamente útil? Que caminho pode encontrar entre laxismo e rigorismo? O que pode ajudar aqueles que são infelizes? O que é preciso para quem é feliz?
Se esse discurso será interpretado como um mandamento revolucionário ou continuará sendo uma expressão de intenções sem consequências, vai depender de três atores tendencialmente pouco rebeldes: em primeiro lugar, os bispos vira-casacas; em segundo, da mídia; e, em terceiro, do povo.
Os vira-casacas
As revoluções são organizadas por líderes, mas são decididas pelos defensores. Na Igreja Católica, até agora houve poucas possibilidades de exercer a "viração de casaca", porque há mais de 30 anos nada mudava.
A fidelidade à doutrina e, em particular, à moral sexual foram, por décadas, o pressuposto decisivo para poder fazer carreira na Igreja. Nesse âmbito, há inúmeros ideólogos que fizeram da luta contra o casamento homossexual, contra o uso de preservativos e em favor do papel da mulher como parturiente o problema central do cristianismo. Primeiro, para aquele ambiente fixo naquela ordem de ideias, a encarnação da depravação eram as doenças venéreas; hoje é a ideologia do gênero.
A Conferência Episcopal Alemã, devido à excessiva ideologização do tema, não conseguiu publicar um documento comum antes do Sínodo. Mas a maioria dos bispos não são a favor da linha dura, lutaram também em seu interior sobre a Humanae vitae e acolheram a doutrina com esforço. Mas nunca expressaram publicamente as suas dúvidas.
Nas suas pregações, quase nunca mais falavam de coabitação, nunca falavam de sexo, porque notavam que mesmo os mais fiéis frequentadores da Igreja não queriam ouvir isso. Abandonar uma parte da doutrina é difícil para eles mais por motivos biográficos do que conteudísticos: "Não pode estar tudo errado aquilo em que eu tive que acreditar há décadas", dizem alguns em momentos de contrição.
O principal protagonista do grupo maleável é o arcebispo Reinhard Marx, de Munique. Com Bento XVI, ele não parecia ser um crítico da moral sexual católica. Mas, desde que se deu conta de que as relações de maioria no Vaticano realmente podem mudar, ele se coloca, como presidente da Conferência Episcopal Alemã, à frente de um movimento que nunca dirigiu antes. Assim que em Roma a aparente derrota de Francisco parecia dada, ele transmitiu à imprensa a palavra de ordem: "O caminho sinodal seguem em frente". A doutrina não será mudada, mas "evoluirá", dissera ele antes. E isso deixa espaço para manobras de mudança para outros.
Até os seus coirmãos, que, como o bispo de Passau, Stefan Oster, se manifestaram a favor da manutenção da doutrina vigente, se expressam agora de maneira eufemística, acenando ao fato de não serem fundamentalmente contrários a um desenvolvimento doutrinal: "Por exemplo, sobre o matrimônio, hoje já não dizemos que o primeiro e único objetivo é a concepção da prole. Esse botão de flor sempre esteve presente na árvore da tradição. Mas, no nosso tempo, ela desabrochou e floresceu".
É uma formulação precisamente enigmática, mas mostra que não podemos mais afirmar um rígido "tudo permanece igual, e ponto final".
A especialista em comunicação Elisabeth Noelle-Neumann formulou, uma vez, a teoria da espiral do silêncio. Significa que as pessoas têm um faro infalível para a opinião vencedora e se calam quando se inclinam pelo lado perdedor. A espiral do discurso de Francisco induz os vira-casacas a uma retórica favorável à mudança. Se, depois, a doutrina mudar, eles sempre disseram e souberam disso.
A mídia
Depois do relatório intermediário do Sínodo, a mídia falou de um fato sensacional. "Papa Francisco obriga a Igreja a fazer a sua revolução sobre a família", intitulava o Le Monde, de Paris.
Só então é que os padres sinodais se deram conta do que pode acontecer quando os documentos são livremente acessíveis e cada um pode expressar as suas próprias opiniões, independentemente da certidão de batismo, do estudo da teologia ou da ordenação.
Os jornalistas trazem à tona frases de importância secundária e silenciam os trechos longos, voltam todos os holofotes sobre a questão dos divorciados em segunda união, embora os bispos continuem repetindo que esse não é o único ponto, nem o mais importante. E que se deveria prestar mais atenção a como a sexualidade agora é conotada positivamente.
O relatório final tornou-se inacessível às especulações midiáticas. Os artistas das manchetes tentaram repetir: "De sensacional, não restou nada", "A Igreja, porém, não se abre". Mas os jornalistas não criticam tanto Francisco, mas sim os bispos, que, entre segunda-feira e sábado, tiveram medo da sua coragem.
A conclusão experimentada do Sínodo, no entanto, não será a última palavra. Francisco sabe jogar com a mídia. Há um ano, quando as notícias sobre os sapatos velhos, sobre os surpreendentes telefonemas e sobre o carro velho do papa tornaram-se cansativas, ele deu uma entrevista sensacional.
A frase "Quem sou eu para julgar?" fixou-se na memória coletiva. Com a sua estratégia de entrevistas, ele não desperta expectativas, mas esperanças.
A mídia encheu a Igreja de exigências excessivas, assim como criticou alguns bispos? Se olharmos bem, a maioria dos jornalistas se aproximou do Sínodo sobre o sexo de maneira pudica.
"Dons e qualidades dos homossexuais" e "aproximar-se dos divorciados em segunda união": só por isso deveria haver elogios. Os meios de comunicação foram tendencialmente mais moderados do que exigentes com as suas demandas ao evento romano.
Mas onde estão no fim aqueles "outros" de que fala Francisco? Falou-se no Sínodo sobre todos os grupos para os quais se oferece misericórdia mantendo-se a uma distância segura. Os bispos na Aula ouviam alguém que conhece alguém que conhece outro alguém que é homossexual. Comportaram-se como se fosse um assunto externo. Como se o mundo, afinal de contas, fosse ainda um pouco mais sujo do que a Igreja.
Quando o primeiro cardeal, o primeiro vigário-geral, o primeiro decano admitirá em uma entrevista detalhada que os homossexuais não são sempre só os outros, mas "eu também o sou"? Uma discussão é aberta e honesta só quando é possível falar impunemente.
O povo
Francisco ama o povo, assume que nele existe uma devoção genuína e um seguro sentido da fé. Considera até que é possível que pessoas em situações de vida aparentemente irregulares vivam de maneira mais autêntica do que pessoas em relações bem-ordenadas segundo as normas católicas.
Se a vida se distancia da doutrina, é a doutrina que tem um problema – esse é o seu revolucionário diagnóstico, que está na origem do questionário.
O povo respondeu às perguntas. Ou melhor: colocou corajosamente em palavras a sua não obediência. Agora, portanto, está claro o que não quer. Mas o que ele quer? Realmente quer, como espera Francisco, levar uma vida conforme ao Evangelho? Ou na sua vida privada não quer ser incomodado pela Igreja?
Ao contrário do período do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica não é mais aceita como autoridade moral, nem pela sociedade, nem pela maioria dos seus próprios fiéis.
A Alemanha tem o povo da Igreja mais bem organizado do mundo. É especialista na redação de documentos de reforma, mas, acima de tudo, está acostumado há décadas a olhar para Roma com raiva. Não estava preparado para uma revolução de cima.
Enquanto nas redes sociais o pequeno resto dos católicos interessados comentava sobre o Sínodo, o Comitê Central dos Católicos Alemães pedia que o governo federal da Alemanha continuasse lutando na próxima cúpula sobre as mudanças climáticas em Paris pelo alcance do limite de dois graus.
A organização de base Nós Somos Igreja formula o objetivo climático em âmbito católico deste modo: acolhida dos divorciados em segunda união, envolvimento ativo da Igreja Católica Romana contra a criminalização das pessoas homossexuais, uma visão do matrimônio e das diferentes formas de família como comunidades de vida, que no amor e na solidariedade assumem responsabilidades que superam as gerações, e apoio às famílias em condições econômicas de pobreza.
A discussão não deve acabar no vácuo dos grupos de diálogo, diz Christian Weisner, do Nós Somos Igreja. As intervenções revelam que a revolução chegou de repente para todos. As palavras abertas não vão além do pedido de portas abertas. Mas não se sabe quantos realmente querem passar por essas portas.
O absurdo na revolução católica é que ela muda pouco a vida do povo, independentemente de quantas portas os bispos abrirão ou fecharão. No documento conclusivo do Sínodo, parecia que se dizia que aqueles a quem a Igreja até agora não deu um certificado de boa moral têm que lutar para ter o seu reconhecimento.
Na realidade, é o oposto: Francisco luta para que o povo reconheça a Igreja Católica e talvez até mesmo aprenda a amá-la. O povo não tem nada a perder; a Igreja, muito. No caso extremo, até mesmo Francisco.
Se no próximo ano o papa não alcançasse uma maioria vencedora, a situação seria comparável à falta de um voto de confiança em um chefe de governo. Então, ele se retiraria? Essa seria outra revolução.
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Revolução, e agora? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU