Por: Jonas | 20 Outubro 2014
“Voltou a soprar o espírito do Concílio”, disse o cardeal filipino Luis Antonio G. Tagle, estrela emergente da hierarquia mundial, além de historiador especialista no Vaticano II. E é verdade. No Sínodo que está próximo de acabar há muitos elementos comuns ao que aconteceu nesse grande acontecimento.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Chiesa.it, 17-10-2014. A tradução é do Cepat.
A semelhança mais chamativa é a separação entre o Sínodo real e o Sínodo virtual transmitido pelos meios de comunicação.
Contudo, há uma semelhança ainda mais substancial. Tanto no Concílio Vaticano II como neste Sínodo, as mudanças de paradigma são o produto de uma cuidada e atenta direção. Um protagonista do Vaticano II como Giuseppe Dossetti – habilíssimo estrategista dos quatro cardeais moderadores que estavam na direção da maquinaria conciliar – a reivindicou com orgulho. Disse “ter dado uma virada na sorte do Concílio” graças a sua capacidade para pilotar a assembleia, aprendida em sua experiência política anterior, como líder do maior partido italiano.
Também neste Sínodo aconteceu o mesmo. Tanto a abertura à comunhão aos divorciados em segunda união pelo civil – e, portanto, a admissão por parte da Igreja das segundas núpcias –, como a impressionante mudança de paradigma no tema da homossexualidade introduzido na “Relatio post disceptationem”, não teriam sido possíveis sem uma série de passos habilmente calculados por quem tinha e tem o controle dos procedimentos.
Para entender isso, basta percorrer as etapas que conduziram até este resultado, ainda que o final provisiório do sínodo – como se verá – não cumpriu as expectativas de seus diretores.
O primeiro ato tem como protagonista o Papa Francisco em pessoa. No dia 28 de julho de 2013, na coletiva de imprensa no avião que o levava de volta a Roma, após sua viagem ao Brasil, ele lança dois sinais que tiveram um impacto fortíssimo e duradouro na opinião pública.
O primeiro, sobre o tratamento aos homossexuais:
“Se uma pessoa é homossexual e busca ao Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”.
O segundo, sobre a admissão das segundas núpcias:
“Um parêntese: os ortodoxos seguem a teologia da economia, como a chamam, e dão uma segunda possibilidade [de matrimônio], permitem-no. Acredito que este problema – fecho o parêntese – deve ser estudado no marco da pastoral matrimonial”.
Em outubro de 2013, segue com a convocação de um Sínodo sobre a Família, o primeiro de uma série de dois sínodos sobre o mesmo tema, no período de um ano, com decisões pospostas ao final do segundo deles. Como secretário geral desta espécie de sínodo permanente e prolongado, o Papa nomeia um novo cardeal com nenhuma experiência a esse respeito, mas muito próximo dele: Lorenzo Baldisseri, ao lado do qual, como secretário especial, nomeia o bispo e teólogo Bruno Forte, anteriormente expoente de destaque da linha teológica e pastoral que teve o seu farol no cardeal jesuíta Carlo Maria Martini e como seus maiores adversários João Paulo II, primeiramente, e Bento XVI depois. Uma linha declaradamente aberta para uma mudança no ensinamento da Igreja no campo sexual.
À convocação do Sínodo se associa ao lançamento de um questionário, em nível mundial, com perguntas específicas sobre as questões mais controvertidas, incluindo a comunhão aos que se casaram novamente e as uniões homossexuais.
Graças a este questionário – ao qual acompanhará a publicação intencional das respostas por parte de alguns episcopados de língua alemã –, na opinião pública é gerada a ideia de que são questões que já precisam ser consideradas “abertas”, não apenas na teoria, como também na prática.
Atesta esta condução, por exemplo, a Arquidiocese de Friburgo, na Alemanha, dirigida pelo presidente da Conferência Episcopal Alemã, Robert Zollitsch, que em um documento de seu escritório pastoral incentiva o acesso à comunhão para os divorciados em segunda união sobre a simples base de uma “decisão de consciência”.
De Roma, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard L. Müller, reage publicando no dia 23 de outubro de 2013, pelo “L’Osservatore Romano”, uma nota que ele já havia publicado na Alemanha, a partir da qual volta a confirmar e explica a proibição da comunhão.
No entanto, seu parecer não faz com que a Arquidiocese de Friburgo retire esse documento; ao contrário, tanto o cardeal alemão Reinhard Marx como, com palavras mais grosseiras, o cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga criticam Müller por sua “pretensão” de truncar a discussão dessa matéria. Tanto Marx como Maradiaga fazem parte do conselho de oito cardeais que foram convidados pelo Papa Francisco para auxiliá-lo no governo da Igreja Universal. O Papa não intervém em apoio a Müller.
Nos dias 20 e 21 de fevereiro, os cardeais se reúnem em Roma em um consistório. O Papa Francisco pede para que debatam sobre a família e delega a tarefa de introdução para o cardeal Walter Kasper, combativo defensor, no início dos anos 1990, da superação da proibição da comunhão aos casados em segunda união, mas derrotado, nessa época, por João Paulo II e Joseph Ratzinger.
No consistório, a portas fechadas, Kasper volta a relançar as teses de então. Numerosos cardeais se opõem, mas Francisco lhe agradece com grandes elogios. Na sequência, Kasper dirá que havia “acordado” com o Papa suas propostas.
Além disso, Kasper recebe do Papa o privilégio de romper a reserva sobre o que havia dito no consistório, diferentemente de outros cardeais. Quando no dia 1º de março seu discurso é publicado inesperadamente no jornal italiano “Il Foglio”, de fato, o mesmo discurso já está em processo de impressão na editora Queriniana. O eco da publicação é imenso.
Em inícios da primavera, para equilibrar o impacto das propostas de Kasper, a Congregação para a Doutrina da Fé programa a publicação, em “L’Osservatore Romano”, de uma intervenção de marca oposta de um cardeal de primeiro plano. Porém, contra a publicação deste dispara a proibição do Papa.
No entanto, as teses de Kasper são objeto de algumas críticas severas e fundamentadas por parte de um bom número de cardeais, que intervém em diferentes ocasiões nos órgãos de imprensa. Próximo do Sínodo, cinco destes cardeais voltam a publicar em um livro suas intervenções anteriores, complementadas com ensaios de outros estudiosos e de um alto dirigente da Cúria, jesuíta, arcebispo, especialista na práxis matrimonial das Igrejas orientais. Kasper, com um amplo consenso dos meios de comunicação, lastima a publicação do livro como uma afronta cuja finalidade é a de atacar o Papa.
No dia 5 de outubro, inicia-se o Sínodo. Contrariamente ao que se fazia no passado, as intervenções na aula não são divulgadas ao público. O cardeal Müller protesta contra esta censura. Mas, em vão. Mais uma prova, disse, de que “não faço parte da direção”.
A central operativa do Sínodo é formada pelos secretários geral e especial, Baldisseri e Forte, cercados pelos que se ocuparão da redação da mensagem e a “Relatio” finais, escolhidos pelo Papa e todos eles pertencentes ao “partido” da mudança, tendo na cabeça seu “negro” de confiança Víctor Manuel Fernández, arcebispo e reitor da Universidade Católica de Buenos Aires.
Que esta é a verdadeira cabine de direção do Sínodo é algo que se torna patente, de forma gritante, na segunda-feira, 13 de outubro, quando diante de mais de duzentos jornalistas de todo o mundo, o cardeal delegado, que figura como o autor formal da “Relatio post disceptationem”, o húngaro Péter Erdõ, questionado sobre os parágrafos concernentes à homossexualidade, nega-se a responder e cede a palavra para Forte dizendo: “Quem redigiu essa passagem deve saber o que dizer”.
Diante do pedido de esclarecimento se os parágrafos sobre a homossexualidade podem ser interpretados como uma mudança radical no ensinamento da Igreja, nessa matéria, de novo o cardeal Erdõ responde: “Certamente!”, marcando também aqui seu desacordo.
Efetivamente, estes parágrafos refletem não uma orientação expressa na aula por um número consistente de padres – como se espera ler em uma “Relatio” – mas, sim, as coisas ditas por não mais de dois deles, entre quase duzentos, em especial pelo jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista “La Civiltà Cattolica”, nomeado pessoalmente membro do Sínodo pelo Papa Francisco.
Na terça-feira, 14 de outubro, em coletiva de imprensa, o cardeal sul-africano Wilfrid Napier denuncia com palavras cortantes o efeito da prevaricação realizada por Forte, ao incluir na “Relatio” esses explosivos parágrafos. Esses, disse, puseram a Igreja em uma posição “irremediável”, irreversível. Porque “a mensagem já saiu: isto é o que diz o Sínodo, isto é o que diz a Igreja. Sobre este ponto não há correção possível, tudo o que podemos fazer é tentar limitar os danos”.
Na realidade, nos dez círculos linguísticos nos quais os padres sinodais prosseguem a discussão, a “Relatio” vai ao encontro de um massacre. Começando por sua linguagem “touffu, filandreux, excessivement verbeux et donc ennuyeux” (“densa, embananada, excessivamente detalhada e, portanto, tediosa”), como denuncia o implacável relator oficial do grupo “Gallicus B” de língua francesa.
Na quinta feira, dia 16, retomam-se as sessões na aula e o secretário geral Baldisseri, que tinha ao seu lado o Papa, dá o aviso de que os relatórios dos dez grupos não serão publicados. Explode o protesto. O cardeal australiano George Pell, com físico e temperamento de jogador de rúgbi, é o mais intransigente na hora de exigir a publicação dos textos. Baldisseri cede. No mesmo dia, o Papa Francisco se vê obrigado a integrar o grupo encarregado de escrever o relatório final, e inclui o arcebispo de Melbourne, Denis J. Hart, e especialmente o combativo cardeal sul-africano Napier.
No entanto, foi bem sucedido. Porque qualquer que seja o resultado deste sínodo programaticamente privado de uma conclusão, o efeito desejado por seus diretores foi, em boa medida, alcançado.
De fato, tanto a respeito da homossexualidade como sobre o divórcio e as segundas núpcias, o novo verbo reformador incluído apesar de tudo no circuito mundial dos meios de comunicação, vale mais do que a aprovação que as propostas de Kasper ou de Spadaro efetivamente tenham conquistado entre os padres sinodais.
A partida poderá durar muito. Contudo, o Papa Francisco é paciente. Na “Evangelii gaudium” escreveu que “o tempo é superior ao espaço”.
A revista “La Civiltà Cattolica” se mostrou particularmente dinâmica em pilotar o sínodo para a admissão à comunhão dos divorciados em segunda união, com a publicação de um artigo segundo o qual já o Concílio de Trento teria aberto uma possibilidade nesta direção.
Essa revista é dirigida pelo jesuíta Antonio Spadaro e todas são impressas com a aprovação das máximas autoridades vaticanas. Neste caso, é fácil imaginar o “placet” pessoal do Papa, com quem o padre Spadaro mantém uma relação muito estreita e confidencial.
Entretanto, quanto de fundamento histórico possui a tese que faz do Concílio de Trento um precursor das “aberturas” do pontificado de Jorge Mario Bergoglio, em matéria de divórcio?
O artigo de “La Civiltà Cattolica” é refutado pelo professor de teologia moral, no St. John Vianney Theological Seminar, de Denver, Estados Unidos. Ele estudou com profundidade os atos do Concílio de Trento em matéria de matrimônio. O artigo, em espanhol, pode ser lido aqui.
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A verdadeira história deste Sínodo. Diretor, executores, ajudantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU