Por: Jonas | 26 Junho 2014
Na entrevista abaixo, o sociólogo James Petras faz um balanço da situação no Iraque, critica a postura de José Mujica, subserviente aos Estados Unidos, e avalia a situação eleitoral no Brasil. Além disso, toca em temas que o preocupam nesse momento, como a situação das crianças imigrantes nos Estados Unidos e o caso da Ucrânia.
A entrevista é de Efrain Chury Iribarne, publicada por Rebelión, 25-06-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Com muito prazer, estamos recebendo James Petras. Bom dia, como você está?
Bom dia. Estamos muito bem, com um bom tempo e bem de saúde.
Muito bem, comecemos então. O que está acontecendo no Iraque?
É uma situação bastante complicada.
Em primeira instância, temos o governo fantoche de (o primeiro-ministro iraquiano Nouri Al) Maliki, produto da invasão norte-americana, um governante ditador, opressor de tudo o que não está sob o seu mando. Devemos entender que é um governo extremamente sem popularidade. Isso de um lado.
Do outro lado, estão as milícias do ISIL (que significa “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”), os grupos nacionalistas, os oficiais do ex-governo de Sadam Hussein e muitos insurgentes que estão lutando contra o governante repressivo.
Nesse contexto, os Estados Unidos estão diante de um panorama muito complicado porque, caso intervenha, irá perder a popularidade de 80% do público norte-americano que se opõe ao retorno das tropas. Em segundo lugar, caso envie aviões, têm grandes possibilidades de matar dezenas de milhares de civis porque os insurgentes nas cidades estão localizados em lugares muito populosos. E em terceiro lugar, caso comecem a atacar as tropas no Iraque, irão fragilizar a guerra que eles próprios estão lançando contra o governo de Bashar Al Assad. Então, hoje, Washington está diante do dilema que é o de apoiar na Síria as forças às que se opõe no Iraque. Os sunitas, os insurgentes, tem um pé em cada país.
Nesse marco, além disso, o Irã é contra a intervenção norte-americana no Iraque, porque entendem que a presença norte-americana provoca a oposição de todas as forças anti-imperialistas.
Por último, (o presidente estadunidense Barack) Obama busca um governo de unidade nacional, retirando Al Maliki do poder e substituindo-o por outro líder disposto a integrar os sunitas e curdos em um governo de coalizão. Entretanto, Al Maliki, que controla os ministérios da Defesa, de Inteligência e do Interior, não quer deixar o poder.
Portanto, Washington está oscilando entre mandar os aviões para conter o avanço das forças rebeldes e, por outro lado, procurando pressionar Al Maliki para que renuncie, sem êxito. Enquanto isso, os milicianos estão ganhando terreno diariamente, conquistando novas cidades, especialmente nas fronteiras.
O ambiente aqui, entre os meios de comunicação, é o de procurar instalar a ideia de que há um terrorismo que ameaça o mundo todo, para justificar o retorno da intervenção norte-americana. Todos os meios, televisão, escrita, etc., estão nessa campanha de pintar uma situação muito dramática. E, nesse contexto, Washington está com poucas opções efetivas. Caso mande aviões, terá que ter alguma inteligência sobre o movimento de tropas, porque se atacarem aos insurgentes podem fomentar mais nacionalismo e maiores compromissos entre as forças opositoras.
Além disso, o governo de Al Maliki está caindo, está muito frágil, o Ministro de Relações Exteriores pede abertamente a entrada de tropas norte-americanas; os membros do gabinete já enviaram suas famílias para fora do país e têm suas malas prontas; não confiam nem na presença norte-americana – os trezentos efetivos de tropas especiais – em uma rápida decisão de intervenção militar direta. Então, há um pessimismo entre os integrantes do governo de Al Maliki sobre a continuidade deste no poder. Em todo caso, é outra indicação de que apesar dos enormes gastos econômicos e militares estadunidenses, tudo fracassou. No final das contas, o principal vencedor pode ser Israel, assim que o Iraque se quebrar em três pedaços, que é a opção promovida pelos países ocidentais: o norte para os curdos, o centro para os sunitas e o sul para os xiitas. Esta fragmentação fragilizará o Iraque como país e facilitará projeções de poder israelita, que sempre tem a ideia de dividir os Estados do Oriente Médio para poder se impor pela força, como estão fazendo atualmente a partir dos bombardeios à Síria.
O que John Kerry foi fazer no Egito?
Foi dar um forte abraço (no presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi), numa afirmação de apoio à ditadura, no momento preciso em que a ditadura de Sisi emitiu a sentença de morte para mais de duzentos egípcios, oficiais muçulmanos, que apoiam a democracia e se opõem ao golpe de Estado.
Ou seja, Kerry afirma o apoio norte-americano às ditaduras que apoiam a política militar dos Estados Unidos, principalmente as que pactuam com Israel. Kerry mostra a “cara negra” de Washington em sua intervenção em momentos, em um momento em que ocorre uma eleição fraudulenta, em que votaram 25% do eleitorado; em um momento em são presos milhares de opositores e que, agora, sentenciam dirigentes da oposição à morte. Isto é um claro indício do que é a política exterior dos Estados Unidos, onde o principal é apoiar a política imperialista e colocar a democracia e outras considerações em segundo nível.
O semanário “Búsqueda”, de Montevidéu, informou que o presidente uruguaio José Mujica ajudaria a arrumar as relações entre Cuba e Estados Unidos. Sabe-se algo, aí, a esse respeito?
Sim, recebemos a mesma notícia aqui.
Aparentemente o presidente norte-americano, Barack Obama, tem enorme apreço e apoia ao presidente uruguaio José Mujica, porque este apoiou os exercícios militares com os Estados Unidos, abriu todas as portas para a entrada dos investimentos estrangeiros, abraçou o neoliberalismo. Então, para Washington, ele é o mensageiro seleto para avançar em algumas propostas a partir das quais Washington procura convencer os cubanos: em primeiro lugar, que Cuba permita que o setor privado avance em todos os seus setores; segundo, que permita às ONGs norte-americanas financiar aos diferentes tipos de oposição; e, em terceiro, que deixe de apoiar a qualquer movimento progressista latino-americano.
Essa é a mensagem que Obama ordenou Mujica transmitir a Cuba, que obviamente é para fazer de Cuba, outra vez, satélite de Washington e para que implemente a política que Mujica apoia no Uruguai.
Agora, acredito que esta iniciativa – o fato de Washington se propor a negociar com Cuba – tem muitos obstáculos, pois não há nenhum compromisso em retirar o bloqueio; segundo, porque se exige que Cuba libere o espião Alan Gross – que estava atuando com a CIA para criar canais de transmissão com agentes em Cuba -; e, terceiro, porque ao mesmo tempo em que Mujica leva a mensagem a Cuba, Washington aumenta as sanções contra Cuba.
Então, é o duplo discurso: Obama fala do bloqueio e diz abrir a possibilidade de negociar com o trâmite de Mujica; enquanto da Casa Branca fortalece as sanções contra Cuba.
Por isso, qualquer mensagem que Mujica tenha recebido, e qualquer missão que queira cumprir para Obama, contradiz as práticas atuais que Washington está implementando para Cuba.
No Brasil, Dilma foi lançada para a reeleição.
Sim, foi unânime entre todos os chamados delegados.
Cerca de dez anos atrás, fiz um estudo sobre a representatividade dos delegados no Congresso do Partido dos Trabalhadores do Brasil (PT), onde exceto uma minoria de sindicalistas, 90% dos delegados do PT são profissionais, advogados, políticos profissionais. Não há nada de operário ali, e muito menos consultam os operários sobre o programa ou o tipo de campanha.
O PT é um partido de classe média que busca se associar ao grande capital. Nesse sentido, aplicou no Brasil a fórmula tradicional de clientelismo, com programas para a pobreza, e por outro lado fortaleceu o capital monopólico no Brasil.
Não tenho dúvidas de que Rousseff vencerá as eleições, pois tem o apoio dos sindicatos, dos multimilionários, tem bom financiamento, tem aliança com o partido de centro-direita, o PMDB, que tem uma boa máquina eleitoral, especialmente nos estados. Esta combinação faz com que talvez não vença no primeiro turno, mas no segundo é certo que vencerá, alcançando algo como 55% dos votos. Não é a imensa maioria dos anos anteriores, porque não cumpriram muitas promessas e não ganharam muita simpatia com o esbanjamento realizado para organizar a Copa do Mundo.
Há desconfiança, há protestos, há desencanto, mas as alternativas são piores ainda. São mais neoliberais e sem as políticas assistencialistas.
Então, acredito que por ser o mal menor, provavelmente o eleitorado irá votar em Rousseff, embora com uma alta taxa de abstenção e aprofundamento dos protestos.
Atualmente, em quais outros temas você está trabalhando?
Atualmente, há 52.000 crianças presas em centros de detenção, são crianças imigrantes, sem acompanhantes, que chegaram da América Central. E agora estão na fronteira sul estadunidense, em centros de detenção que estão saturados, e os Estados Unidos não sabem o que fazer. Estão em condições de superlotação, sem condições higiênicas.
O problema é que os Estados Unidos destruíram as comunidades com a intervenção nas guerras na América Central. Se tivessem permitido que as revoluções tivessem êxito, este problema não existiria, já que com programas sociais, progressistas, poderiam ter incorporado os pobres na produção. No entanto, sem reforma agrária, com políticas neoliberais, países como Honduras, El Salvador, Guatemala estão cheios de quadrilhas de jovens armados, sem futuro. E, nestes países, uma das saídas para as famílias é a emigração.
Um problema grave foi que, após as guerras, impôs-se uma política neoliberal, sendo aplicada com toda a força e a única saída das pessoas é a busca por um transporte na fronteira do México com os Estados Unidos. Como há leis nos Estados Unidos sobre imigrantes crianças, que entram no país e que poderiam conseguir a residência depois de vários anos, as famílias mandam as crianças e, em seguida, buscam alguma forma de que os parentes cheguem ao país e se ocupem deles.
Contudo, agora, milhares estão detidos. São crianças de 3 a 7 anos, sem seus pais, em dormitórios superlotados, com crianças maiores. É uma situação insalubre e a postura das autoridades estadunidenses é repressiva, mandando mais soldados às fronteiras e mais aviões para deportá-los. Porém, não há nenhuma proposta para facilitar a entrada das famílias desses meninos para que possam viver ao menos em família. É um drama. Uma situação trágica. E não se sabe o quanto essas crianças podem sofrer as consequências físicas, morais e éticas, porque quem saberá como os guardas norte-americanos e os aproveitadores entre os migrantes tratam esses meninos e meninas, e os adolescentes.
Outro tema que gostaria de mencionar é o da Ucrânia. Onde o fantoche do presidente (Petro) Poroshenko supostamente convidou para um cessar-fogo e um diálogo pela paz, mas continua mandando as forças de ocupação militar e segue bombardeando, apesar de proclamar o cessar-fogo.
Não se deve confiar em nada nesta regularização da guerra interna: a guerra civil entre a democracia do Leste e a ditadura pró-OTAN, na parte ocidental.
Além disso, a posição de Vladimir Putin é insuportável, diz que apoia o plano de paz, mas o governante Poroshenko não tem nenhuma intenção em implementar uma paz com justiça, mas, sim, quer impor a ditadura de Kiev, castigar os líderes da resistência popular. A posição de Putin é bem entendida, porque os oligarcas na Rússia querem evitar sanções dos governos ocidentais e pressionam Putin a aceitar qualquer proposta de Poroshenko.
O que chamam de forças pró-russas, não são pró-russas, na realidade são pró-independência, pró-federalistas, pró-democráticas. É uma grande mentira chamar a resistência democrática do Leste de pró-russas, são pró-democracia e contra a repressão do exército massacrador de Poroshenko, apoiado pela OTAN.
Muito bem, Petras, muito obrigado. Reencontramo-nos na segunda-feira.
Muito obrigado. Um abraço. Tchal.
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“O presidente Mujica é o mensageiro neoliberal de Obama para o povo cubano”. Entrevista com James Petras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU