Por: André | 04 Abril 2014
“Há uma direitização em alguns países da América Latina, a começar pelo Brasil e a Argentina, talvez o Uruguai, onde há mais acomodação às grandes empresas. (...) O mesmo aconteceu ultimamente no Brasil, que nunca esteve muito afastado da política das multinacionais, mas agora está buscando a forma de associar-se ao grande capital”, afirma o sociólogo James Petras.
A entrevista é de Efrain Chury Iribarne e publicada no sítio da Rádio CX36 Centenário, 03-04-2014. A rádio é de Montevidéu, Uruguai. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Damos as boas-vindas, como acontece cada segunda-feira, a James Petras dos Estados Unidos. Bom dia, Petras, como está?
Estamos muito bem.
Para começar, leio para você uma notícia que chega aqui: “A subcomissão de Relações Exteriores para o Hemisfério Ocidental da Câmara de Representantes convocou esta semana uma audiência sobre o afastamento ou desvinculação dos Estados Unidos da América Latina” e diz que “os congressistas se manifestaram preocupados com a perda do chamado quintal da potência diante da emergência de países como a China, o Irã e a Rússia. Os deputados criticaram a política exterior do Governo de Barack Obama”. É verdade que Barack Obama se afastou da América Latina?
O programa é complexo, mas poderíamos tomar como ponto de referência duas coisas. Uma é o que acontecia nos anos 1990, quando Washington dominava a região, envolvendo-se nos massacres na América Central, influindo nos governos da América Latina como (Carlos Saúl) Menem (na Argentina), (Julio Maria) Sanguinetti (no Uruguai), (Fernando Henrique) Cardoso (no Brasil), (Gonzalo) Sánchez de Losada (na Bolívia), etc. Isso como ponto de referência, era a ‘época de ouro’, quando os Estados Unidos dominavam a América Latina.
Depois dos levantamentos e eleições, com alguns governos tibiamente de centro-esquerda e comércio mais diversificado, a influência norte-americana diminuiu e a partir disso os congressistas começaram a se queixar. Mas eles mesmos apoiaram a política militarista e o envolvimento nas guerras no Afeganistão, etc. e a falta de uma perspectiva de expansão econômica, frente à concorrência da China.
Então, agora acordam e dizem que não controlam os países como faziam nos anos 1990. E quem tem a culpa? Obviamente, a política da Casa Branca e compartilha a culpa com os congressistas. Mas o que os congressistas pedem é a volta do neoliberalismo extremo, a política do garrote, o intervencionismo, e isso – me parece – não tem muita capacidade de se impor.
Portanto, o debate no Congresso é algo fora da realidade, não tem nenhum conteúdo concreto, não tem nenhum projeto econômico para envolver os Estados Unidos. Mas, poderíamos observar duas coisas. Há uma direitização em alguns países da América Latina, a começar pelo Brasil e a Argentina, talvez o Uruguai, onde há mais acomodação às grandes empresas. Por exemplo, na Argentina a entrada da Chevron e a compensação à Repsol são indícios de que as aberturas para um projeto nacional terminaram e os governos voltam a apoiar-se sobre o capital estrangeiro.
O mesmo aconteceu ultimamente no Brasil, que nunca esteve muito afastado da política das multinacionais, mas agora está buscando a forma de associar-se ao grande capital.
Então, talvez os congressistas pensem que Washington deve aproveitar-se de algumas tendências na América Latina e envolver-se. O caso mais emblemático está na Venezuela onde a Casa Branca e os congressistas estão apoiando os terroristas e um golpe de Estado para derrubar o governo de (Nicolás) Maduro. Essa é a primeira indicação de que a política da direita capturou os setores mais influentes para a política de Washington.
Vamos ao Caribe, porque “o Parlamento cubano realizou neste sábado uma sessão extraordinária para aprovar uma nova Lei de Investimentos Estrangeiros, que procura atrair capital à ilha”, assinala a informação. O que isso representa?
É uma extensão da política liberal que ganhou peso ultimamente em Cuba. Estão dando mais facilidades ao capital privado e a associações com empresas estrangeiras.
Agora a nova legislação vai muito mais longe, porque permite ao capital estrangeiro entrar sem associação em Cuba em todos os setores dinâmicos da economia quase sem pagar impostos ou com impostos muito baixos. Faz parte da política estratégica dos setores do governo que perderam a esperança de revitalização do setor público.
Este movimento é muito perigoso e, particularmente, o fato de que o debate no Parlamento cubano foi mínimo e o voto unânime. Não creio que uma medida tão extremista deva ser aprovada sem debate e por unanimidade. Há setores de intelectuais e outros, que questionam estas medidas, se não em sua totalidade, pelo menos na forma como são apresentadas, mas não têm representação no Parlamento.
Então, me incomoda tanto a forma da aprovação como o conteúdo, porque é uma regressão ao capital como força motor da economia, particularmente do capital estrangeiro.
É difícil saber onde isso pode terminar. Se convidam os velhos cubanos milionários exilados em Miami para voltar para Cuba, terá repercussões políticas, não simplesmente econômicas; e vai fortalecer os setores menos progressistas na Ilha.
Cuba há tempo não representa um modelo para a América Latina, talvez pelas condições existentes em Cuba que são muito precárias e a política pública, que não tinha suficiente dinamismo. Mas para a América Latina Cuba não representa nenhum modelo e muito menos a legislação sobre o capital estrangeiro, que me parece mais perto do que está acontecendo no México do que deve acontecer a um país progressista.
Outra notícia que pedimos que comente, diz que “a Rússia comunica a Ucrânia sobre sua intenção de cancelar os velhos acordos sobre a frota do Mar Negro”. O que isso significa?
Bom, hoje a Rússia enfrenta um caso de um governo hostil, um governo disposto a impor bases militares da OTAN, um governo que surgiu de um golpe de Estado com uma composição de fascistas e neoliberais e então não tem nenhuma razão para continuar a subvencioná-los.
A Rússia busca uma mudança no governo a partir de um referendo, que os Estados Unidos e a Europa temem, porque muitas regiões ucranianas se opõem à Junta de Governo. Se deixamos Kiev de fora – o que talvez é questionável – muitas regiões ucranianas e as principais cidades do Leste, buscam maior autonomia, buscam um governo eleito e não um nomeado pelos golpistas. Então a Rússia trata de apoiar essas propostas dentro da Ucrânia. Não procura invadir, isso é uma grande mentira.
A Rússia não vai invadir a Ucrânia. O que os governantes e os mercenários em Kiev estão criticando são se as regiões elegerem sua própria representação e conseguirem um grau de autonomia para estender suas relações e diversificar seus laços.
No entanto, todos os povos da Ucrânia temem um acordo com o Fundo Monetário Internacional, temem o fim das subvenções que recebiam no passado, temem cair em uma enorme crise econômica fruto do acordo com o FMI. E esse é o tema. A Rússia oferece concessões, a União Europeia e os Estados Unidos oferecem austeridade. Nessa situação, obviamente, a forma de impor a política da OTAN é a partir de maior repressão e menos representatividade de um novo governo eleito.
Que temas podem estar na agenda da reunião entre o Chefe do Estado Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Martin E. Dempsey, e seu par israelense, tenente general Benjamin Gantz?
Israel sempre tem muita influência sobre os Estados Unidos. Outro dia líamos uma reportagem que indicava que as principais organizações judaicas nos Estados Unidos controlam 26 bilhões de dólares. E as organizações pró-Israel conseguem 38% de todos os recursos que entram nas arcas das organizações judaicas estadunidenses e isso inclui, sobretudo, todo o processo político, congressistas, presidentes, juízes, etc.
Então, a relação Estados Unidos-Israel é muito estreita em função das pressões e influências dos sionistas. As reuniões bilaterais são para planificar e compartilhar influência no Oriente Médio, para fortalecer os invasores na Síria, prejudicar os países independentes como o Irã, e fortalecer as alianças com os setores árabes mais reacionários, como a Arábia Saudita, onde o senhor Obama deu um apoio total à monarquia absolutista e retrógrada; apóiam o novo governo militar no Egito; tratam de provocar uma guerra civil no Líbano; seguem apoiando os terroristas que invadem a Síria; e Israel segue jogando bombas e fortalecendo os setores mais reacionários. É toda uma política coordenada entre os Estados Unidos e Israel, e entre eles os sionistas com formidáveis recursos para comprar e influir nos políticos norte-americanos.
Petras, em que outros temas está trabalhando?
Bem, podemos começar pela França, onde temos notícias sobre as eleições. Como indicamos, o governo impropriamente chamado de socialista, melhor chamado social-imperialista, sofreu uma derrota contundente com mais de 40% de absenteísmo, ou seja, a grande maioria do eleitorado que anteriormente votou nos socialistas.
O voto não foi apenas um castigo pelas medidas reacionárias de François Hollande nem pelas políticas de intervenção militarista nem por ser seguidor da política reacionária da Casa Branca; foi pela totalidade da conduta do governo que não consulta nenhum setor popular. Reúne-se somente com as cúpulas dos grandes capitais. E como consequência disso, sofreu a perda de mais de um terço de todas as prefeituras. Foi uma derrota histórica, foi a implosão total do eleitorado socialista. E também dos que não puderam aproveitar o descontentamento, do Partido Comunista ou da esquerda supostamente radical, porque deram o apoio crítico a Hollande, e as pessoas não conseguiram distinguir. O eleitor de esquerda entendeu que ao dar esse apoio, embora crítico, se comprometeram com o governo por mais que agora quisessem se separar, mas durante anos formaram aliança entre a esquerda radical e o Partido Socialista. Agora foram prejudicados também. Entretanto, os grandes beneficiários foram a direita e a ultradireita, porque se posicionaram contra a política. Agora, a partir de posições da direita. Mas se alguém quisesse castigar os governantes, era até lógico que se decidisse a votar nesses setores ou não votar. É um grande drama, pior que indica que a social-democracia outra vez mostra sua cara reacionária e prejudicou os setores populares.
Isto me parece que é típico. Quando há uma colaboração entre as cúpulas políticas de esquerda e o grande capital, sempre perde o povo.
O outro tema que quero tocar é o das eleições na Turquia. Vimos há um ano grandes protestos nas ruas contra o governo de (Recep Tayyip) Erdogan, setores populares, estudantes, intelectuais, profissionais, milhares de pessoas... Mas, em consequência disso não há um novo partido, as pessoas enchem as ruas, mas na hora de organizar-se para competir nas eleições não tiveram a capacidade e tampouco a capacidade para resistir à fraude.
A grande mídia não fala disto. Eu recebo comunicações de ativistas na Turquia e me dizem que há 1.418 registros de casos de fraude, de calote eleitoral, casos de votação de forma ilegal.
Além de tudo isso, devemos entender que quando há um governo corrupto, reacionário, como na Turquia; mas, além disso, está financiando grandes projetos de construção que geram empregos e que conseguem aumentar os salários; quando tem um governo que joga a carta religiosa, muçulmana; quando tens um governo que tem um estilo de atacar forças externas, de culpar pelos problemas conspirações externas; essa configuração me parece formidável... A única forma de desafiá-los é construir um partido capaz de conseguir a organização para apresentar uma alternativa nas opções eleitorais. Mas a única alternativa era o velho partido kemalista, o Partido Republicano do Povo, que é um partido desprestigiado, envolvido em golpes de Estado, em corrupção, etc. Então, diante desta oposição, Erdogan conseguiu uma vitória contundente com 45% dos votos, apesar da fraude – podemos dizer que 5% ou 6% dos votos foram obtidos de forma fraudulenta –, mas de todos os modos obteve 40%, contra a oposição que obteve menos de 30%.
Isso nos indica que os movimentos sociais têm que ir dos protestos à organização; têm que buscar um plano de ação política que combine várias formas de luta. É preciso construir as bases para enfrentar um governo que tem as bases organizadas em função de todos os projetos religiosos e do gasto público.
Eu espero uma grande limpeza agora, porque Erdogan vai tomar o mandato do próximo governo para limpar o governo dos setores vinculados a (Fethullah) Gülen, que é um pregador que, nos Estados Unidos, está mais perto da Casa Branca. Era aliado de Erdogan, mas em determinado momento decidiu tomar o poder.
Então, Erdogan vai eliminar esta ameaça com uma grande purga; mas ao mesmo tempo em que vai purgar os gulanistas vai aproveitar para também atacar a esquerda e as forças populares.
Veremos se não há uma guinada para um maior autoritarismo e monopartidismo; Erdogan preparará o caminho para ser eleito presidente, mas com poderes mais amplos para manter-se no poder pelos próximos 10 anos.
Erdogan é qualificado como um dos políticos ‘duros’?
É um político que teve uma carreira em evolução. Começou como um centro-direita, uma versão muçulmana de um democrata cristão, um democrata muçulmano; e nos últimos anos concentrou seus poderes e realizou uma grande limpeza em todos os setores progressistas na sociedade civil, foi muito repressor. Ultimamente, caiu em um conflito interno entre suas próprias forças, entre um setor mais pró-norte-americano e outro setor que está mais envolvido em um projeto mais neo-otomano. Ou seja, ser otomano implica em envolver-se na Síria, Líbano e nas outras regiões. Estavam envolvidos com Morsi.
Erdogan está concentrando poderes e se preparando para impor uma hierarquia sob seu comando, tanto no Exército, na política e no Judiciário. Vai formar um governo muito autoritário, centralizado e repressivo para continuar no poder utilizando os resultados eleitorais.
Agradecemos muito em nome da audiência sua análise e o esclarecimento de todos estes temas. Nos encontraremos na segunda-feira.
Espero que com melhor tempo, já em abril.
Um grande abraço aos ouvintes.
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“Quando há uma colaboração entre as cúpulas da esquerda e o grande capital, sempre perde o povo”. Entrevista com James Petras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU