Por: André | 26 Mai 2014
Um judeu e um muçulmano no séquito oficial de Francisco na Terra Santa. Mas, nem tudo vai bem nas relações com o judaísmo e o islamismo. A estratégia de Bergoglio: “acariciar os conflitos”.
Fonte: http://bit.ly/1gpYoek |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio italiano Chiesa, 23-05-2014. A tradução e de André Langer.
Os imprevistos não são algo novo para Jorge Mario Bergoglio quando aterrissa na Terra Santa, pois a primeira e única vez em que esteve ali, em outubro de 1973, encontrou-se com a guerra do Kippur e pouco ou quase nada pôde visitar.
Agora retorna como Papa em uma viagem relâmpago de apenas três dias, de sábado, 24, até segunda-feira, 26 de maio, mas o programa é bem apertado e inclui uma grande novidade já antes da partida: Francisco quis que fizessem parte do seu séquito oficial um judeu e um muçulmano, Abraham Skorka e Omar Abboud, dois amigos seus argentinos.
O rabino Skorka lançou a notícia de que em Jerusalém, no muro do Templo, ele e o Papa farão um gesto que entrará para a história. Se abraçarão e rezarão juntos, com a seguinte profecia de Isaías como inspiração: “Bendito seja meu povo Egito, a obra das minhas mãos Asur, e minha herança Israel”. Uma música de paz para essa martirizada região e para os dois povos do Antigo Testamento e do Novo Testamento.
A forte amizade entre um Papa e um judeu não é uma novidade. Até mesmo o intransigente Pio X tinha como amigo o judeu Moisé Jacur, proprietário de terrenos na zona do baixo Vêneto. O rabino chefe de Roma, Israel Zoller, admirava muitíssimo o discutido Pio XII, até o ponto que ao final se converteu e tomou o nome de batismo do Papa, Eugênio.
Mas, há muitos judeus e nem todos sentem pelo atual Papa o mesmo entusiasmo que o rabino Skorka.
Muitos judeus, por exemplo, não gostaram do fato de que Bergoglio os tenha chamado novamente de “irmãos maiores”, como fez primeiramente o Papa Karol Wojtyla.
Bento XVI, também ele amigo de um grande estudioso judeu, o estadunidense Jacob Neusner, havia indicado onde estava o perigo: na tradição hebraica, o “irmão maior”, isto é, Esaú, é aquele que é degradado e suplantado pelo irmão menor, Jacó, em cujo lugar se colocaria hoje a Igreja.
O Papa Bento preferia chamar os hebreus de “nossos pais na fé”.
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Também com o islamismo Francisco tem uma relação feita de luzes e sombras.
A primeira etapa da viagem será a Jordânia, cuja casa real deu impulso há sete anos à carta assinada por 138 sábios muçulmanos em resposta ao memorável discurso de Bento XVI em Regensburg que marca, ainda hoje, o ponto mais alto no diálogo entre cristãos e muçulmanos.
Mas, não longe de Amã e do rio Jordão, no qual foi batizado Jesus, estão a Síria, o Egito e o Iraque, essa mítica “fértil meia lua” que hoje é palco de um choque fratricida entre o islã xiita e sunita, entre o Irã e os reinos do Golfo, com os cristãos vítimas de uns e outros e obrigados a um êxodo desesperado dessas terras que, nos primeiros séculos da Igreja, eram todas rigorosamente cristãs.
Mais longe está a África, onde também ali os cristãos são objeto de ataques sistemáticos não apenas por parte de grupos fanáticos muçulmanos como o Boko Haram na Nigéria, mas também de Estados como o Sudão, que dão força de lei aos preceitos mais violentos do próprio Corão.
Quem esperava que o Papa Francisco levantasse a voz imediata e vigorosamente contra o sequestro de centenas de jovens por parte do Boko Haram e contra a condenação da morte no Sudão de uma jovem mãe de nome Meriam, grávida de oito meses, culpada apenas de ser cristã – dois fatos que levantaram enormes protestos em todo o mundo –, ficou decepcionado.
Bergoglio é muito cauto na hora de se pronunciar sobre este terreno explosivo. Não apenas por uma prudência cujo objetivo é não agravar ainda mais a situação de comunidades cristãs que já estão em perigo extremo, mas precisamente por sua visão de diálogo entre o islã e o cristianismo como busca do que une em vez de juízo sobre o que divide. O rabino Skorka disse que o teria ouvido dizer que “temos que acariciar os conflitos”.
Na Evangelii Gaudium, o manifesto programático de seu Pontificado, Francisco reclamou para os países muçulmanos essa liberdade de culto de que gozam os crentes no islamismo nos países ocidentais.
Mas, o jesuíta egípcio Samir Khalil Samir – islamólogo que durante o pontificado de Bento XVI era um dos mais ouvidos pelas autoridades vaticanas e pelo próprio Papa – objetou o fato de que tenha permanecido calado sobre essa privação da liberdade de converter-se de uma religião a outra, verdadeiro ponto dolorido do mundo muçulmano.
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Uma passagem para três: o rabino, o imã e o Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU