Por: André | 13 Setembro 2013
As recordações do golpe tomaram conta da emblemática Praça 11 de Setembro, do Museu da Solidariedade de Salvador Allende, do Estádio Nacional e do Congresso, onde se fez um minuto de silêncio e se convocou para um Nunca Mais.
Fonte: http://bit.ly/18etIHM |
A reportagem é de Mercedes López San Miguel e publicada no jornal Página/12, 12-09-2013. A tradução é de André Langer.
No ato mais simbólico da comemoração do 11 de setembro, no monumento erguido em honra a Salvador Allende, na Praça da Constituição, uma barreira separava as pessoas convocadas por agrupações de familiares de presos e desaparecidos e partidos de esquerda dos carabineiros em guarda. Uma senhora se queixou. “Por que fecham este lugar?”, disse diante do olhar indolente de um militar. “Esta é uma pseudodemocracia!”, insistiu. A presença das botinas tornou-se vívida em uma data tão emotiva como os 40 anos do golpe encabeçado por Augusto Pinochet e que terminou com o presidente socialista morto no interior do Palácio presidencial. Allende pronunciou suas últimas palavras da quarta janela do Palácio La Moneda, que se podia ver a curta distância do monumento.
Tanto na emblemática praça como no Museu da Solidariedade de Salvador Allende, assim como no Congresso, onde se fez um minuto de silêncio e se convocou para um Nunca Mais, como no Estádio Nacional – ex-campo de concentração – uma mesma ideia sobrevoava este dia de recolhimento, que foi revelada pela pesquisa do Centro de Estudos da Realidade Contemporânea: a grande maioria dos chilenos – 75% – acredita que as pegadas deixadas pelo regime militar ainda não se apagaram. O diretor da consultoria, Carlos Huneeus, analisou os motivos desta afirmação. “O regime de Pinochet está no sistema político binominal, na fragilidade dos sindicatos, no modelo econômico neoliberal que não foi modificado pelos governos da Concertación e que ficou mai agressivo com o governo de Sebastián Piñera”.
Pedro Felipe Ramírez, ex-ministro das Minas do governo de Allende, participou da comemoração. Ex-preso na Ilha Dawson e em outros centros de tortura, esteve exilado e hoje milita na Esquerda Cidadã, partido que apóia a candidata Michelle Bachelet, da Nova Maioria, favorita nas eleições presidenciais de novembro. “O Chile chegou a ser o país mais desigual do mundo. Eu espero que possamos implementar um modelo diferente, em que o Estado intervenha na economia e dirija o processo econômico. É preciso levar adiante transformações sociais que apontem para um país mais igualitário. No campo da educação, no campo das classes trabalhadoras”, disse Felipe Ramírez e criticou a Constituição de 1980. “Estabelece armadilhas que favorecem a direita, como o sistema eleitoral binominal, que prejudica os partidos menores. Para muitas mudanças constitucionais necessita-se de dois terços do Congresso. E a Carta Magna não permite ao Estado constituir nenhuma empresa”.
Ao completarem-se 40 anos do golpe de Pinochet, o presidente conservador Piñera opinou que a quebra da democracia foi responsabilidade muito especialmente “daqueles que não respeitaram o Estado de Direito”, entre os quais, na sua opinião, esteve o próprio líder socialista. Mas no Chile há sintomas de uma vontade coletiva de recuperar os ideias de Allende. A juventude mostra sua rebeldia nas ruas, reclamando um ensino gratuito – fizeram-no os estudantes secundaristas durante o governo de Bachelet e o movimento cresceu e se expandiu às universidades no governo de Piñera. Os estudantes estão endividados antes mesmo de começarem a trabalhar e não querem se ver no espelho de uma sociedade em que a riqueza se concentra em poucas mãos. Jovens que não viveram a etapa dramática que hoje se rememora, mas que aspiram a ultrapassá-la a partir de um Nunca Mais. “O que vivemos na atualidade é efeito do golpe de Estado. Há pessoas que dizem: ‘Poxa, aconteceu há tanto tempo, para que recordar’, mas nunca se pode esquecer”, disse a estudante de psicologia Catalina Díaz, com o olhar dirigido para o palácio presidencial.
É que o rastro deixado pela ditadura manifesta-se nas repudiáveis declarações de Manuel Contreras, ex-chefe da polícia secreta DINA. Segundo o condenado mais de cem vezes por crimes de lesa humanidade e condenado à prisão perpétua, “os presos desaparecidos estão todos nos Cemitério Geral”, declarou com gesto austero à CNN Chile às vésperas do aniversário, negando que tenha havido voos da morte ou enterros clandestinos. Os dados oficiais falam por si só: o número de pessoas desaparecidas ou assassinadas entre 1973 e 1990 passou dos 3.000 e cerca de 40.000 pessoas sobreviveram à prisão por motivos políticos ou à tortura.
Uma mulher que participou do ato disse não conseguir acreditar nas declarações do outrora homem temido da ditadura, Contreras. “A Justiça o declarou culpado e ele continua negando a tortura e o desaparecimento de pessoas. Invadiram a minha casa por pensar diferente. Tinha 22 anos e isso me afetou muito, saí da juventude de um dia para o outro”, disse a professora Silvia Garrido. E colocou um lenço na estátua de Allende.
Os desmandos dos usurpadores do poder foram múltiplos, e meios impressos, hoje vigentes, como El Mercurio e La Tercera, agiram como cúmplices do relato dos repressores. O relatório Valech reconheceu que vários jornais apoiaram ativamente a ditadura. Citou um editorial do El Mercurio intitulado “A dura batalha do Chile”, de 5 de outubro de 1973, onde se lê: “As invasões de militares e operações policiais não estão sendo efetuadas sem motivo. Muito pelo contrário, as contínuas descobertas de arsenais e outros elementos destinados a uma longa luta de guerrilhas demonstram que para todos os fins jurídicos e de segurança pública o país encontra-se em estado de guerra”. Em sua edição desta quarta-feira, o jornal concede apenas uma página, com três artigos, ao 11 de setembro: uma entrevista com o ex-ministro do Interior Enrique Krauss, a antecipação da agenda comemorativa de Piñera e a visita de Bachelet à Villa Grimaldi, onde esteve presa.
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O Chile renovou o seu compromisso com o Nunca Mais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU