Por: Cesar Sanson | 22 Mai 2013
Apesar de ainda não ter minas em processo de exploração no Equador, o interesse de transnacionais e o processo de estudo de área já estão afetando famílias, que começam a ser deslocadas. Em entrevista à Tatiana Félix da Adital, 21-05-2013, a irmã Elsie Monge, diretora executiva da Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (CEDHU) do Equador, fala da mineração em seu país, a luta do povo em defesa de seus territórios e da natureza, e dos efeitos destes projetos na América Latina.
Eis a entrevista.
Atualmente, quais são os projetos mineiros que estão afetando a população equatoriana?
Bom, 4% do total do território equatoriano foi concedido para megaempresas mineiras. São uns 980 mil hectares para metálicos e outros 121.600 hectares para não metálicos. Então, a maioria das concessões mineiras foi dada para empresas canadenses, e agora também estão entrando as empresas chinesas. A maioria das vezes para minas metálicas: ouro, prata, cobre, etc. Estão, ainda, em fase de estudo da área, umas mais avançadas que outras. Por exemplo, em Zamora, existe um projeto, "Mirador”, que também estava em mãos de canadenses e agora passou para os chineses. Houve gente deslocada porque quando entra uma empresa mineira o que fazem são despejos, ou seja, limpar onde vão fazer as instalações e a gente que está ali tem que sair, por bem ou por mal.
Então, neste projeto "Mirador”, ao sul da Amazônia, próximo à fronteira com o Peru, existem 45 famílias que foram deslocadas da Paróquia Tundayme, e um povoado, San Marcos, já não existe. As mais de 15 famílias que viviam ali já não estão. Isso preocupa porque têm que ir embora, mas o Estado não vigia se existe algum processo de compra, pois também existem muitas irregularidades e o Estado não supervisiona este processo, nem tampouco se existe relocalização. Mas isso acontece, não apenas em projetos mineiros, como também com projetos hidroelétricos é a mesma tática, por certo, que eles aplicam. Outro setor bastante afetado está na província Azuay, onde existem minas de ouro, onde vão ser afetadas as lagoas e as vertentes de água.
Dentro deste contexto, que efeitos existem em termos de desocupação, em cumprimento dos convênios dos povos ancestrais?
Bom, é o que eu estava dizendo: que existem deslocados. O fenômeno é o deslocamento, ou seja, que têm que sair de suas comunidades porque ali vai se localizar a mina. Então, às vezes, existem processos de compra e venda, mas com muitas irregularidades, e outras vezes também se usa a força. Estes seriam os fenômenos. Em cumprimento dos convênios, não existem convênios desde o Estado equatoriano com os povos indígenas ou campesinos. Não existem convênios com o Estado equatoriano. Mas, rege, por exemplo, o convênio da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sobre os direitos dos povos indígenas a suas terras e a seus recursos. Este seria esse Convênio. E a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas tampouco se aplica.
Também as concessões que se dão, como disse antes, não levam em conta os territórios indígenas. Mas a Constituição do Equador assinala que deve haver uma consulta nestes casos, consulta aos povos afetados. Isso tampouco está se cumprindo. Então, também se viola a Constituição.
Em um vídeo produzido pela Comissão Ecumênica de Direitos Humanos, vocês demonstram em contrário às afirmações do presidente de que não existem deslocados, muitas pessoas que dão seus testemunhos de que foram deslocadas. Neste sentido, não existe um diálogo com o governo?
Não existe diálogo. O problema é que não são apenas concessões isoladas, mas o temor é que a mineração seja o modelo de desenvolvimento. Então, ai se pode imaginar que existe um acordo entre as transnacionais e o governo.
Se não existe diálogo, como as comunidades e as organizações planejam realizar ações para defender seus territórios?
Sim, existem as lutas das organizações locais ou da região que se organizam. Por exemplo, neste caso de Azuay que te dizia, que se organizam e fizeram vários protestos. É necessário assinalar que a água vai ser contaminada, e que isso vai afetar não apenas as comunidades vizinhas, mas que como é o nascimento dos rios da montanha, isso vai chegar até Cuenca que é uma das capitais da província e mais além. Então, ali sim houve uma boa organização. Mas, quando os indígenas ou os campesinos reclamam seus direitos e dos direitos da natureza, então eles são reprimidos, são investigados, e alguns, acusados de terrorismo. A pressão é forte.
Esta situação é muito semelhante a outras situações e conflitos na América Latina, em outros países acontece o mesmo. Neste contexto, como vocês avaliam a situação na América Latina como um todo?
Eu acredito que isso da mineração é uma praga, porque, por exemplo, no caso do Equador, o que diz o governo é "não podemos estar sentados sobre uma montanha de ouro, necessitamos dos recursos, e por isso, tem que explorar a mineração”. Essa é uma visão "deturpada”. O certo é que isso produz ganâncias econômicas que a maioria não tem em território equatoriano, e menos as populações rurais, mas de todas as maneiras, o veem como um ingresso sem considerar os grandes efeitos que vemos em outros países.
Em outros países, faz muito tempo que estão na fase de exploração. Aqui, ainda não, mas já se preveem os estragos deste fenômeno e nós tememos que no Equador, igual que no Peru, Argentina e Chile, onde houve exploração mineira, se destrua a natureza, a biodiversidade e tudo isso se converte em deserto, os territórios, e isso é o que não queremos. Em alguns outros países já estiveram sofrendo a exploração, mas ai tem mais força na organização e tiveram êxitos também. Por exemplo, em Pascua Lama, entre Argentina e Chile, isso está suspenso. Isso demonstra e anima, pois é possível que não explorem a mina, assim tão impiedosamente.
No Peru, existe uma organização muito boa também indígena e em alguns casos evitaram que se continuem explorando as minas. Costa Rica é outro parâmetro para nós. Em Costa Rica proibiram a exploração mineira a céu aberto, é uma decisão desde o Estado, quer dizer que não é impossível, e existem outras alternativas para a exploração mineira. Em Costa Rica, por exemplo, a indústria de turismo tem um ingresso muito alto, e com tantos recursos naturais também se poderia explorar muito mais, desenvolver muito mais o turismo.
Existe uma mobilização organizada que luta contra estes projetos. Que denúncias se podem fazer e para quem se podem fazer?
Nós, como Comissão Ecumênica e outras organizações também ambientalistas ou de direitos humanos, acompanhamos as pessoas. Primeiramente para fazer-lhes conhecer seus direitos porque isso ajuda para que se organizem e que lhes dá ânimo para lutar. Por outro lato, quando vem a criminalização, porque temos aqui uma forte criminalização do protesto social, então, aí também apoiamos com orientações legais.
Então, a Comissão Ecumênica trabalha prestando assessoria às comunidades. Que outras atividades realiza a Comissão Ecumênica?
Claro. Também a denúncia pública. Nós estamos todo o tempo divulgando o que está acontecendo e esta declaração do presidente em resposta a uma entrevista dada por mim, em que eu dizia que existem famílias deslocadas à força pelo efeito da presença das empresas transnacionais... Agora, o presidente não aceita que existam deslocados. Eu não sei se é que ele o liga com Colômbia, por exemplo, onde existe um alto percentual de populações deslocadas por causa da violência. Não é nessa porcentagem, mas pode ser que aumente.
Para nós, deslocados é uma família, uma comunidade que tem que deixar suas terras, tem que deixar sua casa, se veem forçados a sair, então têm que sair dali, e podem ir ao outro lado, então são deslocados para outro lado. Mas ele não aceita essa definição. Com a denúncia pública se divulga, e repito, à cidadania o que está acontecendo nas áreas de exploração mineira da Amazônia. Mas também fazemos denúncia internacional, isto é importante porque tem a ver com a imagem do país.
De uma forma geral, como vocês podem avaliar as conquistas da luta do povo contra estes projetos, não só a luta do povo e sim também da Comissão?
Existem vários casos onda a população se organizou para tratar de impedir a construção de grandes hidrelétricas. Temos o exemplo em mineração, no norte do país, em Río Grande Chone. Isso significa a inundação de 1.600 hectares. Em total, o projeto vai afetar aproximadamente 1.500 famílias. Mas, todavia, não começaram a desalojar o povo. Então, frente a isto, eu acredito que é uma luta muito dura, muito desigual. Não podem não tratar de proteger seus direitos e os direitos da natureza.
Tem algo mais a acrescentar?
Bom, me parece que a nível nacional e internacional é muito importante, muito decisiva, a cobertura ou o apoio dos meios, porque essa é a única maneira de que a nível nacional e também internacional se sabe o que está acontecendo, e de alguma maneira isso é apoio às organizações camponesas e indígenas afetadas. Creio que isto é um dos instrumentos que temos para difundir a situação e mostrar os efeitos que a exploração tem, e creio que é importante, e agradecemos muito o interesse da Adital neste sentido.
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“A mineração é uma praga”. Entrevista com a irmã Elsie Monge - Instituto Humanitas Unisinos - IHU