Por: André | 16 Fevereiro 2013
A renúncia de Bento XVI. Seus últimos atos. O iminente conclave e os candidatos à sucessão. As novidades e as incógnitas de uma decisão sem precedentes na história.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 14-02-2013. A tradução é do Cepat.
Na tarde de uma quinta-feira comum de Quaresma, às 20h do dia 28 de fevereiro, Joseph Ratzinger dará, pois, esse passo que nenhum de seus predecessores havia ousado dar. Ele colocará na cátedra de Pedro as chaves do reino dos céus que outro estará chamado a pegar.
Este gesto tem a força de uma revolução que não tem equivalente, nem sequer em séculos distantes. A partir daqui a Igreja entra em terreno desconhecido. Deverá escolher um novo Papa enquanto o predecessor ainda está vivo e suas palavras ainda ressoam, suas decisões ainda são aplicadas e sua agenda aguarda para ser executada.
Esses cardeais que na manhã de 11 de fevereiro haviam sido convocados para a sala do consistório para a canonização dos 800 cristãos mártires de Otranto, que foram martirizados pelos turcos há seis séculos, ficaram atônitos quando ouviram Bento XVI, ao término da cerimônia, anunciar em latim sua renúncia ao pontificado.
Cabe a eles, no meio da Quaresma, a tarefa de escolher o sucessor. No domingo de Ramos, 24 de março, o novo escolhido celebrará sua primeira missa na praça de São Pedro, no dia da entrada de Jesus em Jerusalém, montado no lombo de um burro e sendo aclamado como o “bendito que vem em nome do Senhor”.
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Serão 117 os cardeais que, em meados de março, se trancarão em conclave, o mesmo número que aqueles que há oito anos escolheram o Papa Joseph Ratzinger no quarto escrutínio com mais de dois terços dos votos, em uma das eleições mais rápidas e menos discutidas da história.
Desta vez, no entanto, tudo será diferente. O anúncio da renúncia surpreendeu, como um ladrão na noite, sem que um longo ocaso do pontificado, como havia acontecido com João Paulo II, lhes tenha permitido chegar ao conclave com as opções já suficientemente analisadas.
Em 2005, a candidatura de Ratzinger não surgiu repentinamente: ela tinha sido amadurecida ao menos durante alguns anos antes, e todas as candidaturas alternativas haviam fracassado uma após a outra. Agora, seguramente não será assim. E um elemento inédito se soma à dificuldade de distinguir as possíveis escolhas: a presença do Papa renunciante.
O conclave é uma máquina eleitoral única no mundo que, afinada ao longo do tempo, conseguiu no último século produzir resultados surpreendentes, escolhendo Papa homens de qualidades decididamente mais elevadas do que o nível médio do colégio cardinalício que, por sua vez, os elegeram.
Para citar o caso mais clamoroso, a escolha, em 1978, de Karol Wojtyla foi um momento de genialidade que permanecerá para sempre nos livros de história.
A nomeação de Ratzinger, em 2005, não o foi menos, como confirmaram os quase oito anos de seu pontificado, marcado por uma distância insuperável entre a grandeza do escolhido e a mediocridade de muitos de seus eleitores.
Além disso, os conclaves se caracterizam muitas vezes pela capacidade do colégio cardinalício de imprimir mudanças de rumo no papado. A sequência dos últimos Papas é instrutiva também a este respeito.
Não é uma longa lista cinzenta, repetitiva e chata. É uma sucessão de homens e acontecimentos marcados cada um deles por uma forte originalidade. O inesperado anúncio do concílio feito pelo Papa João XXIII a um grupo de cardeais reunidos na Igreja de São Paulo Extramuros não foi, certamente, menos surpreendente e revolucionário que o anúncio da renúncia feito por Bento XVI a outro grupo de cardeais estupefatos há poucos dias.
Mas nas próximas semanas acontecerá algo que nunca aconteceu. Os cardeais terão que decidir sobre o que é preciso confirmar ou inovar em relação ao pontífice precedente, enquanto este ainda está vivo. De Ratzinger todos recordam e admiram o respeito com o qual tratava também a quem era seu adversário: em relação ao cardeal Carlo Maria Martini, o mais eminente de seus opositores, manifestou sempre uma admiração profunda e sincera. Mas apesar de seu prometido retiro dedicado à oração e ao estudo, quase uma clausura, é difícil evitar que sua presença, embora silenciosa, não pese sobre os cardeais convocados para o conclave e, depois, sobre o novo escolhido. É inexoravelmente mais fácil falar com liberdade e franqueza de um Papa no céu do que com um ex-Papa na terra.
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Até dia 28 de fevereiro, a agenda de Bento XVI não sofrerá modificações. Depois do reto da imposição das cinzas e de uma “lectio” aos sacerdotes de Roma sobre o Concílio Vaticano II, ele aparecerá no domingo para o Ángelus, receberá na quarta-feira em audiência geral, fará o Exercícios Espirituais escutando a pregação do cardeal Gianfranco Ravasi, receberá em visita “ad limina” os bispos de Ligúria presididos pelo cardeal Angelo Bagnasco e depois os da Lombardia sob a liderança do cardeal Angelo Scola.
A casualidade quer que precisamente ele pudesse estar saudando o futuro Papa em um destes cardeais.
Na Itália, na Europa e na América do Norte a Igreja atravessa anos difíceis, um período de declínio geral. Mas com um despertar de vitalidade e incidência pública, aqui e ali, às vezes inesperada, como aconteceu recentemente na França. Mais uma vez, portanto, os cardeais eleitores poderiam orientar-se para candidaturas oriundas desta área, que, em todo o caso, segue tendo a liderança teológica e cultural sobre toda a Igreja. E precisamente a Itália poderia voltar à corrida, após o pontificado de um polonês e de um alemão.
Entre os candidatos italianos, Angelo Scola, 71 anos, parece ser aquele que tem mais chances. Formou-se em teologia no cenáculo da Communio, a revista internacional que teve Ratzinger entre seus fundadores. Foi discípulo de dom Luigi Giussani, o fundador da Comunhão e Libertação. Foi reitor da Lateranense, a Universidade da Igreja de Roma. Foi patriarca de Veneza, onde demonstrou uma eficaz capacidade de governo e criou um centro teológico e cultural, o Marcianum, projetado, junto com a revista Oasis, para o encontro entre o Ocidente e o Oriente cristão e islâmico. Há quase dois anos é arcebispo de Milão. E aqui introduziu um estilo pastoral muito atento aos “afastados”, com convites às missas na catedral distribuídos nas esquinas das ruas e nas estações de metrô, e com uma atenção especial para os divorciados em segunda união, que são animados a se aproximarem do altar para receber, não a comunhão, mas uma bênção especial.
Além de Scola, poderia figurar na lista dos possíveis candidatos também o cardeal Bagnasco, 70 anos, arcebispo de Gênova e presidente da Conferência Episcopal Italiana.
Para não falar do atual patriarca de Veneza, Francesco Moraglia, 60 anos, astro nascente do episcopado italiano, pastor de grande vida espiritual, muito amado por seus fiéis. Seu limite é que não é cardeal. Mas nada proíbe que possa ser escolhido também quem não faz parte do sacro colégio, embora inclusive o muito titulado Giovanni Battista Montini, invocado como Papa já em 1958 após a morte de Pio XII, teve que esperar para receber a púrpura antes de ser eleito, em 1963, com o nome de Paulo VI.
Fora da Itália, o colégio cardinalício parece que se orienta e olha para a América do Norte. Ali, um candidato que pode corresponder às expectativas é o canadense Marc Ouellet, 69 anos, poliglota, também ele formado teologicamente no cenáculo da Communio, durante muitos anos missionário na América Latina, depois arcebispo de Quebec, isto é, de uma das regiões mais secularizadas do mundo e hoje prefeito da Congregação Vaticana que seleciona os novos bispos de todo o mundo.
Além de Ouellet, dois norte-americanos são apreciados pelo colégio cardinalício: Timothy Dolan, 63 anos, dinâmico arcebispo de Nova York e presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos; e Sean O’Malley, 69 anos, arcebispo de Boston.
Nada, contudo, exclui que o próximo conclave decida abandonar o velho mundo e abrir-se aos outros continentes.
Embora na América Latina e na África, onde reside a maior parte dos católicos, não parecem emergir personalidades relevantes capazes de atrair votos, o mesmo não acontece com a Ásia.
Neste continente, que se prepara para converter-se no novo eixo do mundo, também a Igreja católica joga seu futuro. Nas Filipinas, que é o único país da Ásia onde os católicos são maioria, brilha um jovem e culto cardeal, o arcebispo de Manila Luis Antonio Tagle, em relação ao qual cresce a atenção.
Como teólogo e historiador da Igreja, Tagle foi um dos autores da monumental história do Concílio Vaticano II publicada pela progressista “Escola de Bolonha”. Mas como pastor mostrou um equilíbrio de visão e uma retidão doutrinal que o próprio Bento XVI apreciou muito. Surpreende, sobretudo, o estilo com que exerce a missão de bispo, vivendo sobriamente e misturando-se com as pessoas mais humildes, com grande paixão missionária e de caridade.
Um limite poderia ser que está com 56 anos, um ano a menos que a idade com a qual foi eleito Papa Wojtyla. Mas aqui volta a ter importância a novidade do anúncio de Bento XVI. Depois deste gesto, a jovem idade não será nunca um obstáculo para ser eleito Papa.
Uma aposta sobrenatural
A renúncia de Bento XVI ao papado não é, para ele, nem uma derrota nem uma rendição. “O futuro é nosso, o futuro é de Deus”, disse contra os profetas do infortúnio em sua última aparição pública antes do anúncio da renúncia, na tarde da sexta-feira, 08 de fevereiro, no seminário romano.
E dois invernos atrás, falando precisamente sobre sua possível futura renúncia, havia advertido: “Não se pode fugir no momento de perigo e dizer: que outro se ocupe com isso. Pode-se renunciar num momento de serenidade ou quando simplesmente não dá mais”.
Se agora, portanto, o Papa Joseph Ratzinger decidiu, em consciência, que sua jornada de “humilde trabalhador na vinha do Senhor” chegou ao fim, é simplesmente porque viu realizadas as duas condições: o momento é sereno e o vigor para “administrar bem” diminuiu pelo peso dos anos.
Efetivamente, parece que há uma trégua depois das muitas tempestades que se sucederam em seus quase oito anos de pontificado. Uma trégua que, no entanto, deixou intactas as posições de poder que, na cúria, alimentam há muitos anos a instabilidade.
Serão os dois últimos secretários de Estado, Angelo Sodano e Tarcisio Bertone, nenhum dos quais é inocente, que vão governar o interregno entre um Papa e outro: o primeiro como decano do colégio cardinalício e o segundo como camerlengo. Mas ambos sairão depois definitivamente de cena. Em relação aos outros dirigentes da cúria, o “spoils system” que entra em vigor, segundo a lei canônica em cada mudança de pontificado, libertará o novo Papa, caso ele o quiser, dos maus administradores da gestão anterior.
Em seus quase oito anos de pontificado, Bento XVI foi determinado e clarividente ao indicar as metas e manter firme o timão, mas na barca de Pedro a tripulação nem sempre lhe foi fiel.
Foi assim quando ele impôs uma linha de conduta rigorosa para combater o escândalo da pedofilia entre o clero, tendo que enfrentar aplicações hipócritas e tardias.
Foi assim quando ele ordenou a limpeza e transparência nos escritórios financeiros eclesiásticos, sendo desobedecido.
Foi assim quando ele viu como foi traído pelo mordomo de confiança, que violou seus segredos e roubou os documentos mais pessoais.
Mas há mais. O Papa Ratzinger se esmerou sobretudo para reavivar a fé da Igreja, para corrigir as derivas na doutrina, na moral, nos sacramentos e nos mandamentos. E também aqui, muitas vezes, encontrou-se sozinho, atacado, incompreendido.
Em síntese, a reforma que Bento XVI perseguia é uma reforma inacabada. Renunciando, reconheceu que não pode levá-la adiante com suas poucas forças. E se confiou ao conclave para que eleja um novo Papa que tenha a energia necessária para levar a cabo tal empresa.
A sua é uma aposta sobrenatural que recorda a de seu predecessor João Paulo II nos últimos e dolorosos anos de sua vida.
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Entre os analistas da Igreja, é o professor Pietro De Marco, da Universidade de Florença, quem compreendeu com mais perspicácia o significado da audaz renúncia de Bento XVI.
Parece haver uma diferença abissal entre o atual Papa e seu predecessor João Paulo II, que, em vez de renunciar, quis “permanecer na cruz” até o último momento. Mas não é bem assim.
O Papa Karol Wojtyla quis tirar do carisma de seu corpo doente um proveito espiritual para a Igreja que ultrapassasse a crescente ineficiência de seu governo.
Ao passo que Bento XVI enfrenta um risco simétrico: confia o governo da Igreja, isto é, seu “bem”, às forças completas de seu sucessor, em vez de aos benefícios espirituais oferecidos por uma entrega prolongada à própria debilidade, caso permanecesse no cargo.
O carisma de João Paulo II e a racionalidade de Bento XVI são as duas faces indissolúveis dos dois últimos pontificados, cujo sinal são os respectivos atos finais.
É, portanto, insensato ver na renúncia do atual Papa o início de uma nova práxis que obrigará os futuros pontífices a renunciar por doença ou pelo peso da idade, eventualmente sob a arbitragem de um júri visível ou invisível formado por médicos, bispos, canonistas, psicólogos.
A decisão de um Papa de renunciar ou permanecer no cargo até o fim é sempre só sua, segundo o ordenamento da Igreja. Bento XVI decidiu sua renúncia “em consciência diante de Deus” e não a submeteu a ninguém. Simplesmente a comunicou.
E agora colocou tudo nas mãos imponderáveis do próximo conclave e do futuro pontífice. Comenta De Marco:
“O desafio, no que se refere ao juízo humano, é enorme. Mas confio nisto: do mesmo modo que o elevado risco de João Paulo II de governar a Igreja com seu ser sofredor obteve o milagre da eleição do Papa Bento, assim o risco, igualmente radical, de Bento de devolver a condução da Igreja a Cristo para que confie seu peso a um novo Papa com forças, permitirá ter um outro pontífice à altura da História”.
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