02 Julho 2011
O patriarca de Veneza é hierarquicamente mais importante do que o arcebispo de Milão. De Veneza, no século passado, surgiram três papas (dois de Milão). Por que, então, o "retrocesso" de Scola? Porque Bento XVI o quer absolutamente como seu sucessor ao sólio de Pedro.
A opinião é do filósofo italiano Paolo Flores D`Arcais, editor da revista MicroMega, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 01-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A nomeação do cardeal Angelo Scola como arcebispo de Milão é incrivelmente irritual e exige, portanto, uma explicação razoável. O cargo de patriarca de Veneza é um dos mais prestigiados no âmbito da Igreja. A passagem para Milão constitui ao contrário, do ponto de vista protocolar, um retrocesso, porque "patriarca de Veneza" é um título superior ao de cardeal e arcebispo.
Em suma, não se é "transferido" dessa sede venerável para uma outra diocese, por importante e grande que seja, a menos que se trate de Roma, para se tornar Sumo Pontífice, o que, no século XX, ocorreu três vezes (Pio X, João XXIII, João Paulo I).
Então, não se sustenta a explicação (ventilada, por exemplo, pelo teólogo Vito Mancuso) de que Ratzinger quisesse fechar radical e descaradamente o último reduto do catolicismo democrático, a Milão de Martini e de Tettamanzi, das Acli [Associações Cristãs de Trabalhadores Italianos, na sigla em italiano] e do Pe. Colmegna, através de um gesto "brutal" de descontinuidade. Ou melhor, a hipótese de Mancuso é totalmente plausível, diria até certa; mas, para realizá-la, o cardeal Scola não era a única personalidade relevante que Ratzinger dispunha.
É verdade que, na nomeação de Scola, há um elemento de "afronta" ao catolicismo ambrosiano que faltaria em outros candidatos (a Scola foi negado o sacerdócio, no término do seminário diocesano de Venegono, tanto que, para ser ordenado padre, ele teve que se transferir para Teramo: agora, ele volta como arcebispo), mas é verdadeiramente improvável que a vontade de Ratzinger de ressaltar como o vento deve mudar em Milão tivesse a necessidade irrenunciável de um ingrediente tão "venenoso".
A escolha de uma normalização ostentosa podia, por isso, ser realizada mesmo sem a novidade inaudita do deslocamento de um purpurado de Veneza para Milão. Se, para Bento XVI, Angelo Scola acabou sendo, portanto, "único", deve haver uma motivação a mais, uma motivação realmente excepcional que justifique a irritualidade e a insubstituibilidade da escolha. Uma razão de SUCESSÃO. A nomeação, de outra forma incompreensível, de Ratzinger tem o significado de uma INVESTIDURA: Bento XVI indica aos cardeais que, como seu sucessor na cátedra de Pedro, ele quer Angelo Scola. Irritualidade que explica irritualidade.
Além disso, Karol Wojtyla também havia feito um gesto irritual que indicava a sua propensão por Ratzinger como sucessor, dedicando um livro "ao amigo confiável" e fazendo com que se soubesse nos sagrados palácios o "título" muito insólito e hiperlisonjeiro (acompanhando-o depois com o encargo – em nada irritual – de escrever os textos para a última solene "Via Sacra").
Cada conclave, naturalmente, decide depois como preferir, na convicção, na verdade, de que quem escolhe é o Espírito Santo, "vento" de Deus que, como se sabe, "sopra onde quer". Mas o sentido profundo e peremptório de investidura e testamento, por parte de Bento XVI, da nomeação de Scola à cátedra de Ambrósio, certamente não escapou de nenhum dos purpurados que compõem o sagrado colégio. Porque, repetimos, não há outra explicação, a menos que se chame em causa categorias inadmissíveis para um pontífice: extravagância e ultrajem.
Talvez Ratzinger sentiu a necessidade de tornar ostentosa a investidura de Scola também por causa da deficiência que é atualmente – depois de séculos da situação oposta –, para todo papável, o fato de ser italiano. No (quase ex-) patriarca de Veneza, Bento XVI vê a mais segura (e aos seus olhos evidentemente inigualável) garantia de continuidade com seu próprio pontificado sob pelo menos dois perfis: o destaque crescente assegurado a movimentos "carismáticos" como o Comunhão e Libertação com relação ao associativismo tradicional ligado a dioceses e paróquias, e o privilégio do diálogo com o Oriente, no duplo sentido de cristandade ortodoxa e de islã.
Se o primeiro tema é sublinhado por todos os observadores, o segundo é, talvez, negligenciado embora sendo até mais influente. O fio condutor do papado de Ratzinger é realmente a oferta aos outros monoteísmos, e ao de Maomé de modo especial, de uma Santa Aliança contra a modernidade ateia e cética. Esse era o sentido do infeliz discurso de Regensburg, que, por uma inábil citação acadêmica provocou, ao contrário, ressentimento e desordens. Diálogo com o islã, mas no sinal do anátema comum contra o desencanto do Iluminismo, do pensamento crítico, da democracia consequente, em alternativa à acolhida aos "diferentes" do catolicismo democrático de marca conciliar.
A fundação e a revista Oasis, desejadas por Scola em Veneza, são há anos o instrumento muito eficaz dessa linha ideológico-pastoral de fôlego "global" mas de evidentes implicações europeias, dada a presença do islã como segunda religião (em expansão demográfica galopante) em todas as grandes metrópoles do velho continente. Só em uma ótica "mesquinha" se pode pensar que, com a investidura de Scola, seguidor do Pe. Giussani, Ratzinger paga a dívida de gratidão para com o Comunhão e Libertação, lobby de reboque da sua eleição.
Na realidade, Ratzinger vê em Scola o sucessor capaz de continuar com mais coerência e sucesso do que os outros papáveis o desafio obscurantista da revanche de Deus, sobre as luzes que caracterizam o seu pontificado: intransigência dogmática, "fronte integralista" com o islã, presença decisiva da fé católica na legislação civil, imparcialidade no confronto público com o ateísmo, acompanhados por uma afabilidade pastoral superior à sua.
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Papa Ratzinger indica Angelo Scola como seu sucessor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU