01 Julho 2011
Uma reflexão sobre como e por que o papa decidiu nomear o novo arcebispo de Milão, Angelo Scola, ex-patriarca de Veneza.
A análise é de Giancarlo Zizola, publicada no jornal La Repubblica, 30-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um pontificado que se narra como projeção da autobiografia de Joseph Ratzinger nas escolhas institucionais. A nomeação de Angelo Scola em Milão é a última confirmação da plausibilidade dessa chave interpretativa. Bento XVI tem uma atenção especial pelas pessoas que se cruzaram com ele no passado.
Isso ocorreu com Tarcisio Bertone, que deve o seu posto de secretário de Estado um pouco mais do que à escrivaninha de secretário da Congregação para a Doutrina, ao lado do escritório do prefeito. Como se um pedaço de burocracia compartilhada pudesse garantir qualidade para qualquer outra função.
Da mesma forma, com o canadense Marc Ouellet à frente da Congregação para os Bispos e o patriarca Scola em Milão, projeta-se na cúpula da Igreja o clube teológico da Communio, a revista teológica fundada em 1972 por Ratzinger com Urs von Balthasar e Henri de Lubac, para competir com as visões do reformismo radical da Concilium.
E a admiração de Ratzinger pelo Pe. Giussani, cujo funeral ele quis concelebrar em Milão, é a fonte reconhecida de uma predileção papal pelo Comunhão e Libertação, um movimento do qual Scola era seguidor, embora há anos ele não tenha papéis de destaque dentro dele.
Não é só uma questão de confiança pessoal, e nem de medalhas ao mérito concedidas aos amigos, mas sim de opções. Existe uma ligação entre as obstinadas afiliações lefebvrianas do seu irmão padre Georg, de um lado, e – de outro – as apressadas absolvições dos bispos do cisma e as contrarreformas litúrgicas com as quais o papa abriu caminho para a missa tridentina, que está gerando o caos atual em torno dos altares católicos.
Em outro plano, uma continuidade autobiográfica emerge entre o Ratzinger de profissão teólogo e um magistério papal dominado pela inquietação pela formação também intelectual dos católicos a uma fé madura, até o apogeu da obra antigamente sonhada, os dois volumes do "Jesus de Nazaré", não por acaso assinados em conjunto por "Joseph Ratzinger e Bento XVI".
Um papa tem o direito de imprimir sua própria marca sobre a vida da Igreja. Mas a nomeação de Scola corre o risco de se tornar um caso embaraçoso, para além das qualidades pessoais do escolhido, bem reconhecidas, justamente porque faz explodir algumas anomalias do sistema.
O "fator papa" desempenhou seu papel na construção de uma campanha de imprensa repetitiva, que penalizou a busca de outras candidaturas. Com duas consequências: interceptar o severo clima de sigilo em que Roma envolve os procedimentos de seleção dos bispos (o cardeal Martini escreveu, no domingo, que ficou surpreso com a sua nomeação a Milão). Depois, contradizer o critério recomendado pelo próprio papa, de escolher como bispos candidatos que tenham pelo menos dez anos menos da renúncia canônica aos 75 anos, para que possam desenvolver um plano pastoral decente. E, ao contrário, para Milão, foi nomeado um septuagenário.
A maior anomalia é visível, mais uma vez, nos procedimentos centralizados. Em meados do século XIX, Antonio Rosmini demostrava que o sistema verticalista não era capaz de tutelar a Igreja das ingerências do poder político. As campanhas midiáticas em favor de um candidato são a nova forma das pressão dos poderes césaro-papistas, que tornam atuais as lutas para as investiduras de Gregório VII.
Embora a consulta do núncio na Itália, Giuseppe Bertello, na diocese de Milão tenha sido mais ampla do que de costume, é evidente que o que aconteceu convida a repensar sobre a advertência de Rosmini acerca dos bispos "intrusos", paraquedas do alto e, portanto, fatores de indiferença religiosa e de divisão do povo cristão.
A outra anomalia refere-se à situação do episcopado italiano. Indubitavelmente, não faltam em seu interior inteligências pastorais de grande sensibilidade e zelo, porém, algumas análises sociológicas, como a de Luca Diotallevi, não se abstêm de nele documentar sinais de um critério seletivo ancorado por mais de 20 anos na suposta segurança de figuras conformistas, com o resultado de que o atual despertar do baixo mundo católico parece ser pouco recebido pela hierarquia e não parece determinar uma verdadeira inversão de rota.
Paradoxalmente, a Igreja italiana era mais rica, sob Pio XII, de grandes figuras episcopais: um certo Roncalli em Veneza, Montini em Milão, Fossati em Turim, Siri em Gênova, Lercaro em Bolonha, Dalla Costa em Florença, Ruffini em Palermo: serão eles os grandes protagonistas do Concílio Vaticano II.
Enfim, deve-se notar que Scola entra em Milão sob duas vigílias: a do 50º da abertura do Concílio Vaticano II (1962-2012) e a dos 1.700 anos do Edito de Milão, com o qual teve origem a "idade constantiniana" em 313: estatuto de liberdade para o cristianismo, que se tornou "religião imperial". Vigílias que se entrelaçam organicamente.
O mestre de Scola, Von Balthasar, era muito claro sobre a necessidade de acabar com a reprodução do regime de cristandade. Ele dizia que, "ao cristão, é proibido o recurso aos meios de ação especificamente mundanos por um suposto incremento do reino de Deus na terra". Ele criticava o integralismo de grupos de "mamelucos cristãos que aspiram a conquistar o mundo" e advertia: "Quem faz tais coisas não tem a exata ideia nem da impotência da cruz, nem da onipotência de Deus, nem das leis próprias do poder mundano".
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A teologia de Ratzinger na escolha de Scola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU