Por: Jonas | 23 Julho 2012
Os indígenas pegaram seus bastões de madeiras e expulsaram os militares. Jogaram terra nas faces deles e os ameaçaram com facões. “Vão com sua guerra para outro lugar”, gritaram, na última terça-feira, das elevadas montanhas de Toribío, departamento de Cauca. Os indígenas não querem o Exército e a guerrilha das Farc trocando tiros em seus territórios ancestrais. Por isso, arrastaram os militares do cerro Berlín, conhecido como as Torres. Nos enfrentamentos, um indígena morreu baleado por um soldado, por não obedecer a uma ordem superior numa reserva, no município de Caldono.
A reportagem é de Andrea Peña, publicada no jornal El País, 19-12-2012. A tradução é do Cepat.
Depois destes fatos, políticos, analistas e jornalistas das cidades discutiam, quando alguém escreveu no Twitter: “Chora um soldado e a Colômbia se comove; morre um indígena e ninguém se importa”. Em parte, tem razão, mas a revolta destes indígenas pode mudar as coisas. Agora, importa. Pela primeira vez, o Estado colombiano é obrigado a se envolver nos problemas destas pessoas. O Estado está chegando a Cauca e isso muda o panorama na luta contra a guerrilha.
A beleza de Cauca é extraordinária. Ali nascem as três cordilheiras e os rios Cauca e Magdalena que atravessam o país. Nesse entorno vivem um milhão e meio de pessoas. Delas, 64% são pobres (Banco Mundial) e, destes, 36% vivem na miséria absoluta. Dos deserdados, 300.000 são indígenas paeces e guambianos.
Neste departamento surgiram grupos guerrilheiros de indígenas, como o Quintín Lame, em resposta aos ataques de civis armados contra lideranças indígenas. Por suas condições geográficas, a área de Cauca é ideal para a luta armada. Lá nasceram as Farc. Nessas montanhas, o grupo M-19 conseguiu colocar o Estado em cheque. Os paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (desmobilizados entre 2003 e 2006) enviaram, para esse local, seus mais sanguinários matadores para promover massacres, como o ocorrido na zona de Naya, em 2001, em que assassinaram mais de cem indígenas e camponeses.
Agora, estão cansados de se verem presos na guerra. Veem a guerrilha, os paramilitares e a força pública como invasores. Nas palavras do Conselho Regional Indígena de Cauca, em declaração, quando enfrentaram a polícia: “Desmontamos as trincheiras da polícia para que sua presença não atinja a população civil, ao mesmo tempo em que a guerrilha deixa minas terrestres e não tem nenhuma consideração pelas pessoas que não fazem parte da guerra”.
Todos sabem que quem controla Cauca pode mudar para sempre o conflito armado colombiano. Não somente porque a área é ideal para o tráfico de armas, mas devido a seus extensos cultivos de coca e maconha, da mais alta qualidade, na Colômbia. Como no resto das zonas cocaleiras do país, os narcotraficantes que chegam a Cauca mesclam a coca com cultivos lícitos, especialmente banana. A erradicação mediante aspersão aérea é quase uma quimera e sobre o terreno é impossível. Ninguém sabe com qual ator armado se encontrará atrás de um cerro.
“O departamento de Cauca é o que concentra o maior número de ações armadas da Colômbia, é um território estratégico para a guerrilha”, disse Carlos Franco, ex-diretor do Programa Presidencial de Direitos Humanos. “Nas forças armadas, 80% das ações se concentram em cinco departamentos do território nacional, e o de Cauca é um desses”, acrescentou.
A Colômbia tem uma das mais modernas Constituições em defesa dos indígenas. A Carta Magna, de 1991, lhes deu uma autonomia sem igual. Com isto em mão, os indígenas decidiram expulsar os militares. Essa autonomia indígena deve se realizar “em conformidade com suas próprias normas, sempre que não sejam contrárias à Constituição”. Por isso, o presidente Juan Santos pediu a Promotoria que atue contra os que retiraram pela força os militares das Torres. Segundo o Código Penal, trata-se de “violência contra servidores públicos”.
Muitos acreditam que a confiança entre o Estado e os indígenas está seriamente ferida. Nesse contexto, tem emergido a figura do juiz espanhol Baltasar Garzón, a quem os indígenas têm solicitado para a facilitação do diálogo. Para Iván Orozco, professor da Universidade de Los Andes, “é necessário criar pontes e, nesse sentido, a proposta de que Garzón entre como mediador é boa”. O presidente Santos, que tem demonstrado sua admiração por Garzón, não quer delegar um assunto tão sensível para um estrangeiro.
O diálogo já começou. O Estado sabe que reforçar a presença do Exército e da Polícia piorará as coisas. No entanto, os dias passam e o pavio acendido em Cauca se aproxima cada vez mais de um barril de pólvora.
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“Vão com sua guerra para outro lugar,” exigem indígenas colombianos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU