06 Janeiro 2012
Localizada na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, a pequena Brasileia está tomada por haitianos. Eles estão nas ruas, nas lojas, atrás de artigos de higiene pessoal, sentados nas praças a conversar sorridentes ou, em massa, na Praça Hugo Poli, uma das principais da cidade, que, aos poucos, foi sendo ocupada pelos inesperados moradores temporários. Como revelou O GLOBO, eles são a ponta de uma cadeia de tráfico de pessoas que começa no Haiti, passa pelo Equador e chega ao Brasil. Os mesmos coiotes que ajudam a levar brasileiros e mexicanos para os Estados Unidos agora trabalham na rota em que o Brasil não é mais origem, mas chegada.
A reportagem é de Cleide Carvalho e publicada pelo jornal O Globo, 06-01-2012.
Os primeiros haitianos chegaram em dezembro de 2010, após o terremoto que destruiu o Haiti. Agora, estão se tornando incontáveis. Nem o representante da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos do Acre, Damião Borges Melo, responsável por providenciar comida, local para dormir, atendimento de saúde ou qualquer outro pedido possível dos imigrantes, sabe dizer ao certo quantos são.
Nesta quinta-feira, eram cerca de 1.300, de acordo com os números de passaporte. Só entre a noite de quarta-feira e a madrugada de quinta-feira, chegaram 31. Logo de manhã, partiram 25 que já haviam conseguido o visto provisório concedido pela Polícia Federal, para que possam tirar carteira de trabalho em Rio Branco e buscar emprego.
Brasileia, de 21.398 habitantes, não está longe de ter quase 10% de seus moradores se comunicando em francês, crioulo ou espanhol, língua que a maioria aprendeu na República Dominicana, justamente para poder chegar com mais facilidade ao Brasil.
Se, para os haitianos, a primeira preocupação é trabalho, em Brasileia a urgência é alimentar tanta gente. Em média, os imigrantes consomem uma tonelada de alimentos por dia. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) doou 14 toneladas de alimentos, mas não é suficiente.
Falta de médicos é outro problema
Na última quarta-feira, pelo menos 50 haitianos passaram mal, com infecção gastrointestinal. Foram atendidos e medicados após comer linguiça de porco nas refeições servidas de graça pelo estado. A comida é preparada por dois restaurantes de Brasileia, que prestam o serviço ao governo do estado, uma vez que não há cozinhas comunitárias. Por cada marmitex preparada, o governo paga R$ 4,99. Nesta quinta-feira, os haitianos almoçaram arroz, feijão-de-corda, carne cozida com legumes, macarrão e salada de alface e tomate.
Os imigrantes trazem à cidade outra preocupação, a da saúde. Nem médicos há para cuidar dos brasileenses. Todos os que atendem no posto de saúde não têm CRM. Eles se formaram em Cuba ou na Bolívia e, dizem, estão à espera de regularizar o diploma para obter o registro no país.
Grupos alugaram casas e pagam R$ 300 por mês, enquanto esperam pelo visto de permanência. A pior condição é a dos que buscam abrigo no hotel pago pelo governo do estado. São cerca de 30 quartos, com capacidade para, no máximo, cem pessoas, mas ali estão cerca de 800, incluindo crianças. Dormem em colchonetes nos corredores, cantos e até dentro dos banheiros, que foram tornados coletivos.
- Quero trabalhar. Depois do terremoto, ficou difícil. Não encontrei mais trabalho na minha profissão - diz Blemur Vilson, de 26 anos, técnico em manutenção e instalação de elevadores que vivia na República Dominicana antes de vir para o Brasil.
Blemur e mais seis haitianos dividem uma casa alugada por R$ 300 em Brasileia. Ele sente pena de seus compatriotas que se amontoam no hotel cedido pelo governo do Acre.
Pierre Merzier, de 28 anos, chegou dez dias antes do Natal a Brasileia. Na fila para ser atendido no posto de saúde, onde fez exames básicos, pensa em trabalhar como pedreiro. Soube que em Porto Velho há emprego, devido à construção de usinas. Na República Dominicana, era cozinheiro.
- Quero trabalhar em alguma coisa - diz ele, arranhando um espanhol, sentado ao lado de outro haitiano, o padeiro Ilfrancoeur Saint Gerard, que fala apenas crioulo.
No posto de saúde, os haitianos predominam na fila de vacinação.
- Estamos com sorte de não ter tido ainda um surto pior, de coisa mais grave - diz Janildo Moraes Bezerra, enfermeiro-chefe do posto.
Segundo Bezerra, há risco de pneumonia e viroses, devido à grande quantidade de gente nos quartos e à dificuldade de se manterem condições de higiene. Um dos maiores riscos é a dengue. O município foi listado pelo Ministério da Saúde entre os que têm maior percentual de domicílios com criadouros do mosquito transmissor.
Para os moradores de Brasileia, o clima é de preocupação:
- A gente se sente acuado. Perdeu o prazer de andar nas ruas. Eles são educados, gentis, não fumam e não bebem, mas isso não vai dar em coisa boa. São centenas de jovens desempregados buscando emprego. Uma hora vai dar problema sério - diz Delmo Vidal, de 46 anos, dono de uma mercearia na rua principal de Brasileia há mais de 20 anos.
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Brasileia pede ajuda para manter imigrantes que chegam em massa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU