01 Dezembro 2011
Bispos gaúchos se reunem com o governador do Estado do Rio Grande do Sul para reivindicar o ensino religioso nas escolas. Antonio Cechin, irmão marista, que trabalhou em colégios católicos e é reconhecido na história da catequese da América Latina, narra e comenta o fato.
Antonio Cechin, irmão marista e miltante dos movimentos sociais, é autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
Dia 21 deste mês de novembro que termina, a Igreja Católica do Rio Grande do Sul, com seus bispos à frente, ladeados das equipes de coordenação regional das pastorais sociais, foram ao palácio Piratini, atendendo convite de Tarso Genro para um "café com o governador". A iniciativa do "Café" por parte da autoridade máxima estadual, destina-se a ouvir todos os segmentos sociais organizados, a fim de acolher em quê, as diferentes esferas do poder público podem auxiliar nas atividades sociais de segmentos organizados e com poder de influência na conscientização da cidadania.
A grande ênfase reivindicatória dos bispos, a partir da própria presidência do Regional da CNBB, foi dada em relação ao ensino religioso nas escolas. A moção foi no sentido do empenho do governador com vistas ao cumprimento da concordata, firmada entre o governo brasileiro e a Santa Sé, na qual o presidente da república – na ocasião o presidente Lula – assinou compromisso para a legalização do Ensino Religioso nas escolas publicas. Pediram os bispos uma lei estadual com a correspondente regulamentação sobre o assunto.
A expressão "ensino religioso católico" ia e vinha, ora citando algum país do mundo em que está assegurado por leis ad hoc; ora exaltando o caráter ecumênico possível nas escolas, com a liberdade de qualquer culto que tenha gente preparada, também ter a possibilidade de fornecer "ensino religioso" a seus adeptos, ao lado do que faria a Igreja Católica Apostólica e Romana (sic) que, por ser absolutamente majoritária em nosso país, gozaria de direitos de maioria. Nas entrelinhas acenava-se para outras tantas supostas razões, que certamente poderiam estar baseadas até na própria história da nação, desde o atestado de "achamento da Terra de Santa Cruz" de Pero Vaz de Caminha, em seqüência até mesmo dos Lusíadas em que Camões canta em sua epopéia que Portugal recebera do próprio Deus a missão de "dilatar a fé e o império" sem descurar nem mesmo os grandes serviços prestados à nação durante cinco séculos e que foram, nos tempos de hoje, ampliados em todos os meios sociais.
Houve até um leigo, no plenário, que se expressou no sentido de reconhecer que a solicitação não seria fácil de atender tendo presente a declaração constitucional de que o estado brasileiro é "estado leigo". Essa mesma pessoa referiu-se a que o "ensino religioso" deveria ser ensino sobre "os valores". Essa última alusão ao ensino de valores, até que alargou um pouco a abrangência da expressão ensino religioso.
Em relação ao cristianismo, a caracterização da fé como "ensino religioso" sempre se nos afigurou como designação canhestra. Reduzi-lo a uma doutrina ou a uma simples disciplina do currículo escolar, é jogá-lo a uma vala comum. É não esclarecer absolutamente nada do que é na verdade. Cansamos, no Brasil, como professores de "dar aulas de ensino religioso". Durante anos e anos lecionando no curso secundário clássico e científico, na primeira série aulas de dogma; na segunda, moral e na terceira série que culminava com a formatura, sacramentos.
O Homem Jesus de Nazaré, no qual todos nascemos para a fé, e logo a seguir os seus fiéis primeiros discípulos ou apóstolos foram extremamente criativos em expressões que possam designar com excelência, aquele em quem acreditamos e o que acreditamos. Ao mesmo tempo uma pessoa e aquilo que essa pessoa falou e continua a falar para todas as gerações de todos os tempos. Daí vocábulos ou expressões como Reino de Deus, Caminho, Evangelização, Boa Nova, Kerigma (primeiro anúncio), Catequese (da língua grega, textualmente: serviço de fazer ecoar a Boa Nova), numa tentativa permanente de sucessivas aproximações.
Na América Latina, nos últimos 50 anos também fomos inventivos. Ansiados de libertação perante uma massa humana de socialmente excluídos, começamos a falar e a criar Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastorais, Evangelização, Catequese Libertadora e Teologia da Libertação. Nossa grande sacada evangelizadora, kerigmática, catequética e teológica é o Homem Jesus de Nazaré, sem naturalmente esquecer Jesus Cristo, o Homem-Deus ressuscitado e "à direita do Pai nos enviando constantemente o Seu Espírito, na pessoa da terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo.
Dialogando com todas as religiões existentes, costumamos dizer que Deus é um só e que os caminhos para se chegar até Ele são os mais diversos. Convivemos assim fraternalmente e ecumenicamente com todas as religiões. Porém sem nos considerarmos superiores a ninguém, nossa especificidade, nosso diferencial como cristãos é que nosso Deus não é um ser abstrato e lá em cima, inteiramente sobrenatural, fora do mundo, mas é um Homem. É Jesus de Nazaré.
Fomos à cidade de Medellín (Colômbia) no ano de 1968 a convite de Dom Hélder Câmara, secretário executivo da CNBB e de Dom Larrain, presidente do CELAM, a fim de participar de um Congresso Internacional de Catequese no qual propugnamos por uma Catequese Latino-Americana que designamos como Catequese Libertadora, cuja prática nas Comunidades Eclesiais de Base, acabou construindo um modelo novo de Igreja para nosso continente, ao lado do tradicional modelo europeu.
Algumas das idéias que defendemos no memorável encontro foram as seguintes:
"História da Salvação Geral e História da Salvação Particular são uma só e mesma história.
Toda a história humana em seus mais de 600.000 anos de "homo sapiens" é a história da salvação geral. Tudo deve ser visto como um único desígnio salvífico de criação e redenção em Cristo, cujo mistério é onipresente. O Povo de Deus é em primeiro lugar a humanidade inteira.
A história da salvação particular, num contínuo Israel-Igreja, é serviço no mundo e para o mundo.
O absoluto do cristianismo não pode ser visto triunfalisticamente, numa "Igreja necessária para a salvação". Ela não é necessária para que os outros comecem a ter verdade e graça. Essas lhes são possíveis sem a Igreja. A missão da Igreja é a de ser sinal de referência, sinal elevado, "sacramento". Se é exato chamar a Igreja de "humanidade consciente" (Congar) devemos saber que antes de tudo ela deve ser "humanidade", isto é presença transformadora do mundo. A missão da Igreja está em "ser mais", ser sinal. Este "ser mais" da Igreja no mundo, se olharmos historicamente o caráter original do judeu-cristianismo, deve revelar-se sobretudo no "ser para frente", na arrancada de Êxodo constante.
Face às demais religiões, o judeu-cristianismo tem sua originalidade na Historicização da Salvação; no fato de a salvação do homem não se processar numa forma verticalista, através de uma relação a-histórica e acósmica com a divindade.
As categorias essenciais da Bíblia são todas referentes à mudança e à mobilidade histórica para frente: Êxodo, caminhada à luz das promessas, messianismo, sair da sua pátria. Trata-se de uma "desinstalação" constante. É a marca da missão de Abraão e Moisés; é a insistência fundamental dos profetas. Daí a importância de que se reveste o tema do deserto e do exílio. Quando o povo de Israel cai na tentação da instalação, os profetas o recolocam na perspectiva de caminhada histórica.
A visão bíblica de Deus é do Emanuel, um Deus que caminha com o povo; um Deus de radical imanência na temporalidade histórica. A sua transcendência reside no fato de ser o "oculto", o "maior", o Deus à frente de nós, nas fronteiras do futuro histórico. Os profetas são os que leem os apelos de Deus através dos fatos históricos e políticos.
O Deus da bíblia é um Deus provocante, isto é, que chama para frente na História. Ele exige uma constante fuga do mundo, no sentido de "fuga para frente" e não de "fuga para fora do mundo". Ele exige uma ruptura do presente em direção ao futuro. A visão grega do mundo (cosmos) era fixista, ao passo que a visão bíblica é dinâmica.
O sagrado não está nas coisas (fórmulas, palavras, objetos), mas está no movimento de humanização da história pelo "cuidado da criação" e transformação da natureza" (livro Empoderamento Popular, Antônio Cechin, ESTEF, pág. 34)
Em síntese: catequese latino-americana ou catequese libertadora é "uma escalada rumo aos píncaros da Humanização". O Homem-Jesus-de-Nazaré é Humano, tão infinitamente Humano que, no dizer do teólogo-filósofo Leonardo Boff "esse Homem só pode ser o próprio Deus".
Na saída do "café com o Governador Tarso", logo defronte à porta de entrada do palácio Piratini, no outro lado da calçada, lá estavam uns 10 professores, uma vanguarda do seu sindicato (CEPRS), ainda estremunhados pela noite mal dormida, em vigília por suas reivindicações ao governo, em nome dos 90.000 professores de todo o estado do Rio Grande do Sul, por salários mais dignos e por insatisfação face ao novo currículo escolar a ser introduzido em todas as escolas públicas por iniciativa do governo que, segundo eles, começará a ser implantado no início do ano escolar de 2012.
Os bispos e coordenadores dos setores da Pastoral, em cuja caravana entramos solenemente no Piratini, nem na entrada nem na saída do palácio deram a mínima importância àquele grupinho de "ovelhas sem pastor". Certamente o Homem-Deus Jesus de Nazaré que em vida jamais penetrou em algum palácio governamental, à exceção de uma única vez a fim de ouvir sua sentença de morte, com certeza estava bem presente no meio desse grupo de militantes das melhores causas em favor de todos os seus irmãos professores.
Sequer me atrevi a dizer qualquer palavra ao grupo. A tentação não foi pequena em face de serem todos meus colegas de profissão: todos professores como eu. Qual teria sido a reação deles se eu tivesse dito a alguém que me tivesse perguntado sobre quem éramos nós e o que acabáramos de fazer no palácio.
Sofreei-me no ímpeto de dizer: a Igreja Católica do Rio Grande foi oficialmente pediu ao Governador Tarso a qualificação do currículo escolar através de uma lei introduzindo o "ensino religioso" em todas as escolas do Estado.
Não acredito que se sentiriam satisfeitos pelo adjetivo "qualificação do currículo". No mínimo algum deles poderia com razão retrucar: "Nosso currículo está muito longe de uma autêntica humanização. Será que isso não é básico para uma culminância rumo a uma divinização? Ou então: Qual o sinal que os cristãos nos dão naquilo que é seu desejo em relação a ensino religioso, se não nos apóiam em favor de melhores salários e de um currículo melhor, realmente novo?
Como Catequistas da Libertação, estamos convencidos de que, na América Latina, particularmente no Brasil, não nos apropriamos ainda das riquezas produzidas em Medellín, na grande Assembléia do episcopado com vistas a atualizar para nosso continente o Concílio Vaticano II, através de uma catequese verdadeiramente digna de Jesus e dos 12 primeiros apóstolos.
Numa síntese informativa do resultado de nossas reflexões em Medellín, assim definimos Catequese Libertadora como um único processo realizado em quatro etapas sucessivas, constituindo-se em um único ato catequético, sempre em Comunidade. Ei-la:
a) -"Uma Comunidade se reúne, reflete sobre o seu próprio processo histórico. Na transparência desse processo descobre a Pessoa de Jesus de Nazaré dando sentido a tudo (é a evangelização).
b) - Feita esta descoberta do Ressuscitado presente em meio a nós como Comunidade, através da cadeia dos fatos, temos vontade de nos encontrar com Ele através de um diálogo orante (é a Liturgia).
c) - Em seguida nos damos conta de que não somos os primeiros a fazer esta descoberta sensacional do Deus Vivo em meio a nós. Toda uma cadeia de predecessores fizeram esta mesma descoberta ao longo dos tempos, tendo sido o primeiro, o patriarca Abraão, nosso Pai na fé (é a descoberta da Tradição num contínuo Israel-Igreja).
d) - A presença do Ressuscitado nos provoca então a termos um comportamento condizente, através de uma militância a favor de uma humanização sempre crescente do nosso entorno, onde vive nosso próximo, no micro-processo histórico individual e local; e no macro-processo histórico coletivo e universal" (é nosso compromisso ou engajamento).
Para concluir esta modesta reflexão catequética, invoco em meu favor a entidade cujo jornal virtual é lançado diariamente e que de vez em quando publica textos assim como este.Trata-se do Instituto Humanitas Unisinos - IHU que, em meu entender, desempenha o papel de Instituto Central. Como um fio de ouro entrelaça todas as atividades da universidade como um todo.
Conheço universidades, numa das quais eu fui secretário nos idos de 1950, que tinham a cadeira de religião, outras tiveram e ainda continuam tendo a cadeira de Teologia ou mesmo de Ensino Religioso.
Aqui, na UNISINOS, tivemos três manos que lecionaram quando havia a cadeira de "Humanismo e Tecnologia". Era no início do novo modelo de Igreja para nossa América Latina. Meus manos, lembro que até davam naqueles anos, temas extraídos do livro "o Processo Civilizatório" do escritor Darcy Azambuja, fundador da universidade de Brasília e que havia dotado aquela universidade da cadeira de "Teologia Pública", ocupada pelo falecido professor dominicano Mateus Rocha desde a fundação. Este frade também foi iniciador, no Brasil, de grupos de jovens católicos tanto de JEC como de JUC.
Tanto quanto eu adivinho, a cadeira Humanismo e Tecnologia, na Unisinos desabrochou no que chamamos hoje Instituto Humanitas. Creio que neste Instituto pretende-se à letra, "uma escalada rumo aos píncaros da humanização". Basta, para tanto, na transparência dos fatos e temas da História Universal, dotar nossos estudantes de um sexto sentido que os faça ler o processo histórico humano universal, também como processo histórico de salvação.
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Catequese Libertadora: Uma escalada aos píncaros da humanização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU