19 Agosto 2011
Os poucos cristãos árabes presentes na Jornada Mundial da Juventude pedem para não serem esquecidos. Na Líbia e mais ainda na Síria, temem que a queda dos regimes lhes traga mais mal que bem. A cautela da diplomacia vaticana.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 18-08-2011. A tradução é do Cepat.
Entre as centenas de milhares de jovens que chegaram a Madri para a Jornada Mundial da Juventude – com a chegada, na quarta-feira, do papa Bento XVI à capital espanhola – há também alguns que vieram dos países árabes.
São pequenos grupos, a maioria libaneses. A "revolução" juvenil que animou as praças de várias cidades árabes encontra um mínimo eco em Madri.
Os motivos são múltiplos. Os cristãos participaram de forma marginal desta "revolução". E até agora não obtiveram nenhum benefício. No Egito, por exemplo, a gestos iniciais de fraternidade entre cristãos coptas e muçulmanos se seguiu uma recuperação das correntes islâmicas mais hostis, com novas agressões a homens e igrejas.
Em quase todos os lados, além disso, os bispos do lugar, tanto católicos como ortodoxos, impediram que seus fiéis tomassem parte ativa nas manifestações contra os regimes.
A própria diplomacia vaticana se moveu com extrema cautela. Bento XVI se expressou com palavras raras e muito medidas.
Um precedente eloquente é o do Iraque. Ali, a hierarquia católica acompanhou de forma visível Saddam Hussein. Sua ditadura garantia aos cristãos uma proteção que – temiam – diminuiria com a queda do regime.
Assim efetivamente aconteceu. Antes das duas guerras do Golfo, os cristãos no Iraque eram mais de dois milhões. Hoje o número estimado é de 400.000, constantemente sob ameaça.
O desgosto da Santa Sé com as duas guerras do Iraque teve também nisto a sua explicação.
Hoje os casos chamativos são dois: Líbia e Síria.
* * *
Na Líbia, o vigário apostólico de Trípoli, Giovanni Innocenzo Martinelli, se opôs desde o começo e com firmeza à guerra empreendida contra Gadafi por parte das potências ocidentais, com o aval da ONU e o apoio de alguns países árabes.
No começo, essa guerra gozou do consentimento tácito das autoridades vaticanas. Mas rapidamente, o Papa e a Santa Sé começaram a insistir para que as armas abrissem lugar a uma solução pacífica.
Na opinião do bispo Martinelli, a Líbia era com Gadafi o país árabe no qual os cristãos gozavam das mais amplas liberdades, exceto a de converter os muçulmanos ao cristianismo.
Depois de uma repressão inicial aos cristãos, Gadafi havia cumprido um chamativo giro em sua marcha. Em 1986, escreveu a João Paulo II para lhe pedir que lhe enviasse irmãs e enfermeiras católicas, em grande parte filipinas. Na opinião do bispo Martinelli, "estas mulheres católicas, competentes, gentis, que tratam os doentes de forma humana, estão mudando a mentalidade do povo líbio em relação ao cristianismo". Gadafi estava orgulhoso: quando recebia a visita de um homem de governo estrangeiro, invariavelmente o levava a visitar a catedral católica de Trípoli.
Por isso, tanto para o bispo de Trípoli como para as autoridades vaticanas uma saída de cena de Gadafi abriria o caminho para um futuro cheio de insídias para os católicos presentes na Líbia. Na sua opinião, o confuso cartel dos opositores não promete nada bom.
* * *
O caso da Síria é ainda mais problemático. Para os cristãos, tanto católicos como ortodoxos, a ditadura de Bashar al-Assad garante uma proteção que uma queda sua seguramente poria em perigo. Isto é tão certo que a maior parte dos cristãos iraquianos encontra refúgio precisamente na Síria, quando se refugiam no estrangeiro.
As palavras mais explícitas que Bento XVI dedicou, até agora, à Síria são as que pronunciou depois do Angelus do domingo, 7 de agosto:
"Sigo com viva preocupação os dramáticos e crescentes episódios de violência na Síria, que provocaram numerosas vítimas e graves sofrimentos. Convido os fiéis católicos a rezar, para que o esforço para a reconciliação prevaleça sobre a divisão e o rancor. Além disso, volto a fazer às autoridades e à população síria uma insistente exortação, para que se restabeleça o quanto antes a pacífica convivência e se responda adequadamente às legítimas aspirações dos cidadãos, no respeito de sua dignidade e em benefício da estabilidade regional".
Sobre esta exortação do Papa os meios de comunicação sírios não disseram uma única palavra. Em uma entrevista concedida pouco depois à Rádio Vaticana, Gregorios III, patriarca da Igreja greco-melquita católica, expressou suas condolências pelos mortos, "de ambas as partes, tanto do lado dos manifestantes como do exército" e disse: "Não temos medo do Islã, temos medo que também o caos ingresse na Síria, assim como aconteceu no Iraque".
Gregorios III não falava desde a sede oficial do patriarcado, em Damasco, mas de sua residência de verão de Ain-Traz, no Líbano, e falava para um público estrangeiro. Com efeito, na Síria nunca nenhum dirigente da Igreja se atreveu até agora a falar em público de uma era pós-Assad nem a defender os manifestantes que o regime desqualifica em bloco como "terroristas".
Na Síria convertem em texto de Gregorios III as cartas escritas por ele a chefes de Estado ocidentais para lhes pedir que apoiassem Assad e não ajudassem os protestos, que podem ser lidos no sítio do patriarcado, em árabe, inglês e francês.
Outros expoentes das igrejas cristãs da Síria se expressaram com palavras ainda mais explícitas de apoio ao presidente Assad. Um artigo do Asia News concedeu um relatório detalhado.
De acordo com os relatórios do Asia News, um auxiliar do patriarca siro-ortodoxo Ignazio Zakka I, no final de uma "oração ecumênica" pró-Assad teria inclusive expulsado o embaixador norte-americano na Síria, Robert Ford, acusando-o de ter manifestado solidariedade com os opositores de Hama, cidade sede de violentos conflitos, com numerosos mortos abatidos pelos tanques do regime. O Departamento de Estado americano desmentiu.
Com os Assad, na Síria dominam os alawiti, uma minoria islâmica xiita, muito desprezada pela maioria sunita. Os cristãos católicos e ortodoxos gozam de um "estatuto pessoal" favorável, em grande parte tomado do Código de Direito Canônico para as Igrejas Orientais, promulgado por João Paulo II em 1990.
As relações entre Assad, Gregorios III e outros líderes cristãos são formalmente boas. A visita a Damasco do papa Karol Wojtyla, em 2001, foi um sucesso para o presidente. O Papa ouviu sem reagir um audaz ataque contra Israel e os judeus.
O núncio apostólico em Damasco, o arcebispo Mario Zenari, definiu recentemente a Síria como "exemplo de harmonia entre as diferentes confissões religiosas e de respeito mútuo entre a maioria muçulmana e a minoria cristã".
Mas em privado, vários chefes de Igreja duvidam cada vez mais que o regime de Assad resista, e começam a tomar distância. Alguns, há mais tempo, se recolheram a um cauto silêncio, por exemplo, o vigário apostólico latino de Aleppo, o bispo Giuseppe Nazzaro, franciscano italiano.
Uma queda de Assad é considerada por muitos cristãos da Síria como um pesadelo. Mas muitos compartilham também as justas razões de protesto contra uma ditadura que se revela cada vez mais impiedosa, corrupta e inaceitável.
E do mundo exterior e das Igrejas não esperam silêncio e desinteresse, mas um apoio efetivo.
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Sol em Madri e tempestade em Damasco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU