24 Março 2011
Um silêncio que é aceitação passiva das incursões aéreas contra Gadafi. Por fins "humanitários"? O bispo de Trípoli não acredita: "Esta guerra não resolve nada".
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio Chiesa, 24-03-2011. A tradução é do Cepat.
No momento em que, em Paris, acontece a solene abertura do Átrio do Gentios desejado pelo Papa Bento para um diálogo pacífico, em nível planetário, entre homens de fé e homens afastados de Deus, essa mesma Paris e o presidente francês Nicolas Sarkozy – seguida de outras capitais do Ocidente em ordem dispersa – lançaram a mais desastrosa Babel política e militar jamais vista neste século, em escala internacional.
Uma Babel que cai sobre a Líbia, esta última dividida entre Gadafi e os insurgentes. Mas ela é atacada por Estados por, sua vez, estão divididos por interesses e rivalidades, e que estão privados de um comando unificado. Privados também de objetivos comuns e de uma visão global mínima.
Uma Babel cujos desenvolvimentos levam todos ao pior. No dia 22 de março, Vittorio Emanuele Parsi, professor da Universidade Católica de Milão, contado entre os mais destacados especialistas em política internacional, consagrou uma página inteira no Avvenire, o jornal da Conferência dos Bispos da Itália, à análise de todas as consequências possíveis da aventura líbia. Entre as "mil incógnitas" examinadas, não há uma única que tranquilize.
Mas nesta confusão babélica há um outro elemento: o silêncio das autoridades da Igreja católica.
Um silêncio que contrasta com os julgamentos apressados que as próprias autoridades da Igreja, em diferentes níveis, emitem cada vez que se pega em armas entre os Estados e dentro deles. Cada vez que se levou a cabo um massacre.
Certamente, para proteger aqueles que estão expostos a novas agressões, a Igreja recorre amplamente à virtude da prudência. O realismo político não lhe é estranho. Seus fiéis estão presentes em todos os continentes e em alguns lugares enfrentam riscos mortais.
Mas, mesmo prudente, o juízo da Igreja é por norma nítido, sem equívoco, nem sequer é dogmático. João Paulo II fez tudo o que estava ao seu alcance para se contrapor à segunda guerra do Golfo, no Iraque, mas nunca chegou a condenar teológica nem moralmente os católicos que a consideraram justa.
Desta vez, ao contrário, silencia qualquer juízo.
No Ângelus do domingo, 20 de março, Bento XVI pediu proteção e segurança para os cidadãos desarmados e rezou para que "surja o mais rapidamente possível um horizonte de paz e de concórdia sobre a Líbia e sobre toda a região da África do Norte". Mas não expressou nenhuma apreciação, nem sequer velada, sobre a guerra.
Porque esta linha – do "no comment" sobre as ações militares empreendidas na Líbia por alguns governos ocidentais – parece ser a linha adotada pela Secretaria de Estado do Vaticano. O L’Osservatore Romano, que expressa institucionalmente esta linha, estampou uma manchete que ocupa a página inteira, enquanto estavam em pleno processo de execução os ataques de mísseis e aéreos: "Um horizonte de paz para a Líbia". E, imediatamente, abaixo uma foto do Papa soltando uma pomba, e a referência à sua oração e ao seu apelo humanitário.
A "ingerência humanitária" é a única razão à qual as autoridades da Igreja se referiram nas últimas décadas para justificar uma intervenção armada em um determinado país.
João Paulo II a invocou em defesa da Bósnia e depois do Kosovo, quando as potências ocidentais se mostravam reticentes para intervir. Deu a entender – sem ser ouvido – que a teria querido também para Ruanda, quando o genocídio era iminente.
Analogamente, Bento XVI concedeu aos Estados e à comunidade internacional a "responsabilidade de proteger" os povos das agressões, no discurso pronunciado por ele em Nova York no dia 18 de abril de 2008, na ONU.
O cardeal Angelo Bagnasco, presidente da Conferência dos Bispos da Itália, confirmou esse mesmo princípio quando disse, há poucos dias: "O Evangelho nos indica que nós temos o dever de intervir para salvar aqueles que estão em dificuldades".
Mas esse princípio pode ser aplicado ao caso da Líbia? Não, segundo o sentimento do mais autorizado dos testemunhos em campo, o vigário apostólico de Trípoli, Giovanni Innocenzo Martinelli. "Não são as bombas que podem nos dar a paz", disse em uma entrevista concedida no dia 22 de março à Rádio Vaticana.
E na entrevista do dia seguinte dada ao Il Foglio, o bispo Martinelli expressou com palavras ainda mais drásticas sua total oposição às incursões aéreas ocidentais: "Aqueles que dizem que a intervenção militar na Líbia tem fins humanitários me fazem rir".
Com efeito, mais que o extermínio de uma população desprotegida e inocente por parte do regime de Gadafi, o que se tem efetivamente na Líbia é uma verdadeira guerra civil contra insurgentes também eles armados. Uma guerra civil que a intervenção militar de alguns Estados ocidentais estão longe de resolver satisfatoriamente.
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O "no comment" das autoridades vaticanas em relação à Líbia é tanto mais golpeante quanto esta inatividade se estende, há tempo, ao conjunto do mundo árabe e do Oriente Médio.
O que está acontecendo no Iêmen, em Bahrein ou no Egito parece ser registrado pelos diplomatas do Vaticano com a mesma passividade derrotista com que tomam nota do caso líbio.
Também aqui o L’Osservatore Romano reflete diligentemente as orientações da Secretaria de Estado. Ao referir-se, por exemplo, à esmagadora vitória do "sim" no referendo de 20 de março sobre as mudanças na Constituição do Egito, o jornal da Santa Sé mencionou, como único juízo sobre o voto, o que disse sobre o caso o conselheiro da Casa Branca, para quem "os resultados do referendo representam um sucesso para a transição democrática em um dos países chaves da região".
Ao passo que, no mesmo dia, 22 de março, e sobre o mesmo acontecimento, o referendo egípcio, o jornal dos bispos italianos – o Avvenire – publicou um editorial de Luigi Geninazzi com um tom contrário, como se infere já pelo título: "Primeiras desilusões sobre a primavera egípcia. Vitória da Irmandade Muçulmana e dos pró-Mubarak".
Com efeito, esse despertar democrático que se havia entrevisto em janeiro e fevereiro no Cairo, na Praça Tahrir, com muçulmanos e cristãos coptas se fraternizando, é hoje mais uma lembrança que realidade.
A trégua que se seguiu após o Natal sangrento em Alexandria, no Egito, deu lugar, neste mês de março, a uma retomada das agressões islâmicas contra os coptas e suas igrejas.
E agora, a vitória da Irmandade Muçulmana no referendo constitucional validou definitivamente o artigo 2 que indica que a sharia islâmica constitui a principal fonte da legislação, também para o futuro do Egito. Um duríssimo golpe – comentou o Avvenire – para a população cristã do Egito, para a qual "a reforma da Constituição sempre representou uma questão de vida ou morte".
"A Líbia vacila. Entretanto, o Líbano já está perdido", é o título de um artigo publicado pelo sítio Chiesa no começo de março e que faz referência ao poder excessivo do Hezbollah naquele que foi o último reino cristão do Oriente.
Hoje, a Líbia está ainda mais em perigo. No Egito, que para muitos árabes é o país guia, os islâmicos ganham cada vez mais terreno. No Iêmen, depois de um massacre a frio de 52 manifestantes em apenas um dia – 18 de março – um general ambiciona tomar o poder: Ali Mushsen Saleh, também ele desprovido de qualquer credencial democrática. No Bahrein, a monarquia sunita se viu obrigada a recorrer ao exército da vizinha Arábia Saudita para submeter a população xiita rebelde, apoiada pelo Irã... E mais longe, nesse Paquistão do "Islã puro" que quer levar à morte a cristã Asia Bibi e que há pouco viu o martírio do ministro Shahbaz Batthi, outros cristãos foram assassinados, no dia 23 de março, em frente a uma igreja de Hyderabad.
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O Vaticano alia-se à Babel da Líbia, calando-se - Instituto Humanitas Unisinos - IHU