03 Janeiro 2023
As diferentes opiniões sobre Ratzinger dependem muito do fato de que seu pensamento passou por pelo menos três fases de desenvolvimento que não são compreensíveis como um processo linear. O jovem Ratzinger realmente escreveu coisas novas ou revolucionárias que o Ratzinger maduro e depois o Papa Bento XVI quiseram esclarecer e às vezes retratar.
A entrevista com Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, é de Pierluigi Mele, publicada por Rainews, 02-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até o Concílio Vaticano II havia um Ratzinger diferente, que justamente a experiência pós-conciliar de 1968 em diante mudou profundamente. Na sua opinião, quais são as palavras-chave que podem caracterizar o seu pontificado?
Como pontífice, Bento quis tentar uma releitura da reforma conciliar do Vaticano II que evitasse todas as rupturas e qualquer descontinuidade. No entanto, esse projeto favoreceu indiretamente as forças anticonciliares presentes na igreja. Em certo sentido, identificou o serviço da verdade como uma continuidade da tradição, em todos os campos. Isso produziu um bloqueio da tradição que se impôs como um verdadeiro "dispositivo".
Sabemos que sua teologia era uma teologia da tradição. No entanto, a sua crítica da modernidade continha elementos da modernidade ou mesmo da pós-modernidade. Alguém escreveu que ele era um "Iluminista" católico (a referência em seu testamento à razão e à ciência). Você concorda?
Apenas parcialmente. Não há dúvida de que o teólogo Ratzinger usou com sutileza a razão em sua relação com a fé. Mas depois de um início surpreendente nas décadas de 1950 e 1960, seu recurso à razão foi bastante anti-iluminista e apologético. Sua argumentação chegava muitas vezes a paradoxos, diante dos quais a tradição prevalecia por afeto, não segundo razão.
Vamos aprofundar um pouco a questão do relativismo ético-moral do Ocidente, um cavalo de batalha de Ratzinger. Como esse ponto deve ser entendido?
Nesse ponto, que também emerge claramente de seu testamento espiritual, Ratzinger destacou os limites da compreensão moderna do homem, do mundo e de Deus. Mas se no início essa dialética forte abria brechas de luz para novas visões da tradição, após o Concílio tornou-se cada vez mais uma forma de defesa da tradição ante o modernismo. O moderno tornou-se corrupção da tradição, da qual era preciso se defender.
Qual foi o limite da sua ação pastoral?
O maior limite é justamente a irrelevância da "natureza pastoral" na teologia do Ratzinger maduro. O que significa que a tradição não pode sofrer traduções. Aqui reside o núcleo reativo a toda verdadeira reforma, que é lida como perda da verdade, cuja substância não permite novos revestimentos. A história, na teologia de Ratzinger, não tem nenhuma profundidade.
A convivência inédita, talvez o termo não seja correto, com o Papa Francisco levou alguns a imaginar conflitos entre as duas personalidades tão diferentes. Houve conflitos?
Não conflitos. Mas descontinuidades. Sobretudo na relação com o Vaticano II, do qual Bento é o pai, enquanto Francisco é o filho. Isso muda tudo, primeiramente libertando Francisco de qualquer sentimento de culpa.
Quanto de Ratzinger há em Francisco?
Do ponto de vista teológico, pouco. Talvez a maior continuidade esteja na concepção do ministério.
Qual é o seu maior legado?
O maior legado está no lúcido reconhecimento de que um projeto de reação ao Concílio Vaticano II nos termos limitados de uma apologética antimodernista não poderia ter sucesso. Ter renunciado ao exercício do ministério petrino foi o ápice de uma nova consciência, amadurecida com muito esforço e honestidade até contra si mesmo, como parece evidente no tom bastante diferente que emerge do testamento espiritual.
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Ratzinger, entre tradição e modernidade. Entrevista com Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU