14 Abril 2021
"Será preciso tempo e perseverança para sermos uma Igreja cujo ânimo vital para evangelizar se funda na Palavra. Não é, pois, uma meta restrita a realizações esporádicas ou circunstanciais. É para permear a inteireza dos processos de pastoreio. Ambas dependem de ampla ministerialidade", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e professor na Faculdade Vicentina (FAVI).
O tema central 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) diz respeito ao Pilar da Palavra proposto pelas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023 – com o tema “Casas da Palavra – Animação Bíblica da Pastoral a partir das comunidades eclesiais missionárias”. Eis a proposta: a Igreja no Brasil é convocada a unir forças e, na consolidação das comunidades eclesiais missionárias, investir assertivamente na Animação Bíblica da Pastoral.
Como sabemos a Igreja no Brasil fez, com as Diretrizes Gerais 2019-2023 a opção por avançar ainda mais na criação e no amadurecimento das comunidades eclesiais missionárias. Trata-se de um projeto de vida eclesial. No entender do texto estudado e debatido nesta Assembleia (do qual recortamos as ideias deste texto) – em um Brasil cada vez mais urbano, o melhor modo de aproximar-se da Palavra de Deus é fazer isso em pequenos grupos, com forte sentimento comunitário e dinamismo missionário. Por isso, nas atuais Diretrizes Gerais para a Ação Evangelizadora, faz-se uma decidida opção por formar comunidades eclesiais missionárias. Essas, por sua vez, reproduzindo a experiência de Jesus com os Doze, são um ambiente especial para a acolhida da Palavra por serem lugar de relacionamentos que encontram sua fonte em Jesus. Desse modo a casa-comunidade é reconhecida como Casa da Palavra.
Essas pequenas comunidades se encontram em direta e irrenunciável relação com a Animação Bíblica da Pastoral em toda a Igreja. Esta é a razão pela qual as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, tendo uma única prioridade, que são as comunidades eclesiais missionárias, indicam, entre os elementos essenciais para sua concretização, o pilar da Palavra de Deus. Desse modo, não se trata de apenas estabelecer ações que permitam maior contato com a Escritura Sagrada, sem que, no entanto, se trabalhe pela formação e pelo fortalecimento das comunidades eclesiais missionárias. O que se vive em comunidade é iluminado pela Palavra de Deus. O que se lê na Palavra de Deus é concretizado na vida em comunidade.
Sobre o contato com a Palavra de Deus, tem crescido a consciência de que estamos num tempo em que a Animação Bíblica da Pastoral adquire a característica de urgência. Vivemos um tempo de incertezas e perplexidades. A atual crise de referências é capaz de gerar distanciamento da Palavra de Deus ou sua leitura a partir de perspectivas que a própria Palavra condena. A forte individualização, que, aliada ao consumismo, vem marcando o mundo de nossos dias, corre o risco de levar ao distanciamento da vida em comunidade e consequentemente à diminuição do contato com a Palavra de Deus. Por isso, embora muito tenha sido feito, especialmente nas décadas posteriores ao Vaticano II, estamos em um daqueles momentos históricos em que é necessário fazer ainda mais. Estamos num tempo em que a dispersão e a fragmentação exigem que focalizemos nossa ação evangelizadora na vida em comunidade e no contato com a Palavra de Deus.
A centralidade da Palavra reconduz nossas comunidades às fontes verdadeiras da vida eclesial. Elas se renovam na medida em que a voz da Escritura for presença, inspiração e influência.
Convém destacar que, ao propor-se a Animação Bíblica da Vida e da Pastoral a Igreja no Brasil não busca nenhuma novidade. No entanto reconhece que se quiser evangelizar com alma, com paixão, se deseja que a fonte da Palavra sempre jorre para seu povo, não há caminho mais efetivo do que deixar-se mover pela força da Palavra em todas as suas ações e projetos. Sem a Palavra bíblica facilmente se esgota o diálogo com Deus; sem a leitura da Palavra não é possível o encanto por Jesus Cristo e o encontro com Ele. Consequentemente, o livro da Palavra, isto é, a Bíblia, é um precioso meio de encontro com Jesus Cristo.
Todavia, há um reconhecimento implícito de que a Palavra escrita de Deus ainda não recebe a centralidade que lhe é devida somada a hábitos pastorais a carecer de ânimos bíblicos. Embora já tenhamos percorrido muitos e belos caminhos, não se pode negar que nós católicos ainda carecemos de maiores afinidades com a Bíblia. Precisamos conhecê-la com maior profundidade e têm ocorrido muitos esforços nessa direção. Entretanto, cabe reconhecer que algumas interpretações se diferenciam por demais. Até contrastam. Talvez por procurar a Palavra escrita de Deus mais para respaldar ideias e projetos do que para fazer dela o princípio e fundamento da evangelização. Até aconteceu de buscar nas páginas da Escritura argumentos para justificar diferenças e polarizações. Os tempos urgem a novas experiências. Já são muitos os que sabem falar da Bíblia. Mas agora a Igreja sente a urgência de deixar a Palavra falar. Importa recordar que algumas comunidades, na prática, não colocam a Palavra de Deus como elemento central de sua ação pastoral e missionária. Constatam- se, então, devocionismos, dogmatismos e o esfriamento do trabalho com a Sagrada Escritura.
É preciso, no entanto, perceber que o pilar da Palavra não pode ser compreendido apenas como um conjunto de atividades a serem realizadas durante o quadriênio das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora. Trata-se, na verdade, de um passo na Animação Bíblica da Pastoral, permitindo que, a partir do contato com a Palavra de Deus, as comunidades se fortaleçam e, à semelhança do grão de mostarda (Mt 13,31-32), irradiem o compromisso pela vida de pessoas, povos e da casa comum, em especial nas situações de maior vulnerabilidade.
Não se trata aqui de enunciar novos formatos, novos esquemas e organismos, novas sistematizações organizacionais de paróquias ou dioceses. Mais do que tudo, e antes de qualquer outra iniciativa, por animação bíblica se pretende dizer que todos os agentes evangelizadores, sejam eles bispos, padres, religiosos(as), catequistas, ministros(as) extraordinários(as), coordenadores(as), administradores(as) de quaisquer instituições eclesiásticas, todos tenham o ânimo, a seiva interior originada do encontro com o Senhor mediante a Palavra. E quem o encontra, se alegra, passa a compreender e interpretar a realidade com os critérios de sua palavra.
É o caminho da conversão pastoral - que exige evangelizadores biblicamente animados que evangelizem biblicamente inspirados. Não se trata de um modo de fazer. É um modo de ser para que nossa Igreja seja mais bíblica na sua evangelização. Em nossos dias, torna-se indispensável estabelecer e fortalecer, em pessoas e comunidades, o vínculo entre a Palavra de Deus e a vida, tornando a ação pastoral cada vez mais alicerçada no contato fecundo com a Escritura Sagrada. Implantar a Animação Bíblica da Pastoral não se restringe a um tempo de campanhas, mas estabelecer um conjunto de ações que ajudem a que a Escritura Sagrada se faça mais presente na vida de uma diocese, uma paróquia, associação, pastoral ou movimento. Campanhas têm começo, meio e fim. Destinam-se a uma finalidade bem específica. São diferentes de processos, que, para serem deslanchados, necessitam de adequação à realidade local, acompanhamento contínuo, longa duração e envolvimento de todas as forças evangelizadoras. Destinam-se à mudança de mentalidade. Por isso, não podem ficar restritos a pequenos períodos, mas, ao contrário, tendem a uma longa duração, acontecendo em etapas bem planejadas e continuamente revisadas.
Será preciso tempo e perseverança para sermos uma Igreja cujo ânimo vital para evangelizar se funda na Palavra. Não é, pois, uma meta restrita a realizações esporádicas ou circunstanciais. É para permear a inteireza dos processos de pastoreio. Ambas dependem de ampla ministerialidade. Todos os membros ativos da vida eclesial, cada um na sua especificidade, são chamados a irradiar o ânimo bíblico. Para qualificar a experiência de escuta da Palavra de Deus e percorrer o caminho iluminado pela luz da Palavra, os católicos são chamados a crescer na convivência com a Sagrada Escritura. A Bíblia precisa ganhar espaço na agenda, na rotina dos discípulos missionários permeando as realidades do mundo, impregnando a cultura e a comunicação, a economia e a política e tornando-se fonte de santificação da vida cotidiana.
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Animação bíblica da pastoral a partir das comunidades eclesiais missionárias. A proposta da 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU