14 Julho 2023
Os temas do Sínodo são amplos e autênticos. O Instrumentum laboris, apesar das declarações, parece muito preocupado em não descarrilar a “doutrina” católica. Não sabemos como o debate se desenrolará. Certamente haverá tensões: elas são bem-vindas. O apelo é que não se recorra ao dito-não-dito. Que se possa chegar a conclusões que tenham impacto, também juridicamente, na vida da Igreja.
A opinião é de Vinicio Albanesi, padre italiano, professor do Instituto Teológico Marchigiano e presidente da Comunidade de Capodarco desde 1994.
O artigo foi publicado por Settimana News, 12-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sem dúvida, deve ter sido fatigante resumir os pontos-chave dos documentos que chegaram à Secretaria Geral do Sínodo para elaborar o esquema que servirá para discutir os temas propostos (Igreja sinodal, comunhão, participação, missão) na primeira sessão geral do Sínodo em 2023.
Um desafio enorme, pelo menos pelas passagens que as contribuições atravessaram e pelo modo como foram sintetizadas: Igreja local, Igreja nacional, Igreja continental, para depois chegar às sessões finais.
A partir da leitura do Instrumentum laboris emergem algumas características.
Em primeiro lugar, a linguagem. Trata-se de uma linguagem acadêmica: de manual teológico sobre os assuntos abordados. Talvez por completude, talvez pelas contribuições recebidas, é uma linguagem voltada a um mundo refinado de fiéis. Não tem nenhuma abordagem especial: teológica, moral, bíblica, litúrgica, jurídica, pastoral. Talvez seja bom assim: a preocupação é sublinhar a teologia da Igreja, com o resultado de que a discussão seja “apical”, mesmo que o objetivo indicado seja “abrir toda a Igreja para acolher a voz do Espírito Santo” (n. 16), quase como que invocando um novo “Pentecostes”.
O texto, longo e prolixo – mais do que os Evangelhos de Marcos e João juntos –, quando não tem nada a propor, invoca o “Espírito”, citado 92 vezes. Paralelamente, recorre-se aos termos sociológicos, cujo indicador é a palavra “processos”: um termo usado para a gestão de grupos (associações, grupos, empresas). Entre “conversão” e “processos” (citado 42 vezes), pode-se ler o que a Lumen gentium do Concílio Vaticano II refere no n. 8: “… a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino”: o problema é em quais relações se situam as dimensões humana e as de inspiração divina.
A suspeita é de que, diante das escolhas necessárias, se evite o problema, produzido por medo ou por ignorância. Um problema de verdade, especialmente quando observamos o mundo inteiro. Uma coisa é uma Igreja nascente e talvez perseguida, como se constata em alguns países de missão, outra coisa são as Igrejas cristãs que estão há séculos em fase de decadência.
As palavras escritas são supérfluas: “Uma vez que a ansiedade do limite é superada, a inevitável incompletude de uma Igreja sinodal e a prontidão de seus membros para abraçar as suas vulnerabilidades se tornam o espaço para a ação do Espírito, que nos convida a reconhecer os sinais de sua presença” (n. 31).
O risco de tal abordagem é que se atribua ao Espírito o caminho a ser percorrido, quase como se, caso nenhuma resposta seja acionada, a responsabilidade é dele.
Uma novidade é a parte confiada à “conversação no Espírito”: 11 números (nn. 32-42) do documento para um caminho, pelo menos para mim, desconhecido. Uma prática seguida, ao que parece, pelos jesuítas, que enfatiza a formação de grupos estáveis que devem escolher o futuro.
Existem outros caminhos, inviáveis e difíceis: a pobreza, a solidão, a dor, a insignificância. Sendeiros que levam a louvar a Deus pelo que se recebeu, para se ativar para oferecer cura.
A impressão que se tem do documento é de uma assembleia estável, segura, a caminho, mas sem grandes problemas a resolver. Os convites a “sair”, a gerir “os descartes”, a se ocupar do povo parecem distantes. A chamada “área cinzenta” da cristandade foi mantida fora da reflexão: aquela população – a grande maioria no Ocidente – que conservou resíduos de religiosidade, expressados intermitentemente.
Nenhuma referência à mudança global, à cultura moderna e pós-moderna, à mercantilização das relações, ao individualismo que oprime a humanidade. Como se cada cristão vivesse duas vidas: uma civil, a outra religiosa, esquecendo que a vida é única, imersa em contextos econômicos, políticos, sociais, religiosos.
Se as três palavras-chave do Sínodo queriam expressar a complexidade da ação da Igreja – comunhão, missão e participação –, elas foram conjugadas com uma abordagem que oscila entre a invocação a Deus e problemas (e probleminhas) muito humanos, que deveriam ser resolvidos (nn. 46-60).
As fichas de trabalho são mais significativas. As referências são pertinentes: unidade do gênero humano; os pobres, a casa, o planeta, as migrações, o bem comum, a política.
Amor e verdade: divorciados e recasados, discriminação racial, pessoas com deficiência, vítimas. O termo escolhido é “profecia”. Termo abusado, já utilizado para examinar a condição da Igreja argentina no período da ditadura (24 de março de 1976 a 10 de dezembro de 1983), declarando-a “não profética”.
É mais explícita a Nota Conjunta sobre a “Doutrina da Descoberta”, publicada conjuntamente pelo Dicastério para a Cultura e a Educação e pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. A propósito da descoberta das terras nos séculos XV e XVI, tal doutrina concedia o direito de “extinguir, por meio de compra ou conquista, o título ou a posse destas terras pelas populações indígenas”. A Nota declara que tal doutrina não faz parte do ensinamento da Igreja Católica, apesar das referências às bulas papais de 1452, 1455, 1493. Uma linguagem clara e definitiva, para reconhecer erros.
São abordados temas totalmente internos ao mundo eclesial (relações com as Igrejas orientais e ecumenismo): um caminho lento e problemático, que, para além das verdades cristãs, esconde histórias humanas de autonomia e de poder. Não mencionar isso é uma incorreção, incompreensível para a cultura moderna e a piedade popular.
A propósito das mulheres, existe todo um panegírico (B 2.3) sobre o fato de elas celebrarem a fé e serem “evangelizadoras e, muitas vezes, primeiras formadoras na fé”.
É verdade que, na história da Igreja, surgiram ao longo dos séculos figuras de mulheres “santas e bem-aventuradas”, recordadas por Bento XVI em algumas quartas-feiras (1º de setembro de 2010 a 26 de janeiro de 2011), assim como a devoção a Nossa Senhora é universal.
Só recentemente (janeiro de 2021) elas passaram a poder ter acesso aos ministérios do acolitado e do leitorado, após séculos de exclusão da presença junto ao altar. Devemos pedir perdão pelo modo como foram julgadas e tratadas. O fato de algumas delas ocuparem hoje funções elevadas na Santa Sé e estarem presentes no Sínodo é um bom presságio. Não sabemos nada da Comissão Teológica sobre o Diaconato das Mulheres, fechada uma primeira vez e recomposta.
Apelos semelhantes à responsabilidade dizem respeito aos leigos (B 2.4), chamados a participar mais ativamente na vida da Igreja.
Reflexão delicada sobre a autoridade episcopal: invoca-se transparência e responsabilidade; a estrutura ministerial da Igreja é rigidamente hierárquica em todos os níveis, paroquial, diocesano, nacional e universal.
A teologia não transige sobre a hierarquia, porque as funções dos clérigos estão ligadas ao sacramento da ordem: a discussão deveria ser aprofundada para distinguir as funções sagradas das jurídicas. Em outras palavras, o que é lei divina e o que é lei eclesiástica.
Por fim, aborda-se o tema (B 3.2) das comunidades religiosas, masculinas e femininas. Se a mensagem cristã não faz diferença de condições, a tensão entre o carisma das ordens e congregações e o anúncio territorial levanta problemas.
Os temas do Sínodo são amplos e autênticos. O Instrumentum laboris, apesar das declarações, parece muito preocupado em não descarrilar a “doutrina” católica. Não sabemos como o debate se desenrolará. Certamente haverá tensões: elas são bem-vindas. O apelo é que não se recorra ao dito-não-dito. Que se possa chegar a conclusões que tenham impacto, também juridicamente, na vida da Igreja.
De pouco serviria se terminasse na imprecisão, não definindo critérios e respostas: conversão, processos, discernimento (repetido 94 vezes) não podem eximir do caminho sincero e fiel da missão cristã.
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Sínodo: Instrumentum laboris? Artigo de Vinicio Albanesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU