09 Novembro 2021
"No ensaio, os milagres eucarísticos são lembrados e descritos (quando a hóstia em algumas circunstâncias se transmutava literalmente em um pedaço de carne) e se chega aos dias de hoje com a diatribe 'política' sobre a comunhão. Os clérigos de direita, por exemplo, nesta emergência pandêmica contestam a obrigação da comunhão dada nas mãos dos fiéis. Liturgicamente foi um desdobramento do Concílio Vaticano II e é um retorno às origens do cristianismo, antes da 'clericalização' da Eucaristia que inseriu uma distância entre o sacerdote e os participantes da missa", escreve Fabrizio D'Esposito, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 08-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Corpus Domini. A Eucaristia. O corpo e sangue de Cristo. O pão partido por Jesus na última ceia, na Quinta-feira Santa, antes da sexta-feira da crucificação e da morte. A hóstia consagrada é o centro da fé de todo católico e sobreviveu a vinte séculos de disputas teológicas, codificações da Santa Sé, até mesmo sacrilégios nos ritos satânicos ou mágicos no século XVI das bruxas e da Inquisição.
Mas de que forma está Cristo na Eucaristia? Católicos e reformadores protestantes de várias origens (não apenas luteranos) discutiram por décadas sobre a presença de Jesus na hóstia preparada com trigo.
Uma questão complexa. Para Roma, São Tomás de Aquino codificou a doutrina. Uma palavra difícil, talvez ouvida sem compreender seu sentido ou significado: transubstanciação. Ou seja, o momento da missa em que o pão e o vinho não mudam “suas propriedades químicas, visto que a substância” que se transforma não é “entendida em sentido físico, mas sim metafísico”. Em suma, o pão e o vinho mantêm as suas qualidades organolépticas, mesmo mudando a substância.
Mangiare Dio. Una storia dell’eucarestia
Intitula-se Mangiare Dio. Una storia dell’eucarestia (Comer Deus. Uma história da Eucaristia, em tradução livre, Einaudi, 251 páginas, 28 euros) o belo ensaio que o estudioso Matteo Al Kalak dedicou a um levantamento histórico e cultural do pão e do vinho que há quase dois mil anos se transformam no altar no corpo e sangue de Cristo. Al Kalak descreve em detalhes todas as etapas desse sacramento.
A Idade Média será decisiva por muitos motivos, onde duas tendências se chocaram na Igreja de Roma na era da Contrarreforma sancionada pelo Concílio de Trento. Por um lado, o rigorismo que combatia o laxismo eucarístico. Na prática, apenas aqueles que eram verdadeiramente "dignos" podiam se aproximar da comunhão. Por outro lado, ilustres prelados que depois se tornaram santos - o arcebispo Alfonso Maria de Liguori e o cardeal Carlo Borromeo - e sobretudo os jesuítas que lutaram para aproximar o maior número possível de fiéis ao corpo de Cristo, lembrando também o valor "medicinal" para a alma da Eucaristia.
No ensaio, os milagres eucarísticos são lembrados e descritos (quando a hóstia em algumas circunstâncias se transmutava literalmente em um pedaço de carne) e se chega aos dias de hoje com a diatribe "política" sobre a comunhão. Os clérigos de direita, por exemplo, nesta emergência pandêmica contestam a obrigação da comunhão dada nas mãos dos fiéis. Liturgicamente foi um desdobramento do Concílio Vaticano II e é um retorno às origens do cristianismo, antes da "clericalização" da Eucaristia que inseriu uma distância entre o sacerdote e os participantes da missa.
De qualquer forma, a ideia que deu origem ao ensaio é chocante. Começa a partir de um conhecido evento trágico em outubro de 1972, quando uma aeronave da Força Aérea Uruguaia caiu nos Andes, na fronteira entre o Chile e a Argentina. Os sobreviventes do acidente, para sobreviver, comeram a carne de seus companheiros. Canibalismo. Naquele avião estavam os jovens de um time de rúgbi de uma escola de Montevidéu: os Old Christians. Eles eram católicos e para ganhar força pensaram no paralelo entre a carne invisível do Cristo-hóstia e aquela de seus amigos mortos. Comer Deus, justamente.
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Comer Deus. Da última ceia à hóstia entregue: a história não só política da Eucaristia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU