Por: Patricia Fachin | 19 Janeiro 2017
“Está todo mundo com medo de uma revanche e de que essa guerra se expanda para a rua”, diz Juliana Melo à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone, ao comentar a atual situação do presídio de Alcaçuz, onde membros do PCC e do Sindicato do Crime do RN estão em confronto.
A pesquisadora tem acompanhado o caso de perto desde a manhã de domingo (15-01-17), quando esteve em frente ao presídio de Alcaçuz. Nesta semana, Juliana Melo foi à penitenciária na segunda-feira e na terça-feira e relata à IHU On-Line que há risco de confronto entre as mulheres dos presos. “Há conflitos entre as mulheres ligadas ao PCC e mulheres ligadas ao Sindicato do Crime do RN e, durante minhas visitas ao presídio de Alcaçuz, quase que tivemos que apartar as brigas entre elas, porque os seus maridos estão brigando dentro do presídio e elas começam a se ameaçar entre si e querer se vingar. Ou seja, isso já explica a tensão fora dos muros prisionais. Essa disputa, ao final, envolve não somente elas e os presos, mas também filhos, tios, parentes em geral e assim sucessivamente”.
Juliana explica que numa rebelião ocorrida no ano passado em Natal, “o Sindicato do Crime do RN matou membros do PCC” e que “o que está acontecendo agora é uma retaliação e um processo de vingança”. Entretanto, a pesquisadora ressalta que “o que está em jogo é a ocupação de um espaço deixado pelo Estado, devido à falência do sistema prisional e à superlotação”.
A socióloga comenta ainda que os “homicídios em Natal estão aumentando muito”, especialmente “nas periferias”, como na Favela do Japão, e nos bairros Nossa Senhora da Apresentação, Mãe Luiza. “Ou seja, essa guerra já está rua e já era parte da rua, ou seja, não é um processo que está acontecendo do nada”, informa.
Foto: Portal no Ar
Juliana Melo é doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília – UnB, mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e graduada em Ciências Sociais pela UnB. Leciona no Departamento de Antropologia/PPGAS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, onde coordena o Grupo de Pesquisa Cultura, Identidade e Representações Simbólicas – CIRS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a situação no presídio de Alcaçuz neste momento? Como foi sua visita ao local nas tardes de segunda-feira (16-01-17) e terça-feira (17-01-17), e como está avaliando as rebeliões que aconteceram nesse mês?
Juliana Melo – Eu estive lá na segunda-feira, mas ninguém está tendo acesso ao presídio. Eu fiquei do lado de fora, juntamente com os membros da Pastoral Carcerária, as mulheres dos presos e os jornalistas. A situação lá está tensa e o presídio está tomado pelas facções. Na segunda-feira o presídio estava dominando pelo PCC e os membros do Sindicato do Crime do RN gritavam por socorro. No final da tarde de segunda-feira a Polícia de Choque foi embora; as mulheres tentaram evitar a saída da polícia, porque estavam com medo de que houvesse um novo massacre.
É importante dizer que nem todos os presos que estão em Alcaçuz pertencem a facções, alguns, como os “irmãos” (evangélicos) estão no meio do fogo cruzado, desesperados e sendo pressionados para aderir a um grupo ou outro. Também não se pode dizer que o número de mortes é 26, porque há rumores de que existem muitos presos mortos a partir dos relatos das mulheres entrevistadas. Elas dizem que existem corpos nas fossas, mas ninguém teve acesso ao interior do presídio ainda para constatar o fato. Do mesmo modo, as mulheres também não estão tendo retorno sobre a situação dos seus parentes e muitas não sabem se seus parentes estão vivos ou mortos.
Dentro da prisão existem duas facções rivais principais: o Sindicato do Crime do RN e o Primeiro Comando da Capital - PCC, mas há outros grupos menores. Há também aqueles presos que não estão ligados a nenhuma delas, mas que, diante de uma situação de rebelião, se veem obrigados a entrar para um grupo ou outro para que possam sobreviver. Em Alcacuz, de modo geral, o PCC invadiu o pavilhão 4 no sábado (quando aconteceram as mortes) e na terça-feira estava tentando invadir o pavilhão 1, onde está a maioria dos membros do Sindicato do Crime.
Eu também estive lá ontem (17-01-17), e o presídio está tomado e só tem uma barricada separando o PCC e o Sindicato do Crime do RN, e a polícia ainda não entrou no presídio. Há boatos de que membros do Sindicato serão transferidos, mas o Sindicato não quer sair de lá e a transferência vai ser complicada. Há rumores – não posso confirmar essa informação – de que se os presos forem transferidos, o conflito será expandido para a rua. As mulheres dizem que também estão sendo ameaçadas e a situação não está resolvida de forma alguma.
O que está acontecendo no Rio Grande do Norte hoje está vinculado com o que aconteceu em Manaus, Roraima e no Paraná, e com os massacres que ocorreram no Rio Grande do Norte em 2013 e 2015, com os ataques do PCC em São Paulo anteriormente e assim sucessivamente. Tudo isso faz parte de uma mesma conjuntura.
Há rumores de que essa guerra se expanda para as ruas, porque a disputa entre as facções cria uma pressão para que outros presos e/ou criminosos se posicionem do lado de uma ou outra. O Sindicato do Crime é a maior facção no Rio Grande do Norte, mas não no Brasil. O que se percebe nessas rebeliões é que as facções estão criando uma resistência ao PCC e seu movimento expansionista. Porém, é muito importante dizer que não podemos restringir a situação do sistema prisional a uma briga entre facções. Na verdade o que está em jogo é a ocupação de um espaço deixado pelo Estado, devido à falência do sistema prisional e à superlotação.
Nesse sentido, as facções passam a ocupar um espaço vazio deixado pelo Estado, porque o Estado não fornece praticamente nada aos presos: nem direitos elementares, nem recursos básicos, nem acesso a advogados e defensores com qualidade e quantidade suficiente para atender todos os que são capturados pelo sistema. Na verdade, a maior parte das coisas que os presos têm, são levadas pelas famílias, que também vivem em situações de dificuldades e passam por situações degradantes. As facções, portanto, estão gerindo esse estado de miséria que é resultado das nossas políticas prisionais, da segurança pública e também da omissão da sociedade civil em relação a essa pauta e à repetição do lema de que “bandido bom é bandido morto”.
Esse vazio do Estado diz respeito à falta de eficácia da Justiça e está vinculada à grande desigualdade social brasileira. Para se ter uma ideia, mais de 40% dos presos são presos provisórios e não foram sequer julgados. A maior parte da população carcerária é negra, tem baixa escolaridade, é pobre, não tem recurso para pagar advogados e o acesso à defensoria pública é limitado. Diante desse cenário, muitos presos que não têm uma ligação direta com o crime organizado e/ou com facções em termos mais amplos acabam sendo forçados a aderir a elas, inclusive, para que possam sobreviver em um sistema marcado pelo terror e violência como é o prisional.
Pode-se dizer, inclusive, que a maioria das pessoas é presa por causa de furtos e “tráfico” de drogas. Particularmente nos presídios femininos têm crescido enormemente os casos de mulheres presas por conta do tráfico de drogas; aproximadamente 70% delas são presas por essa razão. A lei de drogas de 2006 fez uma separação entre o usuário e o traficante de drogas, com uma expectativa de que isso iria diminuir as prisões. Mas isso não aconteceu, ao contrário. Desde então, houve um aumento em quase 30% no número de pessoas presas e classificadas como “traficantes”, sem que necessariamente o sejam. Ao dizer isso, não estou querendo justificar e fazer apologia do tráfico, mas indicar como muitas mulheres, por exemplo, têm sido presas carregando uma quantidade ínfima de drogas e traficando para salvar, por exemplo, o filho que está sendo ameaçado de morte no sistema prisional. Ou seja, com essa política de encarceramento em massa e da “guerra às drogas” estamos criando um exército de pessoas que irão aderir ao crime e às facções, que estão ocupando, reitero, o vazio deixado pelo próprio Estado.
Nesse sentido, não adianta aumentar 30 mil vagas nos presídio, porque isso levará a um aumento do contingente de presos e ao fortalecimento das facções, como temos visto agora. Vou dar um exemplo sobre essa questão: durante o desenvolvimento das minhas pesquisas, conversei com mulheres que não tinham nenhuma vinculação com organizações criminosas, mas que tiveram seus filhos ameaçados por conta de dívidas de drogas quando presos por serem usuários. Como elas não têm recursos, é comum que aceitem fazer o papel de mulas (levar droga no corpo) e serem presas. Ou seja, casos como esses mostram que pessoas que não têm vínculos com o crime de uma forma mais ampla, passam a ter depois de entrarem na prisão e receberem o tratamento desumano que recebem.
Sei que tudo isso é difícil de entender, porque essa situação tem como pano de fundo as desigualdades sociais em termos gerais. Mas temos que pensar também que as pessoas que são colocadas no presídio não podem ser abandonadas lá, porque elas vão retornar. O sistema prisional brasileiro é um barril de pólvora prestes a estourar. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e a violência não vem diminuindo. O PCC, em termos de organização – não sou especialista sobre esse grupo - já está se expandindo por todo o Brasil e para outros países da América do Sul. Ao meu ver, agora, está tentando chegar ao Amazonas para disputar as rotas de tráfico internacionais e outros mercados ilícitos.
IHU On-Line – Os últimos vídeos que estão circulando na internet demonstram que o Sindicato do Crime está incitando uma revanche. Como os membros do PCC estão reagindo?
Juliana Melo - Quem cometeu o assassinato dos 26 presos foram os membros do PCC, e os membros do Sindicato estavam morrendo de medo e começaram a quebrar tudo que tinha no presídio. Ontem (17-01-17) os membros do Sindicato se armaram com pedaços de pau, mas mesmo assim o PCC continua gritando do outro lado. É como se fossem duas torcidas de futebol e a possibilidade de uma batalha campal é enorme. A polícia só está do lado de fora do presídio, para impedir que eles fujam. Um dos vídeos que circulam na internet, mostra que o próprio policial está com medo.
IHU On-Line - Como o governo do Rio Grande do Norte tem reagido e se manifestado sobre a situação no estado e, de outro lado, como a população local tem reagido?
Juliana Melo – Desde que aconteceu o massacre, eu tenho ido para lá e o que tenho visto é que os presos parecem estar sendo deixados para se enfrentarem lá dentro e morrerem. Em Alcaçuz os presos ficaram sem acesso à água, sem luz e sem alimentação durante os dois primeiros dias. O conflito começou no sábado e eu cheguei lá no domingo, às 7:20 min da manhã e a primeira ambulância só chegou às 8h. Certamente a situação é de caos e de miséria humana e não está sendo resolvida rapidamente.
Alguns líderes foram transferidos na segunda-feira, mas isso não é suficiente para conter o caos. A rebelião começou no sábado, às 16h30 min, logo depois da visitação, e durante toda a noite houve massacre sem que a polícia entrasse lá. Na segunda-feira, às 6h da tarde, a polícia foi embora e só ficou lá a Força Nacional, que não tem autorização para entrar no presídio. As mulheres, que têm maridos, filhos e pais lá dentro - estão desesperadas, dizendo que os presos vão se matar sem a presença da polícia lá, o que gera um estado de angústia e desespero constante por parte delas. Nesse sentido, o Estado parece não estar sendo muito eficaz na condução da situação. Elas dizem que o Estado está deixando um grupo menor ser massacrado, com o aval da sociedade, que acha que quanto menos bandido existir, melhor.
Nós temos que pensar que os presos cometeram erros, eles não são vítimas, mas a falta de educação, de emprego, a seletividade penal, o modo como as pessoas são tratadas nas periferias, contribui para que busquem no crime uma forma de sobrevivência e reconhecimento, mas as pessoas não percebem isso. De todo modo, o Estado está sendo omisso há bastante tempo, porque a situação prisional só vem piorando. E quanto mais a sociedade não quiser saber disso, a situação terá reflexos fora dos presídios. Com essa visão só estamos aumentando a força das facções, que não estão somente dentro dos presídios, mas fora deles. Basta vermos os ataques que o PCC fez na cidade de São Paulo há alguns anos. No ano passado, quando ocorreu outro massacre em Natal, escolas e o aeroporto foram fechados, ônibus incendiados. Ou seja, estamos diante de grupos criminosos com um grande poder de ação e as prisões acabam sendo “escolas do crime”.
Cabe notar que a violência é parte do presídio e as pessoas podem morrer por causa de um sabonete, porque o Estado não provê as condições mínimas. Se nós compramos um sabonete por dois reais, na prisão ele custa dez, quinze reais. Isto é, a prisão não prende somente uma pessoa, mas famílias inteiras e esse é um problema da sociedade como um todo, pois irá refletir na questão da violência de forma geral: vamos viver cada vez mais dentro de condomínios, de carros blindados, com medo. O encarceramento massivo, por sua vez, só vai aumentar o contingente de criminosos.
As pessoas têm que ser penalizadas por seus crimes, mas a punição pela punição não é suficiente. Temos que entender que esse é um processo maior que envolve desigualdades estruturais, como a seletividade da polícia e da Justiça e a criminalização da pobreza. Nesse processo, estamos levando pessoas mais jovens para o presídio, com menos qualificação e isso tem consequências graves, como estamos observando. Como o antropólogo Darcy Ribeiro disse, quase trinta anos atrás, se não investirmos em escolas e universidades, daqui a pouco não vamos mais ter presídios que deem conta da população carcerária brasileira.
IHU On-Line – Como a senhora avalia a declaração do governador do Rio Grande do Norte, de que não vai admitir a entrada da polícia no presídio de Alcaçuz porque do contrário vai acontecer um segundo Carandiru?
Juliana Melo - De fato é uma preocupação válida, mas se postergarem a resolução da situação, vai haver um novo Carandiru. As mulheres já dizem que a quantidade de mortos é muito maior do que o número divulgado, e eu acredito que elas sabem contar os mortos delas. A situação já é de quase um Carandiru e há risco tanto de a polícia entrar e isso acarretar em mais mortes, quanto há risco de a polícia não entrar e mesmo assim haver muitas mortes. A qualquer hora a barricada que separa as duas facções vai se romper. O governador falou em construir um muro para dividir as facções, mas quando isso vai ser feito? As mulheres estão pedindo que o PCC seja transferido, mas os boatos é que membros do Sindicato serão transferidos e que se isso acontecer, vai ter revanches na rua.
IHU On-Line - Pode nos dar um panorama de quais são as facções que atuam no Rio Grande do Norte e como elas estão distribuídas nos presídios do estado?
Juliana Melo – Essa questão é difícil de ser respondida, porque o Sindicato do Crime do RN foi criado em 2010, mas até poucos meses atrás, ele não era reconhecido. Recentemente a Folha de S. Paulo publicou uma matéria apresentando as facções do país, e destacava que no Rio Grande do Norte não existiam facções, por exemplo. Na verdade, as pessoas evitam falar da existência de algumas facções para não fortalecê-las. Mas elas existem e são inúmeras e, diante do expansionismo do Comando Vermelho e do PCC, existem vários grupos menores que tentam se organizar frente a esse processo.
De acordo com os relatos das mulheres entrevistadas em Alcaçuz, por exemplo, o PCC cobra mensalidades, não tolera pequenos furtos, não tolera estupro e, se as pessoas não “andarem pelo certo”, como eles dizem, podem ser inclusive decapitadas. A questão, portanto, é que muitos grupos não querem se submeter ao PCC e se organizam para conter esse movimento. O Sindicato do Crime do RN, a Família do Norte e a Al Qaeda, da Paraíba, nesse sentido, se constituem como grupos, inicialmente pequenos, que começam a ser organizar de modo nesse sentido e vão se transformando em maiores. De toda forma, o grupo que tem mais visibilidade no Rio Grande do Norte, atualmente, é o Sindicato do Crime do RN. Mas certamente esse não é o único grupo e nem será.
IHU On-Line - Alguns alertam para o perigo de a situação de conflito entre as facções sair dos presídios e ir para as cidades, como a senhora também mencionou, e outros dizem que apenas na grande Natal, 60% dos homicídios já são consequência de disputas entre membros de facções. Confirma esses dados? Qual é a situação da violência hoje no estado?
Juliana Melo – Não sei da situação de Mossoró e outras cidades da grande Natal, mas posso falar mais sobre a situação do presídio de Alcaçuz, que estou acompanhando. Para se ter uma ideia há conflitos entre as mulheres ligadas ao PCC e mulheres ligadas ao Sindicato do Crime do RN e, durante minhas visitas ao presídio de Alcaçuz, quase que tivemos que apartar as brigas entre elas, porque os seus maridos estão brigando dentro do presídio e elas começam a se ameaçar entre si e querer se vingar. Ou seja, isso já explica a tensão fora dos muros prisionais. Essa disputa, ao final, envolve não somente elas e os presos, mas também filhos, tios, parentes em geral e assim sucessivamente.
Em relação aos homicídios, de fato estão aumentando muito nas periferias e nos últimos dias tivemos conflitos isolados na Favela do Japão, por exemplo. Ou seja, essa guerra já está rua e já era parte da rua, ou seja, não é um processo de agora. A maior parte ocorre nas periferias de Natal e quase 70% envolvem jovens das periferias (dos bairros Nossa Senhora da Apresentação e Mãe Luiza, especialmente). São os jovens mais vulneráveis que têm sido mortos em grande parte.
IHU On-Line – Tem sido desenvolvida alguma política pública nessas periferias, para reverter a situação?
Juliana Melo – Nós estamos fazendo algumas pesquisas e existem grupos de segurança pública e de mapeamento de crimes letais intencionais atuando. Dentro desses grupos temos um projeto para atuar junto às comunidades a partir de 2017. Mas, de modo geral, as políticas públicas desenvolvidas têm sido o encarceramento massivo de jovens - muito focado na questão das drogas e na prisão de “usuários” e/ou “pequenos traficantes”.
Só vejo solução para essa situação com uma política de fortalecimento da educação, de uma educação cidadã, mas o que estamos vendo hoje é a retirada de recursos, justamente. No ano passado, no Rio Grande do Norte, assistimos à destruição de escolas públicas: pais de alunos roubaram portões da escola, alunos quebraram os tetos, roubaram fios etc. Em termos gerais, esse é o retrato da educação pública no país. Não valorizamos nem o bem público, nem o outro. Não sabemos o que é cidadania em sentido pleno. O resultado tem sido trágico como estamos observando.
IHU On-Line - Que tipo de política poderia ser adotada para resolver os problemas do sistema carcerário? Deveria existir um tipo de política diferente para presos envolvidos com crimes de baixa periculosidade e para membros de facções, por exemplo?
Juliana Melo – É difícil dizer, porque ao prender uma pessoa, vamos perguntar a ela a qual facção pertence? Algumas políticas que já existem deveriam ser aplicadas. Tem também que diminuir o número de prisões provisórias e as audiências de custódias podem ser uma boa alternativa. Também é preciso rever a lei antidrogas e não aumentar o número de vagas nos presídios ou construir novos presídios, como propõe o Plano de Segurança Nacional. Essa política já tem sido feita há 30 anos e só tem fortalecido as facções.
IHU On-Line - Alguns têm alertado para o risco de o Brasil se tornar um narcoestado por conta das relações entre as facções e a política. Quais os riscos disso?
Juliana Melo – Na verdade não podemos fazer uma previsão, mas o Brasil já é rota de tráfico internacional há muito tempo, porque estrategicamente a localização espacial do país favorece isso. O que vejo é o PCC subindo para Manaus, onde tem as grandes rotas de tráfico de cocaína, para disputar mercados e poder com grandes facções internacionais. A previsão é que haverá, portanto, uma disputa intensa entre facções por esse mercado, que é um mercado extremamente lucrativo devido à política proibicionista.
O pesquisador e jornalista Denis Burgierman, por exemplo, fez uma pesquisa mostrando que de cada dez mulas – as pessoas que levam a droga em seus corpos, de um país para o outro ou não - oito são aprisionadas, o que significa que há uma grande perda de droga nesse processo. Mas a questão é que as duas mulas que conseguem transportar a droga de um país para o outro, possibilitam um lucro tão grande, que compensa inclusive a perda da droga por essas oito pessoas capturadas. Estamos diante, portanto, de um mercado que movimenta milhões.
Só para ter uma ideia, na pesquisa que fiz em Brasília com as mulheres mulas, aquelas que entram na prisão levando drogas, elas relataram que se você compra 50 gramas de maconha na rua por 180 reais, essa mesma quantidade de drogas pode movimentar até quatro mil reais na prisão, porque a droga é escassa dentro dos presídios e extremamente valiosa. E as pessoas que têm droga dentro da prisão, têm poder sobre as outras, ou seja, um preso pode dar um pouco de crack para um dependente com a promessa de que esse assuma um crime que não cometeu e assim sucessivamente. Ou seja, há uma desigualdade muito grande dentro da própria prisão e esse é um mercado extremamente lucrativo. E essa política de repressão só faz com que a droga fique mais cara, mais disputada e as facções se organizam para tomar conta desse mercado e do vazio deixado pelo próprio Estado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"A guerra já está na rua". Facções não querem se submeter ao PCC e ocupam vazio deixado pelo Estado. Entrevista especial com Juliana Melo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU