02 Mai 2019
“Com Jesus que sobe ao Pai, unidos a Maria Madalena, no centro da Igreja, devemos iniciar um caminho de ascensão salvadora, que nos conduz de verdade até o mistério de Deus. Maria é a primeira daqueles que fizeram esta experiência pascal”, escreve Xabier Pikaza, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 25-04-2019. A tradução é do Cepat.
Morreu justamente para que ela e outros muitos como ela pudéssemos ressuscitar, pois como disse Jo 12,24: “Se o grão de trigo não morre...”. Jesus era o grão de trigo, ela é o primeiro fruto. Por isso, mais que a ressurreição de Jesus, a páscoa é a ressurreição de Maria Madalena e de milhões de crentes até o dia de hoje.
Conforme a primeira criação (Gn 2), própria da terra, da humanidade antiga (Adão), nasceu ela, a mulher, a vida já concreta (Eva), como primeira pessoa da história. Nesta nova criação pascal, que é a definitiva (como disse Paulo em 1Co 15, 20-21. 42-49), no horto onde jogaram/enterraram a Jesus (como trigo inútil) nasce/ressuscita Madalena, primeira crente cristã, como segue dizendo Jo 20, 11-18, Evangelho que hoje vamos comentar.
Fonte: Religión Digital
Mais que a ressurreição de Jesus, este Evangelho conta a de Maria Madalena, pois mais que em si mesmo, Jesus ressuscita nos outros, naqueles por quem viveu, naqueles por quem morreu. Assim o compreendeu Madalena, que é uma pessoa individual, sendo, ao mesmo tempo, sinal de todas as mulheres que seguiram Jesus, de todos os ressuscitados, homens e mulheres.
Ela continua sendo para a Igreja, com o Discípulo Amado (com quem pode se identificar) e com a Mãe de Jesus (com quem às vezes parece se confundir), o sinal mais profundo da humanidade pascal, isto é, da Igreja dos ressuscitados.
Foi assim que a apresentou o Papa Francisco, ao chamá-la “apostola apostolorum” (22.8.217), apóstola dos apóstolos, de maneira que a Igreja, sendo apostólica (dos apóstolos) é “magdalenita”, ou seja, de Madalena. Assim a recorda, esta semana de Páscoa, como experiência e esperança de amor sobre a morte.
Fonte: Religión Digital
Comecemos lendo todo o texto (Jo 20, 11-18) com cuidado, destacando cada um de seus traços. Talvez já possamos distinguir, desde agora, dois aspectos em Maria:
(a) Ela é a humanidade fracassada por amor, ao final de todos os caminhos, perdida em um jardim sem mais flor que a morte, chorando pela ausência de seu amado. Destacando alguns desses traços, as visões posteriores dos gnósticos dirão que é a humanidade em uma pobre figura de mulher prostituída, caída sobre o chão.
(b) Contudo, ela é ao mesmo tempo a mulher do novo amor. Não é simplesmente uma mulher caída, seduzida, condenada ao cativeiro, mas, ao contrário, representa a todas as mulheres e homens que buscam redenção de amor sobre a terra, aparecendo assim como princípio de nova humanidade. Todos somos nessa perspectiva Maria Madalena. Ela é nossa voz e figura de Páscoa.
Sendo uma mulher derrotada e impotente, sobre o horto de uma vida que se torna sepultura, Maria é, ao mesmo tempo, uma mulher que tem e busca amor: sinal da humanidade que, ansiando ao Cristo, quer alcançar a redenção. Não fugiu como o restante dos discípulos homens, mas, ao contrário, permanece diante da cruz, com outras mulheres (cf. Mc 14, 27; 15, 40.47). Ela permanece.
Fonte: Religión Digital
Seu amor a Jesus é maior que a morte e por isso permanece, chorando e desejando mais amor diante de um sepulcro vazio. Interpretada assim, a Páscoa será uma resposta de Deus à busca de amor das mulheres e homens. Maria é sinal de uma humanidade que busca amor, que quer culminar seu noivado, ou seja, sua aliança e caminho de diálogo afetivo com o próprio Deus do céu, em uma terra convertida em jardim de morte.
O que faz? Busca apaixonadamente a seu amigo morto. Este é o paradoxo. Conforme as tradições espirituais elaboradas pelos gnósticos mais tarde, ela (a mulher caída) deveria estar desejando encontrar apenas uma fonte espiritual de sabedoria, para receber assim a grande revelação de Deus. Só então poderia ocorrer as bodas finais do homem celeste (Palavra superior) e a mulher caída (humanidade que sofre condenada sobre o mundo). Pois bem, contra isso, ela busca sabedoria de amor, mas um amor concreto, inseparável do cadáver (da história) de seu amigo morto.
Fonte: Religión Digital
Este é o paradoxo: a Sabedoria e salvação de Deus parecem ter se escondido em um cadáver. Sobre o jardim do velho mundo enterraram Jesus. Maria lhe procura apaixonadamente, pois o amor verdadeiro resulta inseparável do cadáver, da história, do amigo morto. Bem pensada, sua ação pode se chamar uma loucura:
“Maria tinha ficado fora, chorando junto ao túmulo. Enquanto ainda chorava, inclinou-se e olhou para dentro do túmulo. Viu então dois anjos vestidos de branco, sentados onde o corpo de Jesus tinha sido colocado, um na cabeceira e outro nos pés. Eles disseram: Mulher, por que você está chorando? Ela lhes disse: levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram. Enquanto dizia isso, Maria virou-se e viu Jesus de pé; mas não sabia que era Jesus. E Jesus perguntou: ‘Mulher, por que você está chorando? Quem é que você está procurando?’ Maria pensou que fosse o jardineiro, e disse: Se foi o senhor que levou Jesus, diga-me onde o colocou, e eu irei buscá-lo” (Jo 20, 11-15).
Este é o início de uma conversa prodigiosa, onde influem e culminam todos os motivos da história humana. Esta mulher não precisa de uma teoria da iluminação interior: quer um cadáver, busca o corpo de seu amigo assassinado. Dessa forma, rompe os esquemas da gnose espiritualizante. Não quer um mundo edificado sobre cadáveres que se ocultam. Não se responde com teorias ao mistério do amigo morto.
Sobre o jardim deste mundo, que no princípio pode ter sido apresentado como paraíso (cf. Gn 2), parece que só pode florescer a árvore da morte. O novo Adão jardineiro seria no fundo um guardião de cadáveres, um coveiro. Ela, Maria, parece aceitar esse destino, mas quer o cadáver de seu amigo morto. Não quer que o manipulem, não quer que o escondam. Alguns disseram que está louca, mas está como os grandes amantes da história: como Joana, rainha de Castela, que seguia chorando pelos campos, e seguindo em luto o cortejo do marido morto; como tantos homens e mulheres que recordam a seu amado e se fixam para sempre em atitude de pranto. Precisa do cadáver: não quer que o ocultem, que o escondam para que tudo continue como estava.
Estamos em um mundo que deseja esconder seus cadáveres... Enterrá-los, afastá-los, negá-los: que ninguém se recorde deles, que ninguém saiba que nós (os ricos, os favorecidos) vivemos sobre os cadáveres de milhares de milhões de “crucificados”, mortos e enterrados (sem que ninguém recorde seu cadáver).
Precisamos esconder os cadáveres, jogar sobre eles mais terra, uma pedra maior, para assim “lavar” nossas mãos e ficar tranquilos. Pois bem, contra isso, Madalena precisa chorar pelo amigo morto, manter a lembrança de seu cadáver. Este é um amor que dura, um amor que mantém a lembrança, que não quer esquecer os amigos mortos.
Humanamente falando, o gesto de Madalena parece uma loucura: não é permitido pegar um cadáver do sepulcro e o levar para casa ou colocá-lo na praça, para que todos vejam aquele que mataram. Não é possível manter dessa maneira a lembrança de um morto... A história dos vencedores avança sobre o esquecimento dos assassinados (para os quais se pode erguer um belo sepulcro para os esquecer melhor).
Não é possível deter a morte, mas muitos desejaram isso, de diferentes maneiras, sempre para esquecer melhor, para tornar os mortos um lembrete de nosso próprio poder. Nessa linha, os faraós do Egito e outros grandes magnatas da história desejaram guardar seu cadáver ou o cadáver de seus familiares em imensas pirâmides, para assim se mostrar superiores e se impor ao restante dos homens. Sobre o túmulo dos grandes heróis mortos são edificados impérios...
Mas, esta mulher não deseja construir uma pirâmide, não tenta manter o controle sobre os outros por meio da morte. Ela pretende algo mais simples e mais profundo: conservar o amor ao seu amigo morto, manter a memória de sua vida. Por isso, precisa de seu cadáver, para chorar por ele, para sentir o poder da morte e para continuar depois sua vida (a forma de vida do morto). Não quer se impor sobre ninguém, basta-lhe amar, mas precisa do sinal de seu amado morto, seu cadáver.
Podemos dizer que Maria está louca, mas louca de amor, louca em favor da vida. Só onde alguém ama Jesus, torna-se possível a experiência da páscoa. Certamente, Jesus estava vivo e verdadeiro no interior desta mulher. Contudo, a verdade que ela tem e deseja guardar (um cadáver) irá se revelar como fonte e princípio de revelação muito mais profunda. Ela terá a Jesus de outra maneira.
Já se encontraram de algum modo. O jardineiro perguntou, ela lhe disse seu amor, no jardim da morte, ao lado do túmulo vazio. Mas, o encontro verdadeiro começa quando o jardineiro, Senhor do novo horto da Vida, toma a palavra e chama a mulher pelo seu nome:
“- Jesus disse: Maria!
- Ela se virou e disse em hebraico: Rabuni! (Mestre!).
- Jesus disse: Não me toque mais, porque ainda não subi ao Pai. Vai dizer aos meus irmãos: ‘Subo para junto de meu Pai, que é Pai de vocês, do meu Deus, que é o Deus de vocês.
- Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: ‘Eu vi o Senhor e me disse estas coisas!’” (Jo 20, 16-20).
Maria buscava o amigo na morte, ou seja, ao final de um caminho que havia começado no jardim do paraíso: não restava árvore da vida, só havia um tronco seco de morte. Buscava ali o amor de um morto, mas Jesus lhe respondeu oferecendo a vida e o amor daquele que está vivo, chamando-a por seu nome: Maria. Desta forma, no gesto de conversão pessoal, culminou a experiência da páscoa.
Só quem escuta Jesus quando lhe chama de um modo pessoal sabe de verdade que existe vida, que há ressurreição. Tudo o resto é pressuposto ou consequência. A ressurreição é no fundo encontro pessoal de amor, descoberta de Jesus que se elevou da morte e que nos diz, chamando-nos de um modo íntimo, por nosso nome: ‘vive, estou com você, seja você mesmo!’.
Isto é a páscoa: encontro com Jesus, encontro para a vida. Isso significa que não estamos condenados a seguir amando a um morto, buscando no jardim nosso cadáver (como Maria buscava antes). O verdadeiro amor suscita vida, transformando o jardim do cadáver em horto de graça que dura para sempre. Não se trata de negar o cadáver, mas, ao contrário, de converter o cadáver em princípio de vida. Não se trata de ocultar o morto, para que os que matam continuem triunfando, mas de viver a partir daquele que morreu de amor, para vencer no amor aos assassinos da história.
Sigamos lendo o texto. Em gesto que se parece ao de Mt 28, 10, Maria se agarra aos pés de Jesus, em encontro afetuoso, onde se juntam adoração (lançar-se aos pés), confiança (tocar) e amor profundo (acariciar). Ela pretende eternizar essa atitude. Permaneceria assim por toda a vida, em atitude de união profunda, em doação de corações. Nada busca, já não precisa de mais nada, tem tudo o que quer. A páscoa é um encontro permanente de união com o amado.
Não tem medo. Por isso, Jesus não precisa a animar dizendo: ‘não temas!’ (como em outras ocasiões: Mc 16,6; Mt 28, 20). Como mulher que encontrou sua felicidade, como pessoa que ao final chegou à meta do caminho, Maria pode se manter para sempre nesse gesto de encontro com seu amado. Este é o tempo da felicidade, dos olhos que se olham, das vozes que dialogam, das mãos que tocam.
Na linha de algumas formulações posteriores da gnose, poderíamos afirmar que Maria começou a se juntar com Jesus ressuscitado em noivado místico, intimista. Eles representam o ser humano inteiro: são o diáde (ou casal) inicial que já simboliza a salvação dos humanos, no novo paraíso deste mundo, sobre o horto da morte convertido em manancial de vida. Esta perspectiva é boa, mas deve se completar, como agora indicaremos.
Paradoxalmente, veio Jesus, se mostrou pessoalmente, lhe disse seu amor... É lógico que ela queira manter esse momento, manter-se em gesto de intimidade para sempre. Mas, Jesus responde: ‘Não me toque!’.
Parece que esta palavra significa: não me toque mais, não continue me agarrando. Dessa maneira, destaca-se que há uma união neste mundo que não pode se fechar em si mesma. A experiência pascal é um princípio, uma promessa que não pode se separar do caminho de vida e de missão, ou seja, da tarefa a serviço dos outros.
Esta palavra, ‘não me toque!’, recorda a fragilidade do tempo, nos situa dentro do mistério de uma páscoa que não pode culminar sobre a terra. Não existe neste mundo amor perfeito, para sempre. Tudo o que aqui vamos vivendo segue aberto para a morte. Por isso, o encontro com Jesus foi um sinal de esperança no caminho, não é ainda a realidade cumprida.
Maria descobriu, por um breve momento, o grande mistério: encontrou Jesus, se encheu de sua vida pascal e de sua glória. De agora em diante, não será uma pecadora: uma mulher caída, estéril, fracassada. A experiência pascal a tornou portadora do mistério de Deus (Jesus) para os homens.
Ao lhe dizer ‘não me toque’, Jesus está dizendo a ela que deve se ocupar de tarefas importantes, de missões novas sobre o mundo. A páscoa não pode ser interpretada como experiência de escapismo, não é fuga para um nível interno, puramente espiritual, da existência. Jesus ressuscitado torna Maria missionária de sua páscoa e da graça de Deus diante dos homens.
Conforme a visão anterior, refletida em Mc 16, 1-8 e Mt 28, 1-10, as mulheres da páscoa precisam dizer aos discípulos que partam logo para a Galileia, para lá se encontrar com Cristo. Pois bem, nossa passagem mostra uma experiência pascal nova. Maria é portadora de uma forma de missão distinta. Precisa procurar os discípulos para lhes transmitir a mensagem ou mistério mais profundo de Jesus: subo para junto do meu Pai e Pai de vocês, meu Deus e Deus de vocês!
Maria é, segundo isso, a primeira teóloga da páscoa: descobriu em sua vida o caminho de Jesus. Sabe que triunfou e sobe ao Pai e assim deve anunciar. A partir desta perspectiva, já se compreende melhor o ‘não me toque!’. Ela é um sinal vivente da ausência presente de Jesus, por isso pode dizer que vive (ressuscitou) e que subiu ao mistério de Deus Pai.
Entre o Jesus que em um sentido a deixou (não me toque!) e os discípulos a quem deve procurar e evangelizar, em chave da páscoa, encontra-se Maria agora. Procurava um cadáver no horto, Jesus lhe ofereceu uma missão e caminho apaixonante de vida.
Agora, compreendemos que a páscoa é a ascensão final de Jesus, que percorreu seu caminho sobre o mundo e o culmina no seio de Deus Pai. Mas, ao mesmo tempo, culminando seu caminho de subida e plenitude recriadora, Jesus abre um caminho de seguimento para seus discípulos, partindo da mensagem de Maria.
Ela foi a primeira: tocou em Jesus por um momento sobre o mundo como, em algum sentido, todos os crentes podem lhe tocar ou lhe descobrir. Mas, depois, Maria e os discípulos devem saber que Jesus já subiu ao Pai. Não se encontra à mão, de maneira externa, sobre o mundo. Por isso, não podem lhe segurar para sempre, não podem lhe deter em nossa história.
Aqui, também encontramos uma perspectiva pascal que é contrária àquela oferecida, naquele tempo, pela gnose espiritualizante. O gnóstico é um homem que pensa que encontrou plenamente Jesus sobre a terra, por isso pode afirmar que culminou seu caminho e já não precisa andar mais. Ao contrário, Maria Madalena descobriu que a páscoa é experiência de ascensão ao mais alto e de missão libertadora: é como uma luz, um toque de presença que nos torna capazes de entender, buscar e caminhar, depois, sobre o mundo.
Só se pode experimentar a Jesus quando se assume seu gesto de subida, ao descobrir que não podemos lhe tocar ao modo antigo para sempre. Foi uma experiência breve, um consolo de amor sobre o horto. Em seguida, a própria Madalena que antes parecia louca precisa se tornar missionária, dando testemunho daquele que foi visto e sentido, fazendo-se iniciadora de mistério para os próprios apóstolos.
A páscoa de Jesus responde a algumas de nossas perguntas, abrindo-nos (ao mesmo tempo) ao mistério mais alto do Pai. Se só existe páscoa dentro da vida deste mundo é que não há páscoa. O triunfo de Jesus, que se expressou sobre o horto como encontro de amor com Maria, vem abrir-se depois como caminho de ascensão ao Pai.
Ela havia se refugiado no horto de seu próprio pranto. Agora, precisa se dirigir aos discípulos, falar com eles, começando a realizar sobre a terra a grande experiência da transformação que nos conduz a Deus Pai. Dessa forma, a antes solitária se converte em mensageira de Deus sobre a terra.
A experiência e palavra de Maria valem também para nós. Já não precisamos voltar a Galileia. Não precisamos nos fechar nas coisas deste mundo. Com Jesus que sobe ao Pai, unidos a Maria Madalena, no centro da Igreja, devemos iniciar um caminho de ascensão salvadora, que nos conduz de verdade até o mistério de Deus. Maria é a primeira daqueles que fizeram esta experiência pascal.
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Maria Madalena, “a teóloga da Páscoa”. Artigo de Xabier Pikaza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU