10 Janeiro 2019
"O alvo principal das hostilidade recai sobre o estrangeiro, o outro, o diferente – ao mesmo tempo estranho e vindo de fora", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
“Patria” é o título de um recente romance do escritor espanhol Fernando Aramburu (Ugo Guanda Editore, Milano, 2016). O livro põe a nu as feridas de duas famílias bascas, ambas golpeadas pela onda de atentados da organização nacionalista basca ETA – Pátria Basca e Liberdade. Embora uma das famílias estivesse do lado das “vítimas” do terrorismo e a outra do lado dos “libertadores” da pátria, ambas viram-se igualmente envolvidas em circunstâncias de isolamento, desprezo e perseguição. Com riqueza de cores e sabores, de tons e detalhes, o autor nos oferece um magnífico antídoto contra o nacionalismo extremista que hoje ameaça fechar corações, portas e fronteiras.
No caso da organização ETA, diferentemente do que se vê nos dias atuais, trata-se de um extremismo nacionalista com tonalidades de esquerda. As entrelinhas do texto, porém, não deixam dúvidas quanto ao “rastro de viúvas e órfãos” que o fanatismo exacerbado é capaz de provocar, seja ele de natureza política, religiosa ou ideológica. Vemos isso na crise dos anos de 1930 em não poucos países: Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini, União Soviética de Stalin, Espanha de Franco, Portugal de Salazar, Iugoslávia de Tito, Brasil de Getúlio Vargas, entre outros. Vinda da direita ou da esquerda, os métodos usados por semelhantes grupos intolerantes sempre deixam atrás de si um número considerável de mortos e feridos, além de desencadear um fluxo em massa de migrantes, prófugos e refugiados.
O princípio motivador de tais atitudes costuma ser simples, ou melhor, perigoso porque extraordinariamente simplista. Uns encontram-se “deste lado”! Defendem a soberania nacional, uma determinada religião ou certa ideologia. Outros, colocam-se “do lado de lá”, e, por isso mesmo, são inimigos. Devem ser combatidos com todas as forças e meios que os primeiros possuem. Instala-se um dualismo implacável e irredutível entre os “nossos” e “eles”, entre os de “dentro” e os de “fora”. De ambos os campos em jogo, respira-se um clima de medo, ameaça e desconfiança. Imediatamente erguem-se muros, barreiras e obstáculos de toda ordem, visíveis ou invisíveis, para separar os dois grupos. O princípio da dignidade da pessoa humana ou da defesa de seus direitos fundamentais cede a primazia à ideologia da segurança nacional. Mais preocupante ainda quando se trata da “guerra santa”, na qual os dois lados combatem em nome de Deus. Se um possui a verdade absoluta, o outro deve ser eliminado como “herege” ou “infiel”. Quantos, ao longo da história, tombaram marcados com essa mancha maldita!
As primeiras décadas do século XXI assistem, com um misto de perplexidade e estupefação, ao surgimento de uma onda devastadora de novo fundamentalismo. Uma de suas versões mais fortes é constituída pelos grupos e partidos da extrema direita, em particular, com vestes de nacionalismo populista. Valem-se de recursos, meios e mecanismos para manipular e instrumentalizar politicamente o medo, a ameaça e a desconfiança. Com isso, assumiram o poder em uma série de países, ressuscitando, entre outras coisas, o protecionismo e a guerra comercial. Desta vez, o alvo principal das hostilidades recai sobre o estrangeiro, o outro, o diferente – ao mesmo tempo estranho e vindo de fora. Daí a tendência geral ao controle e/ou fechamento das fronteiras; à crescente negação do direito de asilo; à elaboração de leis migratórias cada vez mais rígidas, seletivas e restritivas; à expatriação dos chamados “clandestinos ou irregulares”; e à redução do orçamento para os serviços de acolhida, assistência e inserção dos migrantes.
As ações da organização basca ETA, da Irlanda do Norte ou do Estado Islâmico, por exemplo, não parece ser o melhor caminho para lançar os alicerces de uma noção positiva de pátria ou de patriotismo. Uma e outro, se e quando reais e verdadeiros, mantêm abertas as possibilidades do encontro, do confronto sadio e do diálogo recíproco. Tal noção de pátria e patriotismo reconhece as próprias raízes, a história e os valores, e reconhece de igual modo as raízes, história e valores de seus vizinhos. O nacionalismo, em lugar de semelhante abertura, privilegia a separação, a inimizade e o conflito. Traz embutida uma noção negativa de pátria e patriotismo, a qual parte do pressuposto que a pátria deva construir-se contra os demais países e, por vezes, com as armas e a violência. Entretanto, o patriotismo nasce, cresce e se consolida num terreno de relações saudáveis para o convívio entre povos, culturas e nações. Em sua versão construtivista sabe que o intercâmbio internacional enriquece mutuamente a todos os envolvidos, na busca de uma cidadania sem fronteiras, ou com fronteiras leves e fluídas, onde prevalece o princípio de cidadania universal.
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Pátria, patriotismo e nacionalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU