15 Junho 2020
Dom Georg Bätzing, 59 anos, presidente dos bispos da Alemanha há alguns meses, afirma: “Não excluo que se possa continuar falando do tema da ordenação das mulheres”.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada em La Repubblica, 14-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele chegou há poucos meses à frente da Conferência dos Bispos da Alemanha, substituindo o cardeal Reinhard Marx. Dom Georg Bätzing, 59 anos, bispo de Limburgo, fala ao La Repubblica sobre as reformas levadas em frente pela Igreja do seu país, a relação com Roma, o papel dos leigos e das mulheres, as feridas da pedofilia, até o tema mais candente, o celibato sacerdotal e, ao mesmo tempo, a constatação de que “não seria prejudicial à Igreja se também houvesse sacerdotes casados”.
Excelência, nos últimos meses, a imprensa escreveu que a Igreja na Alemanha quer realizar reformas que Roma ainda não consegue assumir. É isso? A Igreja alemã viaja em uma velocidade diferente de Roma?
Somos gratos pela vivacidade do compromisso das nossas comunidades e associações, seja em nível diocesano, seja em nível nacional, especialmente agora, em tempos de coronavírus. Como Igreja Católica na Alemanha, há um ano, decidimos fazer o Caminho Sinodal, que já começamos: bispos, sacerdotes e leigos. Queremos nos perguntar e buscar aquilo que Deus tem a nos dizer neste tempo, como podemos tornar a nossa Igreja próxima das pessoas e a serviço da vida. Muitos assuntos também são urgentes em outros países. Então, levamos as nossas reflexões para Roma. Mas não haverá um caminho alemão especial, pois nós nos compreendemos como parte da Igreja universal, assim como somos uma Igreja particular para Roma. Uma pressupõe a outra, e vice-versa.
A Igreja ainda parece ter uma visão muito clerical. Os leigos ainda são sempre vistos como secundários, e, no fim das contas, tudo permanece nas mãos da hierarquia. Que novos passos ela propõe a esse respeito?
Na Alemanha, há décadas, há um bom relacionamento entre sacerdotes e leigos. Há mais de 150 anos, os leigos estão representados no catolicismo alemão. Desde o Sínodo de Würzburg, um dia após o Concílio Vaticano II, existe uma “conferência conjunta” que reúne bispos e representantes dos leigos duas vezes ao ano. O Caminho Sinodal foi decidido pelos bispos e pelos representantes dos leigos, e acho que há aí uma boa colaboração. Ela não está isenta de debates controversos, mas é sempre marcada por uma grande estima.
O Sínodo sobre a Amazônia propôs a possibilidade de ordenar viri probati, homens casados mais velhos para aqueles lugares onde não há vocações. O senhor acha essa estrada viável? Por que abolir a obrigatoriedade do celibato sacerdotal? Que soluções o senhor vê para essa questão na Alemanha e que poderiam ser adotadas?
A abolição do celibato não está em questão. Isso é uma simplificação excessiva. O Papa Francisco afirmou claramente que permanecerá fiel ao celibato. E há muitas boas razões para isso. Mas, junto com a sua reflexão pessoal sobre o Sínodo da Amazônia, ele também publicou o documento oficial conclusivo desse Sínodo. Lá se encontra uma indicação de que, na situação específica da Amazônia, o serviço do sacerdote às pessoas deve ser mais importante do que a forma de vida. Eu concordo com isso, embora, pessoalmente, acredite que uma forma de vida completamente centrada em Deus, completamente a disposição é preciosa. Viver isso também é um sinal para hoje. No entanto, não me parece que seria prejudicial para a Igreja se também houvesse sacerdotes casados. Ao contrário.
Mas seria uma grande perda para a Igreja se houvesse apenas sacerdotes casados e não mais aqueles que escolhem o celibato. Se se deixasse a liberdade aos sacerdotes, seria compreensível o desdobramento que se teria. Mas seria importante tornar atraentes ambas formas. A vida celibatária não é uma vida em solidão, mas, a seu modo, é uma vida rica em relações, mas que são diferentes de um relacionamento íntimo. Os sacerdotes costumam estar tão envolvidos na pastoral e vivem tão longe uns dos outros que se tornou quase impossível na cotidianidade que se encontrem, rezem juntos, debatam e, assim, se apoiem reciprocamente.
A Igreja sempre fala na defesa das mulheres, mas depois sempre permanece autocentrada e estruturada de modo muito masculino e hierárquico. Por que o sacerdócio feminino assusta tanto?
Não é uma questão de medo. Vários papas explicaram e enfatizaram que o acesso das mulheres ao sacerdócio não pode ser decidido pela Igreja. E o Papa Francisco não é exceção. Na Igreja Católica, o magistério do colégio episcopal “cum Petro et sub Petro” é a instância decisória. Mas isso não significa que não se possa continuar falando sobre o tema da ordenação das mulheres. Porque é uma demanda presente na própria Igreja! Entre o povo de Deus, as razões do “não” à ordenação das mulheres geralmente não são mais aceitas. Precisamente por isso, sou muito favorável que sejam transferidos para Roma, no nível da Igreja universal, os conhecimentos e as resoluções que reuniremos ao longo do Caminho Sinodal da Igreja na Alemanha, também no que diz respeito ao papel das mulheres e aos ministérios. Acredito que aquilo que é expressado sinodalmente também deve ser esclarecido e encontrar uma resposta sinodal, não simplesmente a resposta de um dicastério romano! Eu tenho confiança nisso. Essa é a novidade que ganhou força com o Papa Francisco.
Em partes significativas da Igreja, pairam há anos os casos de abuso sexual. Agora, alguns passos foram dados, mas ainda há coisas silenciadas. Depois de um encontro no Vaticano sobre o tema dos abusos no qual as vítimas também falaram, Bento XVI publicou um texto no qual identificava uma crise moral de 1968 como responsável pelos abusos, mas não dizia nada sobre as vítimas. O que o senhor pensa sobre isso?
Sim, isso foi silenciado. Foi um erro grave. A perspectiva naquele momento não podia contar com os conhecimentos que temos hoje. Isso não justifica nada, mas deve ser levado em consideração. Por isso, sou grato pelo fato de que, há um ano e meio, foi publicado o estudo MHG para a Igreja na Alemanha, que nos colocou diante dos números aterrorizantes e nos entregou tarefas a serem realizadas. Precisamente esse estudo mostrou que havia um nível alarmante de abusos sexuais no contexto eclesial ainda muito antes da mudança cultural em 1968. O Papa João Paulo II e mais claramente ainda o Papa Bento XVI e o Papa Francisco nos ensinaram: acima de tudo, devemos olhar para as vítimas, toda a nossa atenção deve se voltar a elas. Todos os papas, quando encontraram vítimas de abusos sexuais, demonstraram isso muito claramente.
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Igreja alemã olha para a frente: “Padres casados, qual o problema?”. Entrevista com D. Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU